A visita do papa Francisco ao chile
(15 à 18 de janeiro-2018)
PEDOFILIA E PODER SAGRADO
CRISE DE CREDIBILIDADE NA IGREJA
PARTE II
Olá leitores e leitoras de “Teologia e Espiritualidade”.
Em nossa postagem anterior, há quase dois anos atrás, enfocamos
o tema da pederastia eclesiástica, que foi alvo do filme “Spotlight – Segredos
Revelados”, vencedor do Oscar de 2016, como melhor roteiro.
O filme funcionou como um alto-falante que colocou em primeiro
plano a pederastia eclesiástica, um grave problema que no entanto talvez não
tivesse sido percebido pelo público em geral.
Fica claro através do filme, que inúmeras vidas tiveram seu rumo
truncado, prejudicado por homens sem escrúpulos, que por exercerem a função de
padres, tornaram seu comportamento criminoso ainda mais ignóbil.
O filme também denunciou a atitude de omissão da Igreja
Católica, através de suas autoridades, que acobertaram de forma igualmente
criminosa os atos de violência sexual cometida por inúmeros padres pelo mundo
afora. A instituição buscava abafar os crimes praticados ao invés de punir os
agressores buscando com isso preservar a sua credibilidade.
Voltamos ao tema da Pedofilia na Igreja porque ele continua em
pauta. Basta vermos o que aconteceu na última
visita do Papa Francisco ao Chile para se constatar que o problema dos padres
pedófilos continua ferindo de morte a Igreja Católica, mesmo depois de tanto
tempo ter se passado desde a denúncia do jornal “The Boston Globe” sobre a
prática sexual criminosa de padres pelo mundo afora.
Inicialmente vamos enfocar a visita do Papa Francisco ao Chile,
que reacendeu a crise provocada pelo escândalo de pedofilia envolvendo padres
católicos no país.
VIAGEM DE FRANCISCO AO CHILE
15 À 18 DE JANEIRO DE 2018
DECEPÇÃO E FIASCO
Quando o cardeal Pietro
Parolin, secretário de Estado do Vaticano, disse que a visita do Papa Francisco
à América Latina “não seria fácil”, ele não estava exagerando. A 22ª viagem papal foi alvo de um grau sem
precedentes de hostilidade – e justamente no seu continente natal. O Papa passou pelo Chile com uma recepção
gélida, ruas vazias, debaixo de seguidas reprovações.
Francisco chegou no dia 15
de janeiro ao Chile, em um momento delicado da Igreja Católica. O país ainda digere acusações de que quase
80 clérigos chilenos teriam abusado sexualmente de menores desde o ano 2000.
Também recentemente aprovou leis para descriminalizar o aborto e reconhecer
uniões civis homossexuais.
Além
disso, é no Chile que Francisco tem a menor aprovação em todo o continente:
recebeu dos chilenos a nota 5,3 em uma escala de zero a dez (no Brasil, a nota
dele é 8,0). Com isso, não chegou a surpreender o pedido do Papa, antes de
embarcar, para que sua congregação “reze por ele” durante sua visita ao Chile.
Estima-se que mais de 60% da
população do Chile se identifique como cristã, sendo 45% católica, mas trata-se
também do segundo país mais secular da América Latina. Cerca de 38% dos
chilenos se dizem agnósticos, ateístas ou não religiosos.
TRÊS MAIORES DESAFIOS QUE O PAPA ENFRENTOU NA PASSAGEM PELO CHILE
GASTOS
E POBREZA
A viagem foi precedida por
críticas aos gastos com a viagem – foram mobilizados 18 mil integrantes das
forças de segurança nacional para a visita papal – enquanto ao menos 15% da
população vive abaixo da linha de pobreza.
Extraoficialmente, a
estimativa é de que o governo chileno gastaria USS$ 11 milhões (onze milhões de
dólares) com a visita, sobretudo em medidas de segurança e de logística.
Ao menos quatro igrejas
católicas foram atacadas em Santiago – três delas com explosivos caseiros,
acompanhados de panfletos advertindo que o papa seria o alvo seguinte. A
polícia atribuiu a autoria dos atos a um grupo anarquista.
