OS EVANGELHOS E O JESUS HISTÓRICO
PARTE II
Em nossa postagem anterior inserimos a problemática sobre os
evangelhos como fontes para nos
aproximarmos de Jesus de Nazaré, ou do Jesus histórico.
Analisamos comparativamente à luz de conhecimentos de
especialistas várias textos paralelos dos evangelhos (textos que tratam de um
mesmo episódio nas diferentes versões dos evangelistas).
Vimos que os evangelhos não são a solução do problema para se
chegar ao Jesus histórico, muito pelo contrário, os evangelhos constituem um grande problema
que derivaram inúmeros estudos dos especialistas.
Dos estudos já realizados já se concluiu que:
1- os evangelhos não são
biografias de Jesus;
2- os evangelhos são
interpretações das diferentes comunidades dos primitivos cristãos a respeito de
Jesus;
3- as várias narrações
evangélicas se encontram não no campo da História mas no campo da mitologia – são fruto mais da
fantasia e imaginação religiosas do que de realidades históricas.
Vamos nessa postagem avançar mais um pouco dentro desse tema
fascinante...
Crossan, considera o
registro quádruplo (evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João) o problema
central para o resgate do Jesus histórico.
Theisen partilha das
colocações de Crossan:
“Os evangelhos são fontes de suma importância, mas apresentam obstáculos
consideráveis ao historiador que quer utilizá-los como informações sobre Jesus
de Nazaré e sobre a história do cristianismo.” [1]
Já demonstramos que uma
leitura dos evangelhos, com intenções investigativas, centrando-se em passagens
específicas com a comparação das diferentes versões dada em cada evangelho,
diagnostica uma impressionante discordância entre eles.
Crossan esclarece em
relação a essas divergências que elas não acontecem devido a problemas de
memória de quem escreveu os evangelhos.
As divergências que se
percebem entre os evangelhos devem-se a que cada evangelho tinha em mente uma
teologia diferente, isto
é, cada evangelho tinha uma interpretação a respeito de Jesus diferente dos
demais.
Isto explica porque apesar
de ter existido apenas um Jesus de Nazaré, puderam ter existido vários
evangelhos, várias interpretações sobre Jesus, sendo que as autoridades da
Igreja Católica apresentaram apenas os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e
João como válidos para se conhecer Jesus.
Esse é o outro problema
que Crossan apresenta para podermos nos aproximar do verdadeiro Jesus de
Nazaré.
“Esses
quatro evangelhos não representam todos os primeiros evangelhos disponíveis ou
mesmo uma mostra ao acaso entre eles, mas são ao contrário, uma coletânea
planejada e conhecida como evangelhos canônicos.”[2]
O QUE SÃO
EVANGELHOS?
Provavelmente a resposta mais
comum a essa questão seria que são textos que narram a vida de Jesus, sua morte
e ressurreição.
As pessoas pensam que o
que leêm nos evangelhos são como uma reportagem da vida de Jesus. Essa é um
equívoco que deve ser evitado.
Os evangelhos que temos no
Novo Testamento são resultado de uma longa história que passaremos a analisar
em uma próxima postagem.
“Os evangelhos não foram escritos apenas para repetir aquilo que Jesus
fez ou falou, mas sim para estimular as comunidades com seu exemplo. A
necessidade de fortalecer as comunidades levou-as a dar aos evangelhos esse
formato e o jeito pelo qual os conhecemos.”[3]
“Quando os evangelhos
foram escritos pensou-se primeiramente na comunidade. Foram os problemas e desafios do dia-a-dia da comunidade que conduziram
o processo de escrita do evangelho, e inclusive da escolha do que teria de
fazer parte da narração. Para atender às necessidades da comunidade, foram
inseridos alguns textos e deixados de fora tantos outros.”[4]
Olhando a ordem dos livros
do Novo Testamento vemos que eles aparecem na seguinte sequência: Evangelho
segundo Mateus, Evangelho segundo Marcos, Evangelho segundo Lucas, Evangelho
segundo João, Atos dos Apóstolos e Cartas de Paulo e outros que não são alvo
neste momento deste trabalho.
No entanto a ordem em que
foram editados esses livros não obedece à ordem segundo a época em que eles
foram redigidos. O primeiro evangelho que aparece é o Evangelho segundo Mateus
mas isso não significa que ele foi o texto mais antigo, o primeiro a ser
escrito.
