segunda-feira, 14 de março de 2016

PEDOFILIA NA IGREJA - "SPOTLIGH, SEGREDOS REVELADOS"



    PEDOFILIA E PODER SAGRADO
   CRISE DE CREDIBILIDADE NA IGREJA

PARTE I

QUE O ECO DE SPOTLIGHT CHEGUE AO VATICANO – É HORA DE PROTEGER AS
CRIANÇAS






Longa mostra como a equipe de jornalistas do diário “The Boston Globe”, desvendou uma trama que se tornou o maior escândalo de pedofilia da Igreja Católica




O jornalismo é uma profissão romanceada à exaustão em filmes e outras narrativas. Apesar dos percalços desse campo de trabalho, de tempos em tempos surge uma história real que reacende a chama. Esse é o caso de SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS.

“Spotligh” é um filme que não tem medo de fazer grandes perguntas sobre o papel da imprensa no mundo contemporâneo. Qual a missão de um jornal: apenas informar ou também tentar mudar a sociedade na qual está inserido?

 A partir de uma estória real o diretor Tom McCarthy investiga essas duas proposições. O filme concentra-se no papel da imprensa e da liberdade de expressão – que parece entrar em xeque quando o assunto envolve uma instituição poderosa, no caso, a Igreja Católica.


       “Spotligh” está tão interessado no processo jornalístico quanto na descoberta da equipe do jornal “The Boston Globe”, que desvendou os crimes cometidos por religiosos e acobertados pela Igreja local.

O Jornalismo, quando realizado com jota maiúsculo, não só é um exercício nobre, mas também um instrumento fundamental da democracia – e não é à toa que uma das primeiras medidas de qualquer ditadura é acabar com a liberdade de imprensa.

Assistir a um filme como “Spotlight”, que conta a história verdadeira de uma pequena equipe de jornalistas que expôs os esforços da Igreja para proteger padres pedófilos, é no mínimo um lembrete importante a respeito do jornalismo investigativo.

“Spotligh” mostra como todo o trabalho feito pelos jornalistas investigativos até ao ponto de escrever a matéria foi amplo e exaustivo, tomando meses de investigação, com uma orientação determinada de um editor competente. Não havia limite de espaço, e tampouco de tempo para que as matérias fossem publicadas.  

Algo um tanto anacrônico no jornalismo atual, com textos curtos (para não desestimular a leitura), pouca checagem e reflexão, com matérias rasas que dependem mais do achismo e de pesquisas breves no Google, do que pesquisas sérias e apuração da verdade, e onde o que vale é quem postou primeiro.




 O filme posiciona o espectador dentro da redação do jornale, principalmente, busca acompanhar o cotidiano dos jornalistas em sua peregrinação diária para apurar e descobrir fatos, atrás de entrevistas, novas linhas de investigação e de evidências que embasassem as descobertas.

 O filme é uma oportunidade educativa para aqueles que almejam ser jornalistas:
Ø Mostrando a maneira como o jornalismo deveria ser feito – com imparcialidade e apuração fidedigna dos fatos, dois preceitos básicos do bom jornalismo;
Ø Falando da motivação profissional que justifica a denúncia da hipocrisia de uma parte da Igreja, da burocracia imposta pelos poderosos e, principalmente, do abuso decorrente da fragilidade socioeconômica dos mais desfavorecidos.

A jornalista Maria Antonietta Calabró, em artigo publicado por Formiche, 20-02-2016,
aponta o Oscar de Melhor Filme para “Spotligh” como a vingança do jornalismo investigativo que conta o que está aos olhos de todo mundo.

 As ferramentas de investigação descritas tão bem no filme são ordinárias, em nada extraordinárias: entrevistas com os abusados, com os advogados, mas sobretudo, consultas aos Anuários da Igreja Católica, empoeirados mas guardados em arquivo.

O salto de qualidade da investigação veio exatamente do estudo e análise de documentos oficiais da própria Igreja. Da consulta emergiu para os jornalistas uma regularidade estatística, a presença de quase noventa padres, suspensos, retirados por doença ou transferidos de paróquia em paróquia.


O editorial da revista "National Catholic Reporter" diz:

Com a premiação de Melhor Filme para “Spotligh” a humilhação para a Igreja Católica está, agora, tão completa quanto se poderia esperar em uma cultura onde o que está nas telas, é frequentemente, o elemento mais persuasivo na formação da opinião pública.
No caso dos sacerdotes abusando sexualmente de crianças e bispos e outros ocultando seus crimes, a ressonância bíblica pode, então, ser finalmente sentida: os primeiros (sacerdotes pedófilos) foram postos, publicamente, em seus lugares nos últimos assentos. Os segundos (suas vítimas) tornaram-se os primeiros – e ganharam um lugar especial (inclusive no palco com Lady Gaga). As vítimas não mais precisam se esconder ou temer. Os poderosos, de fato, caíram de seus tronos; os humildes foram exaltados”.

