segunda-feira, 11 de maio de 2015

OS EVANGELHOS E O JESUS HISTÓRICO - PARTE II



OS EVANGELHOS E O JESUS HISTÓRICO
PARTE II





Em nossa postagem anterior inserimos a problemática sobre os evangelhos como fontes  para nos aproximarmos de Jesus de Nazaré, ou do Jesus histórico.

Analisamos comparativamente à luz de conhecimentos de especialistas várias textos paralelos dos evangelhos (textos que tratam de um mesmo episódio nas diferentes versões dos evangelistas).

Vimos que os evangelhos não são a solução do problema para se chegar ao Jesus histórico, muito pelo contrário,  os evangelhos constituem um grande problema que derivaram inúmeros estudos dos especialistas.

Dos estudos já realizados já se concluiu que:

   1-  os evangelhos não são biografias de Jesus;

 2- os evangelhos são interpretações das diferentes comunidades dos primitivos cristãos a respeito de Jesus;

     3-  as várias narrações evangélicas se encontram não no campo da História  mas no campo da mitologia – são fruto mais da fantasia e imaginação religiosas do que de realidades históricas.


Vamos nessa postagem avançar mais um pouco dentro desse tema fascinante...


Crossan, considera o registro quádruplo (evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João) o problema central para o resgate do Jesus histórico.

Theisen partilha das colocações de Crossan:

Os evangelhos são fontes de suma importância, mas apresentam obstáculos consideráveis ao historiador que quer utilizá-los como informações sobre Jesus de Nazaré e sobre a história do cristianismo.” [1]

Já demonstramos que uma leitura dos evangelhos, com intenções investigativas, centrando-se em passagens específicas com a comparação das diferentes versões dada em cada evangelho, diagnostica uma impressionante discordância entre eles.

Crossan esclarece em relação a essas divergências que elas não acontecem devido a problemas de memória de quem escreveu os evangelhos.

As divergências que se percebem entre os evangelhos devem-se a que cada evangelho tinha em mente uma teologia diferente, isto é, cada evangelho tinha uma interpretação a respeito de Jesus diferente dos demais.

Isto explica porque apesar de ter existido apenas um Jesus de Nazaré, puderam ter existido vários evangelhos, várias interpretações sobre Jesus, sendo que as autoridades da Igreja Católica apresentaram apenas os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João como válidos para se conhecer Jesus.

Esse é o outro problema que Crossan apresenta para podermos nos aproximar do verdadeiro Jesus de Nazaré.

“Esses quatro evangelhos não representam todos os primeiros evangelhos disponíveis ou mesmo uma mostra ao acaso entre eles, mas são ao contrário, uma coletânea planejada e conhecida como evangelhos canônicos.”[2]

O QUE SÃO EVANGELHOS?

Provavelmente a resposta mais comum a essa questão seria que são textos que narram a vida de Jesus, sua morte e ressurreição.

As pessoas pensam que o que leêm nos evangelhos são como uma reportagem da vida de Jesus. Essa é um equívoco que deve ser evitado.

Os evangelhos que temos no Novo Testamento são resultado de uma longa história que passaremos a analisar em uma próxima postagem.

Os evangelhos não foram escritos apenas para repetir aquilo que Jesus fez ou falou, mas sim para estimular as comunidades com seu exemplo. A necessidade de fortalecer as comunidades levou-as a dar aos evangelhos esse formato e o jeito pelo qual os conhecemos.”[3]

“Quando os evangelhos foram escritos pensou-se primeiramente na comunidade. Foram os problemas e desafios do dia-a-dia da comunidade que conduziram o processo de escrita do evangelho, e inclusive da escolha do que teria de fazer parte da narração. Para atender às necessidades da comunidade, foram inseridos alguns textos e deixados de fora tantos outros.”[4]

Olhando a ordem dos livros do Novo Testamento vemos que eles aparecem na seguinte sequência: Evangelho segundo Mateus, Evangelho segundo Marcos, Evangelho segundo Lucas, Evangelho segundo João, Atos dos Apóstolos e Cartas de Paulo e outros que não são alvo neste momento deste trabalho.