Os textos mais antigos do
Novo Testamento são as cartas de Paulo. Todos os evangelhos foram elaborados e
redigidos em épocas mais tardias refletindo cada um a conjuntura de suas
comunidades.
Há muitos outros aspectos
que tem de ser analisados em relação aos evangelhos:
Ø Quem os escreveu? Teriam
sido pessoas com os nomes de Mateus, Marcos, Lucas e João?
Ø Quando e onde esses textos
teriam sido escritos?
Ø Esses textos seriam
absolutamente originais, ou foram escritos refletindo e/ ou resistindo as
influências de outras culturas?
Ø Os quatro evangelhos que
conhecemos teriam sido os únicos textos escritos a respeito de Jesus ou teriam
existido outros?
Crossan trata de lacunas
na vida de Jesus. Lacunas tais como:
§ anos
sobre os quais nada se sabe de sua adolescência à idade adulta
§ anos
sobre os quais pouco se sabe após a sua morte e o surgimento dos evangelhos.
Crossan levanta questões à
respeito da vida de Jesus e de seus seguidores:
Ø “Por onde
Jesus andou nas décadas que antecederam o início de sua vida pública, como
seguidor de João Batista?”
Ø “Já paramos
para pensar sobre o que possa ter acontecido após a morte de Jesus até o
momento em que surgem os evangelhos?”
Ø “Por que os
primeiros anos do cristianismo estão tão envoltos em silêncio?
Diz Crossan:
“A obscuridade dos anos 30
e 40 é realçada pelo esplendor comparativo dos anos 50. A respeito dessa década
mais tardia, temos as cartas do apóstolo
Paulo. Elas nos dão a conhecer comunidades cristãs em quatro províncias romanas:
Galácia e Ásia, no centro e no oeste da Turquia. Macedônia e Acaia no norte e
sul da Grécia. Delas aprendemos sobre igrejas urbanas em Filipos, Tessalônica,
Éfeso Corinto. Elas nos dão vislumbres de
acontecimentos passados nos anos 30 e 40 em Damasco, Antioquia e Jerusalém .”[5]
Crossan está se referindo
a que os primeiros textos escritos sobre
Jesus depois de sua morte são as cartas de Paulo datadas dos anos 50. Todos os
evangelhos constantes no Novo Testamento foram escritos mais tardiamente,
depois do ano 70 d.C.
Crossan fala da
obscuridade dos anos 30-40 porque neles não ocorreu a redação de nenhum dos
textos que possuímos no Novo Testamento que nos tragam alguns dados sobre
Jesus.
Quando Crossan se refere
ao esplendor comparativo da década de 50, é porque nessa década Paulo redigiu as diversas cartas às
comunidades cristãs por ele fundadas tratando de diversos problemas e questões
que essas comunidades estavam passando, onde ele desenvolve a sua teologia.
Paulo pouco fala sobre
Jesus, sua vida, seus ensinamentos, até porque Paulo não conheceu Jesus, nunca
esteve com ele, nunca testemunhou seus atos nem escutou seus ensinamentos.
A QUESTÃO DA
AUTORIA DOS EVANGELHOS
“Mateus, Marcos, Lucas, João e Pedro eram pessoas reais, mas, os
escritos que levam seus nomes foram-lhes atribuídos, e não escritos por eles.
Originalmente, Mateus e todos os outros evangelhos circulavam anonimamente e
foram provavelmente patrocinados pelas comunidades para quem eles foram
escritos, em vez de pelos indivíduos através dos quais eles foram compostos.
Por fim, no século II, cada um foi ficcionalmente ligado, direta ou
indiretamente a importantes autoridades apostólicas, à medida que as reinvindicações
de continuação da tradição tornavam-se cada vez mais importantes.” [6]
Os
quatro evangelhos constantes no Novo Testamento foram escritos por pessoas
anônimas, não sabemos de fato quem os escreveu. Foram escritos por pessoas das
diversas comunidades, em épocas e locais diferentes, refletindo a situação
vivida por cada uma dessas comunidades.
Cada
comunidade registrou a sua interpretação sobre Jesus. Os evangelhos não são
biografias de Jesus. São interpretações das diferentes comunidades a respeito
de Jesus. Isso explica porque cada evangelho apresenta a
história de Jesus de forma própria, dando ênfases diferentes – podemos dizer
que nos apresentam quatro Jesuses diferentes.