Conforme disse Barbara Blaine – fundadora da “Rede de Sobreviventes de Abusados por Padres” – na noite do Oscar:

“Expor centenas de milhares de pessoas em todo o planeta a um convincente filme, baseado em fatos reais, sobre essa crise (...), é em si, uma realização incrível e real, uma vitória na vida de incontáveis pessoas”.

O filme poderosamente ilustra o que a Igreja não conseguiu perceber a respeito de si mesma: que o ato de horrível de abuso, amplificou-se porque uma cultura masculina celibatária foi tão protetora de seu próprio status e de seus privilégios, ficando tão fechada sobre si mesma que acabou surda aos apelos lancinantes de seus filhos, pais, congregações e as poucas almas dentro de suas fileiras que se atrevem a dizer a verdade.

Em resumo, o filme fala de uma instituição que em tese, deveria ajudar na busca pela santidade, busca que se revelou desprezívelmente corrupta. A produção levou pessoas de fora a questionar a moralidade da instituição uma vez que tornou possível às pessoas captar com rapidez, a realidade desse capítulo da vida da Igreja.

O filme, sobretudo, trouxe a coragem das vítimas que vieram a público e resistiram à arrogância de bispos e advogados que tentaram desvirtuar a verdade perturbadora.

Os sobreviventes dos ataques sexuais são interpretados por atores de rosto desconhecido do grande público – uma decisão acertadíssima de McCarthy, que, com isso, leva o espectador a perceber que qualquer um poderia ter sido molestado por aqueles homens e que suas histórias não são de pessoas que nasceram destinadas a ser vítimas, mas sim de indivíduos comuns que tiveram o azar de ter um perfil visto pelos padres pedófilos como susceptível ao ataque: origem humilde, figura paterna ausente, residência em um bairro construído em torno da igreja local e assim por diante.

Um dos vários méritos de Spotlight“ é não tentar suavizar a natureza dos crimes para evitar chocar o público. Embora não mostre os abusos na tela, o longa (escrito por McCarthy e Josh Singer) faz questão de descrever exatamente o que acontecia atrás da sacristia e a crueldade da proteção oferecida pelo Vaticano aos canalhas que usavam a fé alheia como forma de destruir os jovens vulneráveis que encontravam graças ao púlpito.

Ao retirar a estatueta da “Academy”, o produtor de “Spotlight”, Michael Sugar, dirigiu-se diretamente à Santa Sé:

“Este filme deu voz aos sobreviventes, e o Oscar amplia essa voz. Esperemos que se converta em um coro, capaz de ressoar até o vaticano. Papa Francisco: chegou a hora de proteger as crianças e de restaurar a fé”.

Na Boston do começo dos anos 2000, a notícia de verdade não era informar sobre mais um caso de abuso sexual cometido por um padre pedófilo, mas revelar por que, após 34 anos e 130 relatos de estupro, reinava a impunidade.

Outros documentários fortíssimos já escancararam, nos últimos anos, as práticas nefastas dos altos círculos do Vaticano para blindar criminosos em seu meio, mas em 2001 a noção de que a prática pudesse envolver um número tão grande de sacerdotes ainda era pouquíssimo difundida – especialmente em cidades como Boston, nas quais a Igreja e seus representantes atuam quase como um Estado paralelo.


OS FATOS NARRADOS NO FILME
PESSOAS REAIS E OS ARTISTAS QUE OS INTERPRETAM

“SPOTLIGHT” é o nome da equipe editorial do jornal “The Boston Globe”, responsável pelas reportagens especiais, do tipo em que os repórteres se debruçam meses, às vezes mais de um ano, sobre a investigação de um caso de forma confidencial.

O ponto de partida é a chegada de um novo editor, Martin Barton (Liev schreiber), que instiga o editor da seção “Spotlight” do jornal, Walter Robinson (Michael Keaton) responsável pelas reportagens mais profundas, a investigar as acusações de abuso sexual contra alguns padres.

Robinson e sua equipe - composta pelos repórteres Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll (Brian d'Arcy James) – começam a puxar o fio, e descobrem não apenas que há uma história de abusos sistêmicos como que o próprio “Globe”, o jornal mais importante da cidade, foi negligente diversas vezes no passado recente, quando as primeiras acusações e acordos vieram à tona. Estes renderam, no máximo, uma pequena matéria, sem qualquer sequência.