A quarta igreja foi poupada
porque o explosivo foi desarmado, mas uma mensagem foi deixada em um muro
próximo, dizendo que “os pobres estão morrendo”.
RESSENTIMENTO
POR CONTA DE ACOBERTAMENTOS DE ESCÂNDALO SEXUAL
Eram previstos, durante a
passagem do papa, protestos de grupos feministas e de direitos homossexuais.
Mas as manifestações que atraíram mais os holofotes foram aquelas dirigidas a
uma ação de Francisco que está no centro das críticas que ele sofre no Chile.
Que ação foi essa? Em 2015,
ele nomeou como bispo de Osorno (no sul do país) Juan Barros que acobertou
Fernando Karadima anos a fio, opondo-se a todas as investigações do caso.
O bispo é acusado de
acobertar abusos sexuais atribuídos ao sacerdote Fernando Karadima, hoje com 87
anos, condenado em 2011 pelo Vaticano por abusar de crianças.
O chamado caso Karadima
abalou fortemente a imagem da Igreja Católica no Chile, já que, ao longo de
mais de uma década, autoridades eclesiásticas ignoraram as acusações contra o
sacerdote, que tinha fortes vínculos com a elite política e empresarial do
país.
Só quando as vítimas vieram
a público é que o Vaticano decidiu investigar o caso.
O
papa já declarou ter “tolerância zero” a abusos sexuais, mas a nomeação de
Barros como bispo de Osorno reabriu antigas feridas.
Segundo as vítimas de Karadima, Barros tinha conhecimento dos abusos praticados
por seu protegido e permitiu que eles seguissem sendo praticados. O bispo nega
as acusações.
O
caso Karadima é possivelmente o principal fator do desprestígio da Igreja no
Chile, afirma Marta Lagos, diretora da Consultoria
Latinobarômetro, que avaliou a percepção da instituição na América Latina. “Há
no Chile, uma sensação de ausência de normas, que aumentou nos últimos quatro
anos com a revelação de casos de corrupção na política e no empresariado”,
afirma Lagos. “E a Igreja, tida como cúmplice da forma ruim como se lidou com o
caso Karadima, entra nessa tendência geral de desconfiança do poder
estabelecido.”
Em uma carta aberta, James
Hamilton, uma das mais conhecidas vítimas de Karadima, diz que “ainda não
entende como nós, as milhares de vítimas de abusos, não fomos protegidas por
nossos padres, que se silenciaram diante do que aconteceu conosco”.
DESCONTENTAMENTO
INDÍGENA
Na quarta-feira,17 de
janeiro, o papa visitou Temuco, cidade do sul do Chile tida como a capital do
povo mapuche.
Os mapuches são indígenas
que reclamam a devolução das terras que lhes terão sido roubadas pelos
militares no final do século XIX. A ideia é dar visibilidade a sua luta (que
tem se intensificado e já originou conflitos com a polícia), mas poderá
enfrentar também os seus próprios protestos – muitos acusam a Igreja Católica de
cumplicidade no roubo das terras.
Os mapuches se opuseram a
300 anos de colonização (primeiro por parte dos espanhóis e dos próprios
chilenos) em um dos conflitos mais antigos da América Latina – com erupções
ocasionais de violência.
Líderes de ambos os lados do
conflito esperavam que Francisco ajudasse a pôr fim a décadas de discriminação
e a mediar discussões em torno de questões espinhosas, como direito a terras
ancestrais, além de reconhecimento da cultura e língua mapuche.
“VIAGEM DE FRANCISCO AO CHILE: DECEPÇÃO E FIASCO”
Vamos reproduzir alguns
trechos do artigo, “VIAGEM DE
FRANCISCO AO CHILE: DECEPÇÃO E FIASCO” de autoria de Mauro Lopes.
Nesse artigo Mauro Lopes faz
uma avaliação crítica da viagem de três dias do Papa Francisco ao Chile
indicando o contexto e os principais fatos dessa viagem.