O mais correto seria
dizermos: Evangelho segundo a comunidade de Marcos, Evangelho segundo a
comunidade de Mateus e assim por diante.
Existe grande diferença
entre se dizer “Evangelho de Marcos” e “Evangelho segundo Marcos”. Evangelho de
Marcos indicaria uma autoria, isto é, o evangelho teria sido escrito por uma
pessoa chamada Marcos. Já “Evangelho segundo Marcos” tem o significado de evangelho
conforme, de acordo com Marcos, o que não indica um autor.
Como disse Crossan, os escritos que levam os nomes de Marcos,
Mateus, Lucas e João foram atribuídos a eles, sem terem sido escritos por eles.
Foi uma maneira da Igreja e suas autoridades darem aos textos chamados
evangelhos uma maior autoridade, fidedignidade, credibilidade.
Vamos a seguir fornecer
alguns dados sobre os evangelhos:
Evangelho atribuído a Mateus – Crossan nos
informa que provavelmente esse evangelho foi
escrito entre 85 e 90 d. C. possivelmente em Antioquia, capital da
província romana da Síria.[7]
Diz ele que hoje em dia há
um consenso entre os estudiosos de que Mateus
usou Marcos como uma das duas maiores fontes na composição de seu evangelho.[8]
Isso se percebe quando se
lê Mateus e Marcos em colunas paralelas. Aí pode-se perceber como Mateus omite,
muda e acrescenta a sua fonte de Marcos. Percebemos como Mateus usou a sua
criatividade para alterar o texto de Marcos, o que nos indica como naquele
tempo havia uma liberdade muito grande por parte de um autor a usar um outro como
sua fonte.
Koester
também menciona Marcos como uma fonte para o evangelho segundo Mateus:
“Foi origináriamente
escrito em grego a partir de duas fontes gregas, especificamente o Evangelho de
Marcos grego e o Evangelho de Ditos Q grego.
A
ênfase sobre a atividade milagreira de Jesus é amenizada em favor de seus
ensinamentos, que
o autor de Mateus apresenta essencialmente em cinco grandes discursos de
Jesus.”[9]
Já
Crossan apresenta uma outra
característica importante do evangelho segundo Mateus:
“a
terrível aspereza contra os rabinos farisaicos em todo o evangelho de Mateus mostra que os rabinos estão vencendo,
que mais e mais judeus estão aceitando a visão do rabino para o futuro e não a
de Mateus, e que a comunidade de Mateus está lenta, mas seguramente, sendo
impelida para o judaísmo para sempre [...]
Na narrativa da paixão, onde
Mateus está adicionando ou mudando sua fonte de Marcos, essas mudanças ou
adições indicam amarga animosidade contra um judaísmo que recusou sua
liderança.”[10]
Evangelho atribuído a Marcos
O autor é de novo desconhecido, apesar
da posterior atribuição a Marcos. Foi
composto logo após a Primeira Guerra Romana, de 66 a 73-74 d.C.
Ele escreve para uma
comunidade que sofreu severamente perseguição letal, e não apenas discriminação
social ou oposição política. [11]
O Jesus de Marcos é
penosamente humano.[12]
Hoje se sabe que o Evangelho segundo Marcos é o Evangelho
mais antigo, foi o primeiro a ser escrito e é o mais próximo do Jesus
“histórico”.
Os
escritos de Marcos serviram de fonte para os Evangelhos segundo Mateus e Lucas.
Evangelho atribuído a Lucas – Atos dos
Apóstolos –
O autor é mais uma vez anônimo e ele data do
mesmo período do de Mateus – 85 – 90 d.C. e sua composição pode ser
localizada em qualquer cidade grega do Império Romano, possivelmente até na
própria Grécia. Originalmente o evangelho atribuído a Lucas e os Atos dos
Apóstolos eram uma obra sequencial em dois volumes, assim divididos porque cada
parte ocupava um pergaminho padrão.[13]
Evangelho atribuído a João
Frequentemente
chamado de Quarto Evangelho, é atribuído
a João, em vez de escrito por ele. É
datado por volta de 90 d.C. e foi escrito em algum lugar da Ásia Menor à
Síria.
Ao contrário do Jesus de
Marcos, penosamente humano, o Jesus de João tem completo controle sobre o que
lhe está acontecendo sendo serenamente transcendental.[14]
O QUE SÃO EVANGELHOS
CANÔNICOS ?