ELENCO DO FILME - DA ESQUERDA PARA A DIREITA
MICHAEL KEATON, LIEV SCHREIBER, MARK RUFFALO, RACHEL McADAMS, JOHN SLATERRY, BRIAN D'ARCY JAMES

   Há um quê de idealismo e responsabilidade moral que pautam esses repórteres. Eles sabem que estão diante de algo grande e importante, que se revela ainda maior na medida que avançam nas investigações. 

   O filme acompanha todo o processo jornalístico, mostrando uma série de obstáculos na concretização da matéria sem nunca transformar jornalistas em heróis.  Para começar, há as negociações internas do jornal, seja com o editor-chefe (John Slattery) ou com os outros colegas.  Eles se vêem também diante do dilema de enfrentar alguns dos integrantes mais influentes da sociedade. Em uma cidade com domínio católico evidente, lidar com a Igreja é um enorme desafio. Eles o fazem na Justiça para ter acesso aos documentos confidenciais e entre os apoiadores do jornal que são ligados à Santa Sé de alguma forma.

Os repórteres logo percebem que a Igreja Católica sabia dos delitos e orquestrava um complexo sistema para abafar os ocorridos. Essa rotina foi estabelecida nos anos 1970 e continuava até a virada para o terceiro milênio.

Só depois de um árduo trabalho de pesquisas e de compilação das mesmas num artigo final onde se tinha a certeza de que tudo o que é relatado é verídico,  é que o diário “The Boston Globe” publica uma matéria completa e profunda que se constituiu num furo jornalístico merecedor do prêmio Pulitzer de 2003.


Pablo Villaça em sua crítica ao filme publicada em “Cinema em Casa” em 30-12-2015, diz:

“Spotligh” deveria ser exibido em todas as faculdades de jornalismo, para que os alunos aprendessem como bons profissionais devem se comportar, e nas redações dos grandes jornais e portais para que seus integrantes se envergonhassem do nível lamentável ao qual chegaram.”


Encerramos essa matéria com a apresentação de Lady Gaga cantando a música "Til It Happens To You", que estava indicada ao Oscar de melhor canção original.

Por que?
Porque a canção liga-se a uma campanha contra a violência sexual nos Estados Unidos. E o que “Spotligh – Segredos revelados” denuncia nada mais foi do que a violência sexual cometida por sacerdotes contra crianças e adolescentes indefesos.

A cantora foi chamada ao palco por ninguém menos que o vice-presidente dos Estados Unidos.

Antes da apresentação, Joe Biden falou sobre a campanha "It's On Us" ("Depende de Nós" em tradução livre) que busca acabar com a violência sexual na América.


"Til It Happens To You" ("Até Que Aconteça Com Você") foi escrita por Gaga e Diane Warren para o documentário "The Hunting Ground", sobre estupros acontecidos nas universidades dos EUA.

     Na parte final da música, dezenas de vítimas de abuso sexual subiram ao palco em um dos momentos mais emocionantes de toda a cerimônia.

                                 
      



     Em nossa próxima postagem, daremos continuidade ao tema, abordando os desdobramentos e repercussões das denúncias feitas pelo “The Boston Globe”. Vamos desenvolver após inúmeras pesquisas os seguintes temas:

Ø quais as leis, estruturas e dogmas que deram vida à perversão no seio da Igreja;

Ø  como reagiu a instituição católica após as denúncias;

Ø as medidas tomadas para enfrentar a prática dos crimes por Bento XVI (Papa Emérito) e pelo Papa Francisco;

Ø  as resistências às medidas baixadas pelo Vaticano pelas organizações católicas tanto na Itália como no mundo;

Ø  medidas essenciais que podem ser tomadas para combater a pederastia em suas raízes na Igreja Católica.


Até breve!


BIBLIOGRAFIA

CRÍTICAS DE CINEMA

1.  Villaça, Pablo – “Cinema em casa” 30-12- 2015

2.  Oliveira, Alysson – “Crítica Cineweb” – 05-01-2016

3.  Peixoto, Mariana – “Estado de Minas” 07-01-2016


NEWSLETTER DO INSTITUTO HUMANITAS UNISINOS

1.  Spotlight” exibe bastidor de jornal que revelou como igreja escondia pedofilia – 07-01-2016

2.  Em “Spotiligh” vence também o jornalismo investigativo – 02-03-2016

3.  “Spotlight”: vitória na categoria Melhor Filme é humilhação apropriada para a Igreja – 01-03-2-16


4.  “Que o eco de “Spotligh” chegue ao Vaticano. É hora de proteger as crianças” – 02-03-2016


quarta-feira, 9 de março de 2016

O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO




O DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO


Iniciamos o ano de 2016 com o tema do Diálogo Inter-Religioso que se fez presente no mundo religioso através de  um vídeo do Papa Francisco que se tornou viral – já se registraram 4 milhões e 200 mil visualizações.