“O
Papa Francisco decidiu viajar ao Chile sabendo que visitaria uma Igreja em
profunda crise. No Chile o Papa tem a pior avaliação em toda
a América Latina. Em toda a região, é no Chile onde há a maior desconfiança em
relação à Igreja Católica: apenas 36% dizem confiar na instituição, o pior
resultado latino-americano, contra a média de 65% na região.
A
realidade era e é plenamente conhecida por Francisco. A
Igreja local depois da avassaladora intervenção de João Paulo II nos anos 80
sofreu transformações:
Ø De
combativa e ao lado dos chilenos, tornou-se apoiadora de uma das mais
sanguinárias ditaduras do continente, a de Pinochet;
Ø Afastou-se
do povo, alinhando-se aos ricos;
Ø Tornou-se
profundamente clericalizada;
Ø Esmerou-se
por décadas em encobrir sacerdotes abusadores e pedófilos.
O Chile foi um dos países
onde o modelo de Igreja Wojtyla/Ratzinger foi implementado com mais inteireza
e, se depois dos dois papados, a Igreja em todo o mundo estava imersa em grave
crise, no pequeno país a situação é de um desastre lastimável.
A
Igreja chilena ainda respira o clima inquisitorial dos tempos de João Paulo II
e Bento XVI. Os sacerdotes vinculados à teologia
latino-americana continuam a ser perseguidos tenazmente. Um dos principais
teólogos do país, o jesuíta Jorge Costadoat, foi proibido de continuar a
ensinar na Universidade Católica do Chile, onde lecionou por mais de 20 anos,
pelo arcebispo de Santiago, dom Ricardo Ezzati, em pleno papado de Francisco - em
2015, o que levou a protestos e abaixo-assinados que chegaram a Roma.
Esta é a igreja que
Francisco decidiu visitar, com plena consciência de tudo o que lá aconteceu e
acontece. O que esperavam aqueles que o admiram e apoiam? Uma chacoalhada no
status quo eclesial local, um posicionamento ao estilo de seus seguidos reptos
à Cúria romana, do qual o exemplo mais vigoroso é o discurso de Natal de 2015,
onde listou o “catálogo” das “doenças curiais”.
Não houve nada disso no
Chile. O Papa manteve seu tom pastoral, apontando para uma igreja em saída,
defendeu os pobres, condenou o clericalismo, esteve com os índios mapuche,
reuniu-se com algumas vítimas de abusos do clero local. Mas os chilenos, com
justa razão, queriam mais. Não tiveram.
O resultado foi o que se
viu. Protestos, frieza, ausências.
A
presença nas missas campais foi
muito abaixo das expectativas e das estruturas armadas para receber o povo,
exceto pela da capital. A celebração na Base de Maquehue, em Temuco, teve uma
audiência de cerca de 200 mil pessoas – metade do número inicialmente
projetado; na de Campus Lobito não passaram de 50 mil pessoas, embora o lugar
pudesse acomodar 350 mil pessoas; no Encontro com os Jovens, realizado no
Santuário de Maipu, e diante do panorama vivido em Temuco, os bispos chilenos
apressaram-se a estender o convite a pessoas de todas as idades, sem sucesso.
O
fracasso de Francisco no Chile estendeu-se até à sua relação normalmente
intensa e positiva com os povos originários. Os mapuche ficaram
profundamente insatisfeitos com a postura do Papa. “Antes de falar de paz,
devolva as terras usurpadas” – estes foram os termos de um documento das
comunidades mapuche sobre o encontro com Francisco. Houve indignação com a
defesa que Francisco fez por “paz” e “perdão” sem que tenha manifestado
concretamente pela devolução das terras que foram brutalmente arrancadas aos
mapuche, vítimas também de um verdadeiro genocídio pelo Estado chileno.