Nessa categoria se
enquadram somente quatro evangelhos cuja autoria são atribuídas a Mateus,
Marcos, Lucas e João.
Isto significa que as autoridades da igreja cristã nascente reconheceram
esses textos como autênticos, como inspirados por Deus e com autoridade de
Escritura Sagrada assim como os demais que fazem parte do Novo Testamento.
Existiam muitos outros
evangelhos (mais de cem) e escritos, atribuídos a outros personagens das
primeiras comunidades cristãs, que a Igreja oficial não reconheceu como
“inspirados”.
De que forma as autoridades da Igreja escolheram esses quatro evangelhos
entre tantos outros que existiam como os evangelhos inspirados?
Juan
Arias, escritor e jornalista, em sua obra “Jesus, esse grande desconhecido” nos
conta como os evangelhos atribuídos a Marcos, Mateus, Lucas e João foram
considerados canônicos ou oficiais.
“A história de como os
quatro evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João foram escolhidos pela Igreja
como autênticos e inspirados dentre os mais de cem que então existiam é muito
interessante.
Um dos critérios da
escolha foi o dos milagres. Segundo a Igreja, alguns dos prodígios feitos por
Jesus nos evangelhos apócrifos eram pouco sérios ou muito fantasiosos.
Os quatro evangelhos foram
escolhidos entre cerca de sessenta. Por
volta do ano 180 d.C, Irineu defende o “evangelho quadriforme” como necessidade
teológica assim explicando:
§ O
Evangelho é o pilar da Igreja. A Igreja está espalhada pelo mundo inteiro e o
mundo tem quatro regiões. Convém, portanto, que existam quatro evangelhos.
§ O
evangelho é o sopro do vento divino da vida para os homens, e, assim como
existem quatro pontos cardeais, também devem existir quatro evangelhos.
§ O
Verbo criador do Universo reina e brilha sobre os querubins, e os querubins têm
quatro formas, por isso o Verbo obsequiou-nos com quatro evangelhos.[15]
Gerd
Theissen nos apresenta mais uma justificativa de Irineu:
§ Assim como a história da salvação está
desmembrada em quatro contratos de aliança – com Adão, Noé, Moisés e Jesus –
assim também devem existir quatro evangelhos. Eles correspondem às quatro
figuras celestes apresentadas no livro do Apocalipse, capítulo 4, versículo 7:
João é o leão; Lucas, o touro; Mateus, o homem; Marcos, a águia.[16]
Arias, nos conta também na
obra mencionada como ocorreu a decisão
oficial sobre quais textos poderiam ser considerados inspirados.
“A decisão oficial foi tomada no Concílio de Nicéia
do ano 325,
graças a um “milagre”: dentre todos os evangelhos que existiam, os quatro que
conhecemos hoje como inspirados foram voando sozinhos até o altar.
Outra versão diz que colocaram todos os evangelhos
existentes sobre o altar e os apócrifos foram caindo ao chão, só permanecendo
os quatro escolhidos como autênticos.
Uma terceira versão conta que o Espírito Santo entrou no
Concílio de Nicéia sob a forma de uma pomba através de uma janela sem quebrar o
vidro. Lá estavam reunidos todos os bispos. A pomba pousou no ombro de cada
bispo, dizendo-lhe ao ouvido em voz baixa quais eram os quatro evangelhos
inspirados. E eram os de Marcos, Mateus, Lucas e João”[17].
Quanta imaginação não é
mesmo? Espanta a credulidade que se pressupõe para que essas justificativas se
sustentem!
Arias diz que
“por serem considerados
canônicos ou oficiais pela Igreja, os livros do Novo Testamento gozaram durante
séculos de credibilidade absoluta, sobretudo os quatro evangelhos, que eram tidos como biografias autorizadas de Jesus.
Os textos foram considerados documentos históricos. Faz apenas dois séculos que começaram a ser vistos como textos
literários sem pretensão de contar o que Jesus fez em sua vida terrena, porém,
sobretudo e principalmente o que pensavam as primeiras comunidades cristãs
sobre aquele profeta que pregava uma alternativa àquela sociedade rígida e
fechada de seu tempo e apresentava um rosto mais paternal do Deus do Antigo
Testamento”[18].