Para aqueles que não viram esse vídeo vamos descrevê-lo em suas imagens e vamos registrar também as palavras do Papa a respeito do tema.

Buscamos mais informações a respeito desse vídeo nas publicações do IHU-Online as quais passamos a compartilhar com nossos leitores.


O vídeo pertence à Rede Mundial de Oração do Papa. O vídeo do papa faz parte de um projeto de nova evangelização ambicioso. Seu objetivo é levar a palavra de Francisco a milhões de pessoas. O número de visualizações já alcançado e que tende a aumentar é prova do sucesso desse projeto.

Os vídeos serão mensais apontando a intenção do mês para as orações dos fiéis. 

A intenção das orações nesse mês de janeiro de 2016  é: 

"para que haja entre as diversas religiões um diálogo sincero que produza frutos de amor e de justiça".

Em um mundo onde a violência religiosa se faz presente, é motivo de alegria que o Papa diga que somos todos filhos de Deus porque somos todos suas criaturas.

O vídeo ao mesmo tempo que obteve sucesso também gera polêmica. Gera polêmica entre os que não gostam do Papa, que não gostam do diálogo, ou não gostam das religiões. Essas pessoas certamente não gostaram do vídeo porque fala do diálogo inter-religioso.

Esse primeiro vídeo trabalhou o documento do Concílio Vaticano II – “Nostra Aetate” que trata do diálogo entre as religiões não-cristãs.


DESCREVENDO O CONTEÚDO DO VÍDEO


O vídeo tem início com o Papa Francisco fazendo uma explanação:

“A maioria dos habitantes do planeta declara-se crente. Isto deveria ser motivo para o diálogo entre as religiões.

Não devemos deixar de rezar por isto e colaborar com quem pensa de modo diferente.”

A esta altura aparecem quatro pessoas que são identificadas e dizem uma única frase. As três figuras masculinas são os três co-presidentes do Instituto para o Diálogo Inter-Religioso  que o  Papa está propondo à Organização dos Estados Americanos (OEA) e a mulher é uma líder budista argentina.


1ª pessoa – uma mulher – Rinchen Handro (Lama)

              “Confio em Buda”.

2ª pessoa – um homem – Daniel Goldman (Rabino)

              “Confio em Deus”.

3ª pessoa – um homem – Guillermo Marcó ( Sacerdote Católico)
       
             Creio em Jesus Cristo”.

4ª pessoa – um homem – Omar Abboud (Dirigente Islâmico)

              Creio em Deus, Alá”.

Na sequência, continuam as palavras do Papa:

“Muitos pensam de modo diferente, sentem de modo diferente, procuram Deus ou encontram Deus de muitos modos.

Nesta multidão, nesta variedade de religiões, só há uma certeza que temos para todos: Todos somos filhos de Deus”.

Aparecem de novo os quatro representantes das quatro religiões dizendo a mesma frase:

                Creio no Amor”.

De novo se volta ao papa para suas palavras finais:


“Confio em vós para difundir a minha intenção deste mês: Que o diálogo sincero entre homens e mulheres das diferentes religiões produza frutos de paz e justiça. Confio na tua oração.



Durante os momentos finais cada religioso apresenta em suas mãos um dos símbolos de sua religião.

A Lama (Budismo) apresenta a imagem de BUDA, cujo nome significa “o Iluminado”, representando a figura de Siddartha Gautama.


BUDA - SIDDARTHA GAUTAMA
                                    


O rabino (Judaísmo) apresenta o CANDELABRO DE SETE BRAÇOS, chamado MENORAH, que teria sido construído por Moisés e cuja quantidade de braços – sete – significa a plenitude, perfeição.



CANDELABRO DE SETE BRAÇOS OU MENORAH
                       
  


O sacerdote (Catolicismo) apresenta a imagem de JESUS MENINO que usamos nos presépios.

TRADICIONAL IMAGEM DE JESUS NOS PRESÉPIOS
                                



O dirigente islâmico (Islamismo) apresenta em suas mãos o MASBAHA, um terço com 33 contas divididos em grupos de 11 separados por uma conta de formato e tamanho diferente, usados nas orações. Também há a versão com 99 contas quando eles recitam os 99 nomes de Allah.