Houve
até mesmo repressão
policial durante a visita, sem que o Papa ou a Igreja tivessem protestado. A
Marcha dos Pobres, com 250 pessoas,
convocada por movimentos sociais e que pretendia ir até a missa campal de
terça-feira em Santiago, foi dissolvida
violentamente pela polícia, que prendeu mais de 20 pessoas. O episódio ecoa
tristemente a repressão brutal que sofreu outra manifestação com 250 sem teto
durante a visita de João Paulo II ao país, em 1987. Na ocasião, morreu um jovem
de 26 anos, Patrício Juica. A repressão atingiu os fiéis que participavam da
missa, ferindo 600 pessoas. A Conferência dos Bispos Chilenos, já controlada
pelos conservadores, emitiu uma nota culpando os manifestantes e afirmando que
os policiais eram vítimas.
A GRANDE DECEPÇÃO DA VIAGEM
Mas
a grande decepção com a viagem foi o comportamento do Papa em relação ao tema
que é uma ferida aberta na relação do povo chileno com a Igreja local: os casos
de abuso sexual e pedofilia perpetrados por sacerdotes, em especial o caso que
se tornou seu símbolo: o da dupla Karadima/Juan Barros.
O
padre Fernando Karadima (Fernando
Salvador Miguel Karadima Fariña),de 87 anos, abusou sexualmente de mais de 75
crianças e jovens. Ligado à direita empresarial e política, foi afastado
pela Igreja apenas em 2011, depois de anos de denúncias, respondidas com
silêncio, apoio ao padre pela hierarquia local e seus colegas clérigos e
condenações aos denunciantes. Ele, porém, continua como sacerdote e vive em
situação de conforto em residências eclesiais.
Um
de seus apoiadores foi o bispo Juan Barros que em 2015, foi
nomeado pelo Papa Francisco como bispo de Osorno (no sul do país).
Houve protestos expressivos
no Chile contra a nomeação, especialmente da comunidade de Osorno, mas eles
foram ignorados por Roma.
Barros
esteve presente na missa
campal no Parque O’Higgins, na terça-feira, dia 16 de janeiro, e tratado com
deferência por Francisco.
O fato foi considerado um
escândalo e um desrespeito às vítimas de abusos e abriu uma série de
questionamentos ao Papa, sob o argumento de que suas palavras de solidariedade
aos abusados e suas famílias não correspondem aos fatos e ações do Vaticano.
A
comunidade de Osorno conseguiu entregar uma carta ao Papa
através do presidente da Câmara dos Deputados, Fidel Espinoza, em que lhe pedem para reverter a nomeação
episcopal de Barros – a situação da Igreja chilena é tão lamentável que a
comunidade católica de Osorno precisou recorrer a um político para entregar a
carta.
Houve mais: o teatro
continuou quando o Papa se encontrou a portas fechadas com vítimas de padres
chilenos. No entanto, de acordo com a imprensa local, as vítimas de Karadima não foram convidadas para esse encontro com o
Papa.
O EQUÍVOCO DE FRANCISCO – A DEFESA AO BISPO BARROS
O
ponto culminante foi a inacreditável defesa que Francisco fez do bispo Barros, ao
final da viagem afirmando que ele seria vítima de calúnias, exigindo que se
apresentassem “provas” contra ele e chamando
os fiéis de Osorno de “surdos” e “tontos” por exigirem a remoção de Barros.
O papa foi duramente
reprovado pelas vítimas de Karadima. José
Andrés Murillo, diretor da Fundación para la Confianza, criada para atender
as pessoas vitimadas e ele mesmo uma das vítimas do padre Karadima, foi
contundente:
“Não é a primeira vez que o Papa pede perdão, que tem lágrimas de
vergonha: aqui, repito, as palavras, se não vão acompanhadas de ações, não
valem nada e isto está super claro. Não se trata de que sejam suficientes ou
não, as palavras não servem se não são acompanhadas de ações concretas”.
E não houve qualquer ação
concreta, ao contrário, a única que houve foi a reafirmação pelo Papa, do poder
de um bispo cúmplice.
Depois da manifestação do Papa de apoio ao bispo Barros,
Murillo divulgou uma carta pesarosa na manhã de 19/01/18: ”o que o Papa fez é ofensivo e doloroso”.
O
tema dos abusos foi tratado como uma “batata quente” durante a visita. E não
como uma prioridade para ações concretas.