No entanto a ordem em que foram editados esses livros não obedece à ordem segundo a época em que eles foram redigidos. O primeiro evangelho que aparece é o Evangelho segundo Mateus mas isso não significa que ele foi o texto mais antigo, o primeiro a ser escrito.


Os textos mais antigos do Novo Testamento são as cartas de Paulo. Todos os evangelhos foram elaborados e redigidos em épocas mais tardias refletindo cada um a conjuntura de suas comunidades.




Há muitos outros aspectos que tem de ser analisados em relação aos evangelhos:


Ø Quem os escreveu? Teriam sido pessoas com os nomes de Mateus, Marcos, Lucas e João?


Ø Quando e onde esses textos teriam sido escritos?


Ø Esses textos seriam absolutamente originais, ou foram escritos refletindo e/ ou resistindo as influências de outras culturas?


Ø Os quatro evangelhos que conhecemos teriam sido os únicos textos escritos a respeito de Jesus ou teriam existido outros?


Crossan trata de lacunas na vida de Jesus. Lacunas tais como:

§  anos sobre os quais nada se sabe de sua adolescência à idade adulta 

§  anos sobre os quais pouco se sabe após a sua morte e o surgimento dos evangelhos.

Crossan levanta questões à respeito da vida de Jesus e de seus seguidores:

Ø “Por onde Jesus andou nas décadas que antecederam o início de sua vida pública, como seguidor de João Batista?”


Ø “Já paramos para pensar sobre o que possa ter acontecido após a morte de Jesus até o momento em que surgem os evangelhos?”


Ø “Por que os primeiros anos do cristianismo estão tão envoltos em silêncio?


Diz Crossan:

“A obscuridade dos anos 30 e 40 é realçada pelo esplendor comparativo dos anos 50. A respeito dessa década mais tardia, temos as cartas do apóstolo Paulo. Elas nos dão a conhecer comunidades cristãs em quatro províncias romanas: Galácia e Ásia, no centro e no oeste da Turquia. Macedônia e Acaia no norte e sul da Grécia. Delas aprendemos sobre igrejas urbanas em Filipos, Tessalônica, Éfeso Corinto. Elas nos dão vislumbres de acontecimentos passados nos anos 30 e 40 em Damasco, Antioquia e Jerusalém .[5]

Crossan está se referindo a que os primeiros textos escritos sobre Jesus depois de sua morte são as cartas de Paulo datadas dos anos 50. Todos os evangelhos constantes no Novo Testamento foram escritos mais tardiamente, depois do ano 70 d.C.

Crossan fala da obscuridade dos anos 30-40 porque neles não ocorreu a redação de nenhum dos textos que possuímos no Novo Testamento que nos tragam alguns dados sobre Jesus.

Quando Crossan se refere ao esplendor comparativo da década de 50, é porque nessa década Paulo redigiu as diversas cartas às comunidades cristãs por ele fundadas tratando de diversos problemas e questões que essas comunidades estavam passando, onde ele desenvolve a sua teologia.

Paulo pouco fala sobre Jesus, sua vida, seus ensinamentos, até porque Paulo não conheceu Jesus, nunca esteve com ele, nunca testemunhou seus atos nem escutou seus ensinamentos.


A QUESTÃO DA AUTORIA DOS EVANGELHOS


Mateus, Marcos, Lucas, João e Pedro eram pessoas reais, mas, os escritos que levam seus nomes foram-lhes atribuídos, e não escritos por eles. Originalmente, Mateus e todos os outros evangelhos circulavam anonimamente e foram provavelmente patrocinados pelas comunidades para quem eles foram escritos, em vez de pelos indivíduos através dos quais eles foram compostos. Por fim, no século II, cada um foi ficcionalmente ligado, direta ou indiretamente a importantes autoridades apostólicas, à medida que as reinvindicações de continuação da tradição tornavam-se cada vez mais importantes.” [6]

Os quatro evangelhos constantes no Novo Testamento foram escritos por pessoas anônimas, não sabemos de fato quem os escreveu. Foram escritos por pessoas das diversas comunidades, em épocas e locais diferentes, refletindo a situação vivida por cada uma dessas comunidades.