MASBAHA
                                     



O vídeo quer mostrar a dignidade entre pessoas de diferentes religiões

Quando os símbolos religiosos são mostrados não é dito que todos são iguais, muito pelo contrário. O que se destaca são as diferenças entre as pessoas de religiões diferentes que no entanto mantém a paz entre si e que valorizam o Amor como valor universal.

À primeira vista o vídeo traz uma mensagem inatacável:

“Somos todos filhos de Deus e existem maneiras diferentes de procurar e encontrar esse Deus.”

 Mas deve-se destacar que por trás dessa mensagem está uma intenção da Igreja Católica Romana de evangelizar.

 Assista ao primeiro vídeo do Papa Francisco dentro do seu projeto de evangelização tratando do diálogo inter-religioso. 



                                    



O diálogo é a primeira condição necessária para evangelizar, porque sem diálogo seria impossível transmitir a mensagem de Cristo. E para dialogar é preciso que as pessoas tenham a mesma dignidade umas perante as outras. Não pode haver pessoas que se sintam acima das outras.

Os católicos se acham no dever de anunciar o Cristo aos outros irmãos, mas só poderão fazê-lo através do diálogo. Para que o diálogo aconteça é preciso que além de falar os católicos saibam ouvir.

O vídeo prega a igualdade entre as pessoas, não a igualdade entre as religiões. Isto é óbvio. Quem fala é o Papa, o líder de uma religião. Isto pode vir a se constituir num grave problema.


A Igreja Católica continua achando ser a religião católica a única verdadeira e que por isso tem de evangelizar para converter os fiéis das outras religiões ao catolicismo? Continuará naquela postura de que “fora da Igreja Católica não há salvação”?

Assim cabem algumas reflexões:

O que o Papa quis dizer com que devemos “colaborar com quem pensa diferente”? Colaborar em que sentido?

Colaborar no sentido de respeitar o direito do outro de pensar diferente?

Colaborar no sentido de que aquele que pensa diferente acabe pensando igual a nós?

A fala do Papa aponta na direção de uma teologia do pluralismo religioso?

Estará a Igreja Católica preparada para ultrapassar o Ecumenismo rumo a algo mais amplo – o pluralismo religioso?


A NOVA SITUAÇÃO DE PLURALISMO RELIGIOSO


Para abordar o tema do pluralismo religioso vamos nos basear no primeiro livro de Teologia do Pluralismo Religioso publicado no Brasil de autoria de José Maria Vigil: “Teologia do Pluralismo Religioso – para uma releitura pluralista do cristianismo”.

O livro é formulado como um manual, um instrumento didático de modo a proporcionar um curso de teologia popular que pode ser usado pelas comunidades cristãs, grupos de estudo, alunos de teologia, enfim por todos que se interessem pelo tema.


O pluralismo religioso não é um tema surgido das especulações dos estudiosos mas provém da realidade do mundo de hoje, da sociedade atual.

Graças ao avanço e a melhoria dos meios de comunicação as sociedades vêm realizando uma interação e conhecimento mútuos, num processo que cada vez mais se acelera gerando o fenômeno sociológico maior que é o da mundialização.

Mundialização significa que o mundo está se tornando uno. As diferentes sociedades já não são mundos separados mas fazem parte de um mesmo conjunto social maior integrando-se num só mundo. Cada vez mais todos nos afetamos mutuamente, em maior intensidade, de forma mais imediata.

O mundo está se convertendo numa grande sociedade unitária, uma aldeia mundial, na qual as culturas e as religiões de cada sociedade, que antes eram isoladas e se ignoravam mutuamente, fazem-se hoje vizinhas e se vêem obrigadas a conviver.

No passado a vida habitual de uma sociedade transcorria dentro dos limites de sua própria cultura e religião. Sabíamos da existência de outras sociedades com outras culturas e religiões. Porém como eram distantes o fato de elas existirem não era importante para nós. Não seríamos colocados na situação de termos de dialogar com outras religiões.

Na atualidade é fato que as religiões e culturas vejam-se obrigadas a conviver. Muitas sociedades são pluriculturais, compostas  por grupos de pessoas procedentes de vários países. As diferentes religiões e culturas já não são distantes entre si: agora convivem na mesma sociedade.

O pluralismo religioso não é uma teoria, é um fato que se aproxima cada vez mais de nós. Ninguém pode deixar de reconhecer esta nova paisagem humana.

A pluralidade de culturas no mundo cada vez mais é percebida como um fato potencialmente conflitivo uma vez que a nova geração tem de lidar com uma oferta de sentidos culturais e religiosos que não são convergentes nem harmonizados. Esse é um momento na história onde a transformação supõe uma verdadeira revolução na consciência religiosa da humanidade.