OS EVANGELHOS
SINÓTICOS
“Evangelhos
Sinóticos” é a designação para os três primeiros evangelhos do Novo Testamento,
Mateus, Marcos e Lucas. Há muito tempo já se percebeu que esses três evangelhos apresentam materiais
paralelos numa estrutura semelhante e com frequência na mesma seqüência de
perícopes individuais. Há entre eles uma relação literária, um parentesco literário o que se constitui num
fenômeno denominado “questão sinótica” que iremos abordar em outra postagem.
O nome “sinótico” foi dado
aos escritos dos três primeiros evangelhos pelo pesquisador alemão J. J. Griesbach,
em sua obra “Sinopse dos Evangelhos”, publicada em Halle, em 1776. Com efeito,
Mateus, Marcos e Lucas tem semelhanças e diferenças, a ponto de se tornar
possível imprimi-los em três colunas e com uma visão simultânea (syn-hopsis) verificar as concordâncias e
divergências.[19]
Dessa forma temos uma
visão de conjunto dos três evangelhos, uma visão simultânea.
As discrepâncias entre os evangelhos sinóticos
Vale à pena relembrar o
que Crossan diz a respeito das discrepâncias entre as diversas narrativas e
versões. Elas
“não se devem apenas a falhas de memória, nem
a diferenças de ênfase, mas também a interpretações teológicas conscientes a
respeito de Jesus.”[20]
Os
transmissores da tradição de Jesus tinham uma liberdade criativa que não dá
para nós nos dias de hoje entender.
“Mesmo quando Mateus e Lucas, por
exemplo, usam Marcos como uma fonte do
que Jesus disse e fez,ou do que outras pessoas disseram e fizeram a Jesus, eles
apresentam uma assustadora desenvoltura
ao omitir, acrescentar, modificar, corrigir e criar certas passagens dentro de
suas próprias narrativas – mas sempre, é claro, de acordo com a sua
interpretação pessoal de Jesus.”[21]
Crossan, em relação às
discrepâncias que se encontram nas narrativas evangélicas coloca algo que
merece nossa atenção e reflexão:
“Jesus
deixou pensadores, e não memorizadores; discípulos e não recitadores; pessoas,
e não papagaios.” [22]
Não devemos perder isso de
vista quando estudamos o processo que se desencadeou após a morte de Jesus mais
ou menos no ano 30 d. C através da transmissão oral até chegar à redação dos
evangelhos a partir da década de 70.d.C.
O QUE SÃO OS EVANGELHOS
APÓCRIFOS?
O nome “apócrifos” vem do
grego significando “oculto”, “secreto”.
São
esses outros escritos, que no momento de se decidir quais seriam considerados
como textos canônicos ou oficiais, foram considerados pelas autoridades da Igreja como menos confiáveis
que os outros. Os evangelhos
apócrifos acabaram sendo considerados, injustamente falsos. Alguns são
citados pelos primeiros Padres da Igreja, e ainda hoje continuam a ser
estudados por não muitos biblicistas. A maior parte deles desapareceu e de
alguns se conservam apenas fragmentos.
É
evidente que estes evangelhos apócrifos também recolhiam as tradições orais das
primeiras comunidades.
Koester aponta os grupos cristãos antigos que não reconheciam
o cânon da Igreja Católica como os que criaram coleções de seus próprios
escritos. A mais importante dessas é a Biblioteca
de Nag Hammadi, descoberta em 1945-46 no Alto Egito, hoje publicada e
traduzida em sua totalidade. Contém mais de cinquenta escritos entre eles o
Evangelho de Tomé que será alvo de
outras postagens.
“Como
um todo, os escritos dessa recém-descoberta Biblioteca são um recurso
importante para uma nova compreensão da história do cristianismo primitivo e de
sua literatura”.[23]
“Esses
escritos são testemunhos importantes da história do cristianismo primitivo. Mesmo nos casos em que uma data
relativamente tardia deva ser levada em conta, muitas vezes são incorporadas tradições cujas origens remontam aos
primeiros momentos do cristianismo. Se a perspectiva teológica desses apócrifos
se desvia da visão dos Padres da Igreja, ela pode muito bem fornecer
esclarecimentos importantes sobre as percepções e práticas religiosas dos
primeiros cristãos.”[24]
Frei Jacir de Freitas
Faria na apresentação de sua obra “As
origens apócrifas do cristianismo” diz:
“Jesus
é um só, mas os escritos sobre ele são, por assim dizer, reflexos das várias
maneiras pelas quais as comunidades o compreenderam. São experiências múltiplas e diferentes.