Cada comunidade registrou a sua interpretação sobre Jesus. Os evangelhos não são biografias de Jesus. São interpretações das diferentes comunidades a respeito de Jesus. Isso explica porque cada evangelho apresenta a história de Jesus de forma própria, dando ênfases diferentes – podemos dizer que nos apresentam quatro Jesuses diferentes.

O mais correto seria dizermos: Evangelho segundo a comunidade de Marcos, Evangelho segundo a comunidade de Mateus e assim por diante.

Existe grande diferença entre se dizer “Evangelho de Marcos” e “Evangelho segundo Marcos”. Evangelho de Marcos indicaria uma autoria, isto é, o evangelho teria sido escrito por uma pessoa chamada Marcos. Já “Evangelho segundo Marcos” tem o significado de evangelho conforme, de acordo com Marcos, o que não indica um autor.

Como disse Crossan, os escritos que levam os nomes de Marcos, Mateus, Lucas e João foram atribuídos a eles, sem terem sido escritos por eles. Foi uma maneira da Igreja e suas autoridades darem aos textos chamados evangelhos uma maior autoridade, fidedignidade, credibilidade.

Vamos a seguir fornecer alguns dados sobre os evangelhos:

Evangelho atribuído a Mateus – Crossan nos informa que provavelmente esse evangelho foi escrito entre 85 e 90 d. C. possivelmente em Antioquia, capital da província romana da Síria.[7]

Diz ele que hoje em dia há um consenso entre os estudiosos de que Mateus usou Marcos como uma das duas maiores fontes na composição de seu evangelho.[8]

Isso se percebe quando se lê Mateus e Marcos em colunas paralelas. Aí pode-se perceber como Mateus omite, muda e acrescenta a sua fonte de Marcos. Percebemos como Mateus usou a sua criatividade para alterar o texto de Marcos, o que nos indica como naquele tempo havia uma liberdade muito grande por parte de um autor a usar um outro como sua fonte.

Koester também menciona Marcos como uma fonte para o evangelho segundo Mateus:

“Foi origináriamente escrito em grego a partir de duas fontes gregas, especificamente o Evangelho de Marcos grego e o Evangelho de Ditos Q grego.

A ênfase sobre a atividade milagreira de Jesus é amenizada em favor de seus ensinamentos, que o autor de Mateus apresenta essencialmente em cinco grandes discursos de Jesus.”[9]

Já Crossan apresenta uma outra característica importante do evangelho segundo Mateus:

“a terrível aspereza contra os rabinos farisaicos em todo o evangelho de Mateus mostra que os rabinos estão vencendo, que mais e mais judeus estão aceitando a visão do rabino para o futuro e não a de Mateus, e que a comunidade de Mateus está lenta, mas seguramente, sendo impelida para o judaísmo para sempre [...]  Na narrativa da paixão, onde Mateus está adicionando ou mudando sua fonte de Marcos, essas mudanças ou adições indicam amarga animosidade contra um judaísmo que recusou sua liderança.”[10]

Evangelho atribuído a Marcos 

O autor é de novo desconhecido, apesar da posterior atribuição a Marcos. Foi composto logo após a Primeira Guerra Romana, de 66 a 73-74 d.C.

Ele escreve para uma comunidade que sofreu severamente perseguição letal, e não apenas discriminação social ou oposição política. [11]

O Jesus de Marcos é penosamente humano.[12]

Hoje se sabe que o Evangelho segundo Marcos é o Evangelho mais antigo, foi o primeiro a ser escrito e é o mais próximo do Jesus “histórico”.

Os escritos de Marcos serviram de fonte para os Evangelhos segundo Mateus e Lucas.


Evangelho atribuído a Lucas – Atos dos

 Apóstolos  

O autor é mais uma vez anônimo e ele data do mesmo período do de Mateus – 85 – 90 d.C. e sua composição pode ser localizada em qualquer cidade grega do Império Romano, possivelmente até na própria Grécia. Originalmente o evangelho atribuído a Lucas e os Atos dos Apóstolos eram uma obra sequencial em dois volumes, assim divididos porque cada parte ocupava um pergaminho padrão.[13]

Evangelho atribuído a João 

Frequentemente chamado de Quarto Evangelho, é atribuído a João, em vez de escrito por ele.  É datado por volta de 90 d.C. e foi escrito em algum lugar da Ásia Menor à Síria.