As novas gerações com acesso à educação já não aceitam construções de uma única religião; não aceitam respostas do tipo “porque sim”; diante de qualquer proposta ética ou filosófica eles querem saber o posicionamento de outras religiões. Querem comparar para escolher melhor. Não se sentem vinculados a uma religião. Sentem-se pessoas livres, cidadãos de um mundo plurireligioso, no qual podem discernir e escolher sua própria religião, ou até religião nenhuma.


OLHANDO PARA O PASSADO

No Antigo Testamento ou Primeiro Testamento

Os textos do Antigo Testamento quando se referem às divindades dos outros povos vizinhos a Israel, sempre o fazem de forma depreciativa como ídolos. São descritos sempre de modo muito negativo: seriam “obras de mãos humanas”, “coisas mortas”, “nada”, “vazio”, ”mentira”, “demônios”. Somente Iahweh (Javé) seria um “Deus verdadeiro”.

Em contrapartida, o povo hebreu tinha a convicção de ser um povo diferente, o povo de Deus, o eleito, que deveria viver separado dos gentios e não misturado com eles. Israel deveria, sem compaixão, destruir os altares e imagens desses povos derrotados e expulsos, e não fazer aliança nem aparentar-se com eles.

No século XV da Era Comum

Na Europa do século XV se dá outro ponto culminante dessa mesma mentalidade.

O Concílio de Florença, no ano de 1452 declarou:

Firmemente crer, professar e ensinar que nenhum daqueles que se encontram fora da Igreja Católica – pagãos, judeus, hereges e cismáticos – poderão participar da vida eterna. Irão ao fogo eterno que foi preparado para o diabo e seus anjos, a menos que antes do término de sua vida sejam incorporados à Igreja...Ninguém, por grandes que sejam suas esmolas, ou ainda que derrame seu sangue por Cristo, poderá salvar-se se não permanecer no seio e na unidade da Igreja Católica.

Extra ecclesiam nulla salus (Fora da Igreja não há salvação), dizia-se. Para nós essa afirmação hoje parece forte. No entanto essa afirmação do Concílio de Florença foi uma afirmação comum e constante entre os cristãos europeus durante toda a Idade Média.

No século XIX

Gregório XVI, na Encíclica Mirari Vos, de 15 de agosto de 1832, afirmou:

Outra coisa que tem produzido muitos males que afligem a Igreja é o indiferentismo, aquela perversa teoria apresentada em toda a parte, tão favorável aos enganos dos ímpios, que ensina que se pode conseguir a vida eterna em qualquer religião, contanto que haja retidão e honradez nos costumes...

A encíclica nega frontalmente e com ostensivo desprezo a liberdade de consciência, a liberdade religiosa e o pluralismo religioso.

Para os Papas daquele tempo seriam os erros da época: o pensamento moderno, as liberdades sociais, a democracia, os direitos humanos.


No Concílio Vaticano II (1962-1965)

O Concílio Vaticano II declara que a pessoa humana tem direito à liberdade religiosa, estando livre de qualquer coação de forma que em matéria religiosa não se obrigue a ninguém a agir contra a sua consciência. Declara que o direito à liberdade religiosa se funda na dignidade própria da pessoa humana.

Declara que a Igreja Católica não rejeita nada que nas religiões não cristãs seja verdadeiro e santo. Declara respeitar os modos de agir e viver, os preceitos e doutrinas dessas religiões mesmo que discrepem em muitos pontos do que a Igreja Católica confessa e ensina.

No ano 2000

O cardeal Joseph Ratzinger, na Declaração Dominus Iesus defende algumas teses que se constituíram em flagrante retrocesso:

Ø É contrária à fé da Igreja a tese do caráter limitado, incompleto e imperfeito da revelação de Deus em Jesus Cristo. Essa revelação seria complementar à revelação presente nas outras religiões.

Ø Deve-se levar em conta a distinção entre a fé católica e as crenças das outras religiões. A fé católica é baseada na verdade absoluta e tem o assentimento de Deus que se revelou. Já as crenças das demais religiões são  experiências religiosas em busca da verdade absoluta e carentes do assentimento de Deus.


Ø Reconhece-se os elementos de bondade e de graça presentes nos livros sagrados das outras religiões.

Ø Tudo que o Espírito realiza nas culturas e religiões tem um papel de preparação evangélica que levará ao Cristo.

Ø Seriam contrárias à fé crista e católica aquelas religiões que propõe uma salvação de Deus fora da única mediação por Cristo.

Ø É contrário a fé católica considerar a igreja como um caminho de salvação paralelo ao caminho oferecido pelas outras religiões.