Mas, de fato, uma se impôs como exata, tornando-se a oficial.”[25]
Ele se refere à
experiência da Igreja Católica cujos Padres da Igreja canonizaram alguns textos
tornando-os os únicos fidedignos e autênticos.
Prossegue ele ao final de
sua apresentação da obra:
“Uma das conclusões a que chega o estudo dos
apócrifos é que estes precisam ser
redescobertos pelas nossas comunidades, pois trazem dados preciosos sobre a
origem de nossa fé.”
No período seguinte à
morte de Jesus até a redação dos primeiros textos sobre ele surgiram muitas disputas teológicas em torno da pessoa de
Jesus. Haviam diversas visões, diversas interpretações a respeito de quem
fora Jesus e o sentido de sua missão.
Pode-se dizer que haviam vários cristianismos, isto é, várias
maneiras de se interpretar Jesus. O cristianismo que acabou predominando
foi o derivado dos apóstolos, o qual se tornou o cristianismo oficial, o
canônico.
Alguns estudiosos
consideram que os evangelhos apócrifos apresentam informações que são uma
expressão da piedade popular sobre Jesus, que nada acrescentam às informações
contidas nos evangelhos canônicos. Ao contrário acham que eles deturpam o
sentido dessas informações.
Outros estudiosos acham
que os textos apócrifos conservam dados
importantes da memória popular sobre Jesus e seus seguidores.
Esses evangelhos são
geralmente classificados em:
1-Narrativas da infância
de Jesus
§ Proto
Evangelho de Tiago
§ Evangelho
de Tomé, o israelita
§ Livro
da Infância do Salvador
§ A
história de José, o carpinteiro
§ O
evangelho árabe da infância
§ A
história de José e Azenate
§ Evangelho
Pseudo-Mateus da Infância
2-Narrativas da vida e da
paixão de Jesus
- § Evangelho de Filipe
- § Evangelho de Pedro
- § Evangelho de Nicodemos
- § Evangelho dos Nazarenos
- § Evangelho dos Hebreus
- § Evangelho dos Ebionitas
- § Evangelho de Gamaliel
3-Coleção de ditos de
Jesus
- § Evangelho de Tomé
4-Diálogos de Jesus
- § Diálogo com o Salvador
- § Evangelho de Bartolomeu
Existem vários desses evangelhos
apócrifos que foram escritos por autores
cristãos desconhecidos, não gnósticos, e que aparentam refletir um cristianismo
popular marginal. A maior parte deles pretende
suprir a falta de informação histórica nos evangelhos canônicos, fornecendo
detalhes sobre a infância de Jesus, diálogos dele com os apóstolos, informações
sobre Maria e demais personagens que aparecem nos evangelhos tradicionais.
Por exemplo, o Proto-Evangelho de Tiago,
escrito no século II, que descreve o nascimento e a infância de Jesus e a
juventude da Virgem Maria é tipicamente uma tentativa de satisfazer a
curiosidade popular em torno de coisas não mencionadas nos evangelhos
canônicos. Defende a virgindade perpétua de Maria.
“Com a chegada do método
histórico-crítico passou-se a negar a autoria apostólica e a inspiração divina
dos evangelhos canônicos. Os mesmos passaram a se vistos como produção da fé da
igreja, sem valor real para a reconstrução do Jesus histórico. Dessa
perspectiva, os evangelhos apócrifos chegaram a ser considerados como
literatura tão válida como os canônicos para nos dar informações sobre o
cristianismo nascente, embora não sobre o Jesus histórico.”[26]
Frei Jacir indica que “uma
das conclusões a que chega o estudo dos apócrifos é que eles precisam ser
redescobertos pelas nossas comunidades, pois trazem dados preciosos sobre a
origem da fé cristã.” [27]
BIBLIOGRAFIA
1. Theissen,
Gerd – “O Novo Testamento” – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007; Volume 2
2. Crossan,
John Dominic – “Jesus, uma biografia revolucionária” – Rio de Janeiro: Imago
Ed., 1995. (Coleção Bereshit)
3. Rodrigues,
Maria Paula (org.) –“Palavra de Deus, palavra de gente: as formas literárias na
Bíblia.- São Paulo: Paulus, 2004
4. Crossan,
John Dominic – “O nascimento do cristianismo: o que aconteceu nos anos que se
seguiram à execução de Jesus” – São Paulo: Paulinas, 2004. (Coleção Repensar)
5. Crossan,
John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história
evangélica da morte de Jesus”, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995. (Coleção
Bereshit)
6. Koester,
Helmut – “Introdução ao Novo Testamento – Volume 2:história e literatura do
cristianismo primitivo” – São Paulo: Paulus, 2005
7. Arias,
Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001
8. Theissen,
Gerd – “A religião dos primeiros cristãos – uma teoria do cristianismo
primitivo” – São Paulo: Paulinas, 2009 (Coleção Cultura Bíblica)
9. Marconcini,
Benito – “Os Evangelhos Sinóticos – Formação, redação e Teologia” – Paulinas:
São Paulo, 2004
10.