Ao contrário do Jesus de Marcos, penosamente humano, o Jesus de João tem completo controle sobre o que lhe está acontecendo sendo serenamente transcendental.[14]


O QUE SÃO EVANGELHOS CANÔNICOS ?

Nessa categoria se enquadram somente quatro evangelhos cuja autoria são atribuídas a Mateus, Marcos, Lucas e João.

Isto significa que as autoridades da igreja cristã nascente reconheceram esses textos como autênticos, como inspirados por Deus e com autoridade de Escritura Sagrada assim como os demais que fazem parte do Novo Testamento.

Existiam muitos outros evangelhos (mais de cem) e escritos, atribuídos a outros personagens das primeiras comunidades cristãs, que a Igreja oficial não reconheceu como “inspirados”.


De que forma as autoridades da Igreja escolheram esses quatro evangelhos entre tantos outros que existiam como os evangelhos inspirados?


Juan Arias, escritor e jornalista, em sua obra “Jesus, esse grande desconhecido” nos conta como os evangelhos atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João foram considerados canônicos ou oficiais.

“A história de como os quatro evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João foram escolhidos pela Igreja como autênticos e inspirados dentre os mais de cem que então existiam é muito interessante.

Um dos critérios da escolha foi o dos milagres. Segundo a Igreja, alguns dos prodígios feitos por Jesus nos evangelhos apócrifos eram pouco sérios ou muito fantasiosos.

Os quatro evangelhos foram escolhidos entre cerca de sessenta.  Por volta do ano 180 d.C, Irineu defende o “evangelho quadriforme” como necessidade teológica assim explicando:

§  O Evangelho é o pilar da Igreja. A Igreja está espalhada pelo mundo inteiro e o mundo tem quatro regiões. Convém, portanto, que existam quatro evangelhos.

§  O evangelho é o sopro do vento divino da vida para os homens, e, assim como existem quatro pontos cardeais, também devem existir quatro evangelhos.


§  O Verbo criador do Universo reina e brilha sobre os querubins, e os querubins têm quatro formas, por isso o Verbo obsequiou-nos com quatro evangelhos.[15]

Gerd Theissen nos apresenta mais uma justificativa de Irineu:

§  Assim como a história da salvação está desmembrada em quatro contratos de aliança – com Adão, Noé, Moisés e Jesus – assim também devem existir quatro evangelhos. Eles correspondem às quatro figuras celestes apresentadas no livro do Apocalipse, capítulo 4, versículo 7: João é o leão; Lucas, o touro; Mateus, o homem; Marcos, a águia.[16]

Arias, nos conta também na obra mencionada como ocorreu a decisão oficial sobre quais textos poderiam ser considerados inspirados.

 “A decisão oficial foi tomada no Concílio de Nicéia do ano 325, graças a um “milagre”: dentre todos os evangelhos que existiam, os quatro que conhecemos hoje como inspirados foram voando sozinhos até o altar.

Outra versão diz que colocaram todos os evangelhos existentes sobre o altar e os apócrifos foram caindo ao chão, só permanecendo os quatro escolhidos como autênticos.

Uma terceira versão conta que o Espírito Santo entrou no Concílio de Nicéia sob a forma de uma pomba através de uma janela sem quebrar o vidro. Lá estavam reunidos todos os bispos. A pomba pousou no ombro de cada bispo, dizendo-lhe ao ouvido em voz baixa quais eram os quatro evangelhos inspirados. E eram os de Marcos, Mateus, Lucas e João”[17].

Quanta imaginação não é mesmo? Espanta a credulidade que se pressupõe para que essas justificativas se sustentem!

Arias diz que

“por serem considerados canônicos ou oficiais pela Igreja, os livros do Novo Testamento gozaram durante séculos de credibilidade absoluta, sobretudo os quatro evangelhos, que eram tidos como biografias autorizadas de Jesus. Os textos foram considerados documentos históricos. Faz apenas dois séculos que começaram a ser vistos como textos literários sem pretensão de contar o que Jesus fez em sua vida terrena, porém, sobretudo e principalmente o que pensavam as primeiras comunidades cristãs sobre aquele profeta que pregava uma alternativa àquela sociedade rígida e fechada de seu tempo e apresentava um rosto mais paternal do Deus do Antigo Testamento”[18].