Ø Os não-cristãos podem receber a graça divina, mas se acham numa situação gravemente deficitária, se comparadas a situação dos católicos que na Igreja tem a plenitude dos meios de salvação.


UMA HISTÓRIA ENXOVALHADA DE GESTOS CONTRÁRIOS À ACEITAÇÃO DO PLURALISMO RELIGIOSO – UM BALANÇO GLOBAL DESSA HISTÓRIA


v Tivemos praticamente vinte séculos de exclusivismo cristão. Quase 2000 anos em que o cristianismo tem pensado ser a única religião verdadeira, enquanto todas as outras religiões seriam falsas, invenções humanas, ou simples preparação para o Evangelho.

v No mundo católico ainda não faz 50 anos que abandonamos o exclusivismo. A mudança foi dada pelo Concílio Vaticano II. A mudança começou na atual geração, o que explica que na imaginação do povo esta mudança ainda não tenha tido tempo de se difundir nem de criar raízes. A mentalidade dos cristãos comuns ainda tem uma certeza inconsciente de que o cristianismo é a única religião verdadeira. A posição teológica pluralista de que Deus se revela em todas as religiões, sem discriminação por parte de Deus ainda desperta surpresa e incompreensão.


v É o pensamento não-eclesial, filosófico, científico que tem levado as Igrejas a transformar seu pensamento. Tem sido a ciência, a filosofia, os movimentos sociais e políticos em geral que empurraram as Igrejas cristãs a abandonar as posturas de monopólio, de exclusivismo, de cristandade forçando a transformação do imaginário da sociedade.

v Sempre  existiu dentro do cristianismo pensadores, filósofos, teólogos que  intuíram que a atitude comum do exclusivismo (cristianismo como única religião verdadeira) não respondia à verdade. Eles se abriram a atitudes mais tolerantes e pluralistas, mas tiveram realmente o caráter de exceção que confirma a regra.

v O Concílio Vaticano II, foi para a Igreja Católica, uma aceitação de boa parte da crítica da cultura moderna às atitudes da Igreja. Foi uma atualização. Uma reconciliação com o mundo moderno. Infelizmente logo em seguida aconteceu uma involução na Igreja Católica, e a evolução da teologia na direção do pluralismo religioso foi deixada de lado.


ECUMENISMO E DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO – DISTINTOS MAS RELACIONADOS

       A unidade entre os cristãos e o diálogo inter-religioso, embora distintos estão não obstante, relacionados.

É preciso distinguir entre diálogo ecumênico entre as igrejas cristãs e o diálogo inter-religioso entre as religiões cristãs e não-cristãs.

No diálogo ecumênico entre as igrejas cristãs e comunhões cristãs, discute-se a identidade cristã, a igreja una de Jesus Cristo. Nesse ponto a Igreja Católica afirma com toda a clareza que existe apenas uma Igreja de Jesus Cristo: a Católica.

O diálogo inter-religioso ocorre num nível diferente. Trata-se da luta pela paz e pela justiça no mundo.

Ø Qual é a contribuição para a paz e a justiça no mundo, que podem dar as diversas religiões?

Ø O diálogo entre as religiões visa a sobrevivência da humanidade.

O diálogo ecumênico entre cristãos é diferente do envolvimento dos cristãos com as demais religiões.

Quando os cristãos conversam entre si, o objetivo final é a unidade plena, visível e estrutural em uma casa comum.

Quando religiões diferentes se envolvem, o objetivo é conhecer uma a outra melhor e trabalhar juntos, sempre respeitando as diferenças inalteráveis de crença e prática entre as religiões.

Os cristãos tem que estar unificados antes de iniciarem um trabalho junto às outras religiões. Se judeus, muçulmanos, hindus, budistas e assim por diante, apreenderem uma mensagem dos católicos, e outra dos batistas, ou uma mensagem dos ortodoxos e uma outra dos pentecostais, isso pode acabar atrapalhando esse diálogo entre cristãos e as outras religiões.


PAPA FRANCISCO E A BUSCA PELA UNIDADE CRISTÃ E O DIÁLOGO INTER-RELIGIOS0


Desde o começo o Papa Francisco manifestou, como todos os seus antecessores recentes, um desejo de ter boas relações com as religiões do mundo, bem como com as mais várias denominações cristãs. Raramente, no entanto, este desejo se fez tão visível ou intenso como nesses tempos.

No dia 17 de janeiro de 2016, Papa Francisco visitou a Grande Sinagoga. Foi a sua primeira visita a um lugar judaico de adoração desde que foi eleito para o papado em março de 2013. Essa visita marcou a terceira vez que um papa vai a esta sinagoga na cidade de Roma. Foi o dia anual da Itália para o diálogo judaico-cristão.