A REAÇÃO DAQUELES QUE O APOIAM COTIDIANAMENTE NO PAÍS, MESMO SOB
PERSEGUIÇÃO DA HIERARQUIA CHILENA.
O
Conselho editorial do site Reflexión y Liberación,
respeitado internacionalmente, lamentou: “Todo esse episódio, sem dúvida,
marcou e turvou a agenda da visita apostólica do Papa Francisco ao Chile”.
Em seu editorial, Reflexión
y Liberación fez questão de publicar uma foto emblemática do envolvimento da
hierarquia chilena com os casos de abuso, onde quatro padres abençoam Karadima
num dos salões da paróquia El Bosque, onde foram cometidos os crimes pelo padre
abusador.
Todos os que abençoam foram,
ao longo dos anos, nomeados bispos por João Paulo II e hoje são homens fortes
da Igreja chilena. São eles: Horácio Valenzuela, Juan Barros, Andrés Arteaga
e Tomislav Koljatic.
O
sacerdote jesuíta e teólogo chileno Iván Navarro
escreveu que o Papa "instalou novamente a distância e a frustração com sua acusação de calúnia às vítimas" e acrescentou:” Uma parte importante do
país e de católicos nos sentimos ainda doloridos. Não concebemos um catolicismo
autoritário, não dialogante, que faz defesas corporativas. Não nos representam
bispos pouco transparentes e processos pouco claros. As vítimas novamente
desacreditadas, uma diocese de Osorno dividida, e a esperança de um Papa
diferente notavelmente arranhada”.
Jorge
Costadoat, o teólogo jesuíta mais perseguido pelos
hierarcas do Chile e um apoiador de Francisco de primeira hora, sobre quem já
escreveu dois livros, afirmou sua “frustração
e perplexidade” e escreveu com tristeza:” a muitos sua visita nos deixou um sabor muito amargo”.
A
comunidade de leigos da diocese de Osorno, que luta pelo afastamento do bispo Barros, divulgou um comunicado
que se abre com um lamento doloroso:” O
duro juízo que o Papa Francisco emitiu em Iquique causou desconcerto,
frustração e dor em meio a uma comunidade já impactada pelos reiterados casos
de abuso sexual e encobrimento dos crimes denunciados em todo o mundo”.
O
jornalista católico Luis Badilla, que escapou da morte no
Chile de Pinochet e vive há 42 anos na Itália, onde é editor do site II Sismografo, afirmou que a postura do Papa foi um “erro” de tremendas repercussões e revelou
que já há notícias de que a ala conservadora da Igreja chilena, sentindo-se
fortalecida pela postura de Francisco iniciou uma ofensiva “sobre aquela parte
do mundo eclesial local, frágil, assustado e hesitante, que tenta reviver os
destinos dessa Igreja tão sofrida e ferida, em crise e declínio há algumas
décadas”.
Josefina
Canales, presidente da Federação dos Estudantes da Universidade Católica,
entregou aos assessores de Francisco uma carta de duas páginas sob o título: ”A
Igreja ausente”, na qual os estudantes criticam a hierarquia chilena pela
passividade diante dos abusos, pelo afastamento do povo e, no caso da
Universidade Católica, pela expulsão de professores e manutenção de condições
de trabalho indignas para os contratados pela instituição. O reitor da UC,
Ignácio Sánchez, fez “cara de paisagem” diante da entrega da carta por seus
estudantes.
O
equívoco do Papa é tão flagrante que foi condenado até pelo cardeal de Boston,
Sean O’Malley, coordenador da Pontíficia Comissão para a Tutela dos Menores,
encarregada dos casos de abuso sexual na Igreja.
Ele
divulgou uma nota na qual reconhece:
”É compreensível que as declarações do Papa
Francisco...causaram muito sofrimento às vítimas de abuso sexual cometidos pelo
clero ou qualquer outro criminoso”.
Sobre a afirmação do Papa sobre
pretensas calúnias e sua exigência de provas, Sean O’Malley foi taxativo:
“