OS EVANGELHOS SINÓTICOS


“Evangelhos Sinóticos” é a designação para os três primeiros evangelhos do Novo Testamento, Mateus, Marcos e Lucas. Há muito tempo já se percebeu que esses três evangelhos apresentam materiais paralelos numa estrutura semelhante e com frequência na mesma seqüência de perícopes individuais. Há entre eles uma relação literária, um parentesco literário o que se constitui num fenômeno denominado “questão sinótica” que iremos abordar em outra postagem.

O nome “sinótico” foi dado aos escritos dos três primeiros evangelhos pelo pesquisador alemão J. J. Griesbach, em sua obra “Sinopse dos Evangelhos”, publicada em Halle, em 1776. Com efeito, Mateus, Marcos e Lucas tem semelhanças e diferenças, a ponto de se tornar possível imprimi-los em três colunas e com uma visão simultânea     (syn-hopsis) verificar as concordâncias e divergências.[19]

Dessa forma temos uma visão de conjunto dos três evangelhos, uma visão simultânea.


As discrepâncias entre os evangelhos sinóticos


Vale à pena relembrar o que Crossan diz a respeito das discrepâncias entre as diversas narrativas e versões. Elas

 não se devem apenas a falhas de memória, nem a diferenças de ênfase, mas também a interpretações teológicas conscientes a respeito de Jesus.”[20]

Os transmissores da tradição de Jesus tinham uma liberdade criativa que não dá para nós nos dias de hoje entender.

Mesmo quando Mateus e Lucas, por exemplo,  usam Marcos como uma fonte do que Jesus disse e fez,ou do que outras pessoas disseram e fizeram a Jesus, eles apresentam uma assustadora desenvoltura ao omitir, acrescentar, modificar, corrigir e criar certas passagens dentro de suas próprias narrativas – mas sempre, é claro, de acordo com a sua interpretação pessoal de Jesus.[21]

Crossan, em relação às discrepâncias que se encontram nas narrativas evangélicas coloca algo que merece nossa atenção e reflexão:

“Jesus deixou pensadores, e não memorizadores; discípulos e não recitadores; pessoas, e não papagaios.” [22]

Não devemos perder isso de vista quando estudamos o processo que se desencadeou após a morte de Jesus mais ou menos no ano 30 d. C através da transmissão oral até chegar à redação dos evangelhos a partir da década de 70.d.C.


O QUE SÃO OS EVANGELHOS APÓCRIFOS?


O nome “apócrifos” vem do grego significando “oculto”, “secreto”.

São esses outros escritos, que no momento de se decidir quais seriam considerados como textos canônicos ou oficiais, foram considerados pelas autoridades da Igreja como menos confiáveis que os outros. Os evangelhos apócrifos acabaram sendo considerados, injustamente falsos. Alguns são citados pelos primeiros Padres da Igreja, e ainda hoje continuam a ser estudados por não muitos biblicistas. A maior parte deles desapareceu e de alguns se conservam apenas fragmentos.

É evidente que estes evangelhos apócrifos também recolhiam as tradições orais das primeiras comunidades.

Koester aponta os grupos cristãos antigos que não reconheciam o cânon da Igreja Católica como os que criaram coleções de seus próprios escritos. A mais importante dessas é a Biblioteca de Nag Hammadi, descoberta em 1945-46 no Alto Egito, hoje publicada e traduzida em sua totalidade. Contém mais de cinquenta escritos entre eles o Evangelho de Tomé que será alvo de  outras postagens.