PAPA FRANCISCO VISITANDO A GRANDE SINAGOGA DE ROMA









  


No dia 25 de janeiro de 2016, Francisco foi à Basílica de São Paulo Fora dos Muros, como fazem os papas todos os anos, para marcar o fechamento da Semana de Oração pela Unidade entre os Cristãos. Em geral, esta é a ocasião anual mais importante para os papas refletirem sobre o ecumenismo. O ecumenismo dá um impulso renovado para o diálogo inter-religioso.



PAPA FRANCISCO NA BASÍLICA DE SÃO PAULO FORA DOS MUROS


Até aí, Francisco estava apenas conservando a tradição.



 Em 20 de janeiro de 2016, o Papa foi convidado para visitar a Grande Mesquita de Roma por uma delegação muçulmana italiana. A Mesquita de Roma é a maior da Europa. O Santo Padre aceitou o convite, mas a data ficou em aberto.  Segundo indicações da comunidade islâmica de Roma, mas ainda não confirmadas pela Santa Sé, esta visita deverá acontecer no próximo dia 10 de abril.
  


GRANDE MESQUITA DE ROMA




Papa Francisco será o primeiro papa a visitar a Mesquita, aberta desde 1995, para atender a pequena comunidade muçulmana em Roma.

 O evento realizar-se-á no âmbito do Jubileu da Misericórdia, o que é muito significativo já que o Papa enfatiza a dimensão inter-religiosa da misericórdia.

A Bula Papal afirma que a misericórdia tem um valor que vai além das fronteiras da Igreja.  Ela nos relaciona com o judaísmo e o islamismo, que consideram a misericórdia um dos atributos mais qualificadores de Deus.


Francisco espera que neste Ano Jubilar, vivendo a misericórdia, possa:

Ø favorecer o encontro com essas religiões e outras tradições religiosas;

Ø nos tornar mais abertos ao diálogo para conhecermos e compreendermos melhor uns aos outros;

Ø eliminar todas as formas de impasse e de desprezo;

Ø afastar qualquer forma de violência e discriminação.


A visita a Grande Mesquita de Roma possui um significado muito importante, porque converteria Roma na capital pacífica das três grandes religiões monoteístas, a cidade de convivência inter-religiosa possível e praticada.

A mensagem embutida nesses encontros do Papa com autoridades das outras religiões é que a construção de laços com os judeus, muçulmanos e outros cristãos são igualmente importantes.

Afinal, como já dizia Paulo VI diante das Nações Unidas em 1965, a Igreja Católica quer ser uma “especialista em humanidade”, o que inclui as várias expressões religiosas de toda a família humana.



PAULO VI NAS NAÇÕES UNIDAS


Francisco deu um contratestemunho ao extremismo religioso e à violência.

Atualmente, até mesmo pessoas razoáveis são tentadas a concluir que a religião destina-se, inevitavelmente, a pôr as pessoas umas contra as outras (demonstram isso acontecimentos como os do derramamento de sangue associado ao ISIS, o Boko Haram, o conflito entre cristãos e muçulmanos na República Centro-Africana, o aumento do extremismo hindu e budista em regiões da Ásia, ataques terroristas em toda a Europa).

Francisco possui determinação em mostrar que as coisas não precisam ser dessa forma. A religião pode ser parte tanto da solução como do problema. Janeiro de 2016 deu ao Papa Francisco uma boa plataforma para transmitir essa mensagem em alto nível.

O Cardeal Walter Kasper, presidente emérito do Pontifício Conselho para a promoção da Unidade ente os cristãos, disse em um artigo publicado no jornal Avvenire, em 02-02-2014 que:

Francisco é um papa da paz e um promotor ecumênico da paz. Aos seus olhos, o caminho ecumênico de convergência entre os cristãos, assim como a amizade com o povo judeu e a colaboração com as outras religiões, caminham lado a lado e a serviço da unidade e da paz por toda a família humana.”

Espera-se que esse afã de trabalhar junto aos demais consiga transformar os corações e mentes onde isso se faz necessário.








BIBILIOGRAFIA:

1- Vigil, José Maria - “Teologia do pluralismo religioso – para uma releitura pluralista do cristianismo” – São Paulo: Paulus, 2006

2- Boletins Informativos (newsletter) do Instituto Humanitas  Unisinos:


a)  O vídeo do Papa, além das polêmicas – 18/01/2016

b) O Papa do diálogo inter-religioso – 21/01/2016


c)  Papa Francisco e a busca pela unidade cristã e o diálogo inter-religioso – 21/01/2016

d) Ecumenismo nos passos do Papa Francisco – 04/07/2014