Crossan, John Dominic – “O Jesus histórico
– a vida de um judeu camponês do Mediterrâneo” – Rio de Janeiro: Imago Ed.,
1994 (Coleção Bereshit)
11.
Fides Reformata XVII, Nº 1 (2012): 9:24
12.
Faria, Jacir de Freitas – “As origens
apócrifas do cristianismo; comentário aos evangelhos de Maria Madalena e Tomé”
– São Paulo: Paulinas,2003. (Coleção Bíblia em comunidade)
[1]
Theissen, Gerd – “O Novo Testamento” – Petrópolis, RJ: Vozes, 2007; Volume 2 – p.4
[2]
Crossan, John Dominic – “Jesus, uma biografia revolucionária” – Rio de janeiro:
Imago Ed., 1995 - p.14
[3]
Rodrigues, Maria Paula (org.) –“Palavra de Deus, palavra de gente: as formas
literárias na Bíblia .- São Paulo: Paulus, 2004 – p. 83
[4]
Rodrigues, Maria Paula (org.) –“Palavra de Deus, palavra de gente: as formas
literárias na Bíblia. - São Paulo:
Paulus, 2004 – p. 83
[5]
Crossan, John Dominic – “O nascimento do cristianismo” – São Paulo: Paulinas,
2004 - Prefácio – p.17-18
[6]
Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus?”, Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 –
p. 29
[7]
Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na
história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 -p. 30
[8]
Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na
história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995. – p.
30
[9]
Koester, Helmut – “Introdução ao Novo Testamento – Volume 2:história e
literatura do cristianismo primitivo” – São Paulo: Paulus, 2005 – p.188
[10]
Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na
história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 -p. 31
[11] Idem
- p. 30
[12]
Idem – p. 35
[13]
Crossan, John Dominic – “Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na
história evangélica da morte de Jesus” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1995 Idem –
p. 33
[14]
Idem – p. 34-35
[15]
Arias, Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva,2001
– p. 34-35
[16]
Theissen, Gerd – “A religião dos primeiros cristãos – uma teoria do
cristianismo primitivo” – São Paulo: Paulinas, 2009. – p.359
[17]
Arias, Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva, 2001
– p.35
[18]
Arias, Juan – “Jesus, esse grande desconhecido” – Rio de Janeiro: Objetiva,2001
– p. 36
[19]
Marconcini, Benito – “Os Evangelhos Sinóticos – Formação, redação e Teologia” –
Paulinas: São Paulo, 2004 - p. 10
[20]
Crossan, John Dominic – “O Jesus histórico – a vida de um judeu camponês do
Mediterrâneo” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994 – p.30
[21]Idem
– p. 30
[22] Crossan,
John Dominic – “O Jesus histórico – a vida de um judeu camponês do
Mediterrâneo” – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1994 Idem – p. 30
[23]
Koester, Helmut – “Introdução ao Novo Testamento, Volume 2 : História e
literatura do cristianismo primitivo – São Paulo: Paulus, 2005 – p.14
[24] Idem – p. 15-16
[25]
Faria, Jacir de Freitas – “As origens apócrifas do cristianismo; comentário aos
evangelhos de Maria Madalena e Tomé” – São Paulo: Paulinas,2003 – p.6
[26] Fides
Reformata XVII, Nº 1 (2012): 9-24 – p. 17
[27]
Faria, Jacir de Freitas – “As origens apócrifas do cristianismo; comentário aos
evangelhos de Maria Madalena e Tomé” – São Paulo: Paulinas,2003- p.7