“Como um todo, os escritos dessa recém-descoberta Biblioteca são um recurso importante para uma nova compreensão da história do cristianismo primitivo e de sua literatura”.[23]

“Esses escritos são testemunhos importantes da história do cristianismo primitivo. Mesmo nos casos em que uma data relativamente tardia deva ser levada em conta, muitas vezes são incorporadas tradições cujas origens remontam aos primeiros momentos do cristianismo. Se a perspectiva teológica desses apócrifos se desvia da visão dos Padres da Igreja, ela pode muito bem fornecer esclarecimentos importantes sobre as percepções e práticas religiosas dos primeiros cristãos.”[24]

Frei Jacir de Freitas Faria na apresentação de sua obra “As origens apócrifas do cristianismo diz:

Jesus é um só, mas os escritos sobre ele são, por assim dizer, reflexos das várias maneiras pelas quais as comunidades o compreenderam. São experiências múltiplas e diferentes. Mas, de fato, uma se impôs como exata, tornando-se a oficial.”[25]

Ele se refere à experiência da Igreja Católica cujos Padres da Igreja canonizaram alguns textos tornando-os os únicos fidedignos e autênticos.

Prossegue ele ao final de sua apresentação da obra:

Uma das conclusões a que chega o estudo dos apócrifos é que estes precisam ser redescobertos pelas nossas comunidades, pois trazem dados preciosos sobre a origem de nossa fé.”

No período seguinte à morte de Jesus até a redação dos primeiros textos sobre ele surgiram muitas disputas teológicas em torno da pessoa de Jesus. Haviam diversas visões, diversas interpretações a respeito de quem fora Jesus e o sentido de sua missão.

Pode-se dizer que haviam vários cristianismos, isto é, várias maneiras de se interpretar Jesus. O cristianismo que acabou predominando foi o derivado dos apóstolos, o qual se tornou o cristianismo oficial, o canônico.

Alguns estudiosos consideram que os evangelhos apócrifos apresentam informações que são uma expressão da piedade popular sobre Jesus, que nada acrescentam às informações contidas nos evangelhos canônicos. Ao contrário acham que eles deturpam o sentido dessas informações.

Outros estudiosos acham que os textos apócrifos conservam dados importantes da memória popular sobre Jesus e seus seguidores.


Esses evangelhos são geralmente classificados em:

1-Narrativas da infância de Jesus
§  Proto Evangelho de Tiago
§  Evangelho de Tomé, o israelita
§  Livro da Infância do Salvador
§  A história de José, o carpinteiro
§  O evangelho árabe da infância
§  A história de José e Azenate
§  Evangelho Pseudo-Mateus da Infância

2-Narrativas da vida e da paixão de Jesus
  1. §  Evangelho de Filipe
  2. §  Evangelho de Pedro
  3. §  Evangelho de Nicodemos
  4. §  Evangelho dos Nazarenos
  5. §  Evangelho dos Hebreus
  6. §  Evangelho dos Ebionitas
  7. §  Evangelho de Gamaliel


3-Coleção de ditos de Jesus
  1. §  Evangelho de Tomé


4-Diálogos de Jesus
  1. §  Diálogo com o Salvador
  2. §  Evangelho de Bartolomeu



Existem vários desses evangelhos apócrifos que foram escritos por autores cristãos desconhecidos, não gnósticos, e que aparentam refletir um cristianismo popular marginal. A maior parte deles pretende suprir a falta de informação histórica nos evangelhos canônicos, fornecendo detalhes sobre a infância de Jesus, diálogos dele com os apóstolos, informações sobre Maria e demais personagens que aparecem nos evangelhos tradicionais.

Por exemplo, o Proto-Evangelho de Tiago, escrito no século II, que descreve o nascimento e a infância de Jesus e a juventude da Virgem Maria é tipicamente uma tentativa de satisfazer a curiosidade popular em torno de coisas não mencionadas nos evangelhos canônicos. Defende a virgindade perpétua de Maria.

“Com a chegada do método histórico-crítico passou-se a negar a autoria apostólica e a inspiração divina dos evangelhos canônicos. Os mesmos passaram a se vistos como produção da fé da igreja, sem valor real para a reconstrução do Jesus histórico. Dessa perspectiva, os evangelhos apócrifos chegaram a ser considerados como literatura tão válida como os canônicos para nos dar informações sobre o cristianismo nascente, embora não sobre o Jesus histórico.”[26]

Frei Jacir indica que “uma das conclusões a que chega o estudo dos apócrifos é que eles precisam ser redescobertos pelas nossas comunidades, pois trazem dados preciosos sobre a origem da fé cristã.” [27]



BIBLIOGRAFIA


1.  Theissen, Gerd – “O Novo Testamento” – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007; Volume 2

2.  Crossan, John Dominic – “Jesus, uma biografia revolucionária” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995.  (Coleção Bereshit)

3.  Rodrigues, Maria Paula (org.) –“Palavra de Deus, palavra de gente: as formas literárias na Bíblia.- São Paulo: Paulus, 2004

4.  Crossan, John Dominic – “O nascimento do cristianismo: o que aconteceu nos anos que se seguiram à execução de Jesus” – São Paulo: Paulinas, 2004. (Coleção Repensar)

5.  Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus”, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995. (Coleção Bereshit)

6.  Koester, Helmut – “Introdução ao Novo Testamento – Volume 2:história e literatura do cristianismo primitivo” – São Paulo: Paulus, 2005

7.  Arias, Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001

8.  Theissen, Gerd – “A religião dos primeiros cristãos – uma teoria do cristianismo primitivo” – São Paulo: Paulinas, 2009 (Coleção Cultura Bíblica)

9.  Marconcini, Benito – “Os Evangelhos Sinóticos – Formação, redação e Teologia” – Paulinas: São Paulo, 2004

10.             Crossan, John Dominic – “O Jesus histórico – a vida de um judeu camponês do Mediterrâneo” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994 (Coleção Bereshit)

11.             Fides Reformata XVII, Nº 1 (2012): 9:24

12.             Faria, Jacir de Freitas – “As origens apócrifas do cristianismo; comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé” – São Paulo: Paulinas,2003. (Coleção Bíblia em comunidade)




[1] Theissen, Gerd – “O Novo Testamento” – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007;  Volume 2 – p.4
[2] Crossan, John Dominic – “Jesus, uma biografia revolucionária” – Rio de janeiro: Imago Ed., 1995 - p.14
[3] Rodrigues, Maria Paula (org.) –“Palavra de Deus, palavra de gente: as formas literárias na Bíblia .- São Paulo: Paulus, 2004 – p. 83
[4] Rodrigues, Maria Paula (org.) –“Palavra de Deus, palavra de gente: as formas literárias na Bíblia.  - São Paulo: Paulus, 2004 – p. 83
[5] Crossan, John Dominic – “O nascimento do cristianismo” – São Paulo: Paulinas, 2004 - Prefácio – p.17-18
[6] Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus?”, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 – p. 29
[7] Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 -p. 30
[8] Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995. – p. 30
[9] Koester, Helmut – “Introdução ao Novo Testamento – Volume 2:história e literatura do cristianismo primitivo” – São Paulo: Paulus, 2005 – p.188
[10] Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 -p. 31
[11] Idem -   p. 30
[12] Idem – p. 35
[13] Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 Idem – p. 33
[14] Idem – p. 34-35
[15] Arias, Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva,2001 – p. 34-35
[16] Theissen, Gerd – “A religião dos primeiros cristãos – uma teoria do cristianismo primitivo” – São Paulo: Paulinas, 2009. – p.359

[17] Arias, Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001 – p.35
[18] Arias, Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva,2001 – p. 36
[19] Marconcini, Benito – “Os Evangelhos Sinóticos – Formação, redação e Teologia” – Paulinas: São Paulo, 2004  - p. 10
[20] Crossan, John Dominic – “O Jesus histórico – a vida de um judeu camponês do Mediterrâneo” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994 – p.30
[21]Idem – p. 30
[22] Crossan, John Dominic – “O Jesus histórico – a vida de um judeu camponês do Mediterrâneo” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994 Idem – p. 30
[23] Koester, Helmut – “Introdução ao Novo Testamento, Volume 2 : História e literatura do cristianismo primitivo – São Paulo: Paulus, 2005 – p.14
[24]  Idem – p. 15-16
[25] Faria, Jacir de Freitas – “As origens apócrifas do cristianismo; comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé” – São Paulo: Paulinas,2003 – p.6
[26] Fides Reformata XVII, Nº 1 (2012): 9-24 – p. 17
[27] Faria, Jacir de Freitas – “As origens apócrifas do cristianismo; comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé” – São Paulo: Paulinas,2003- p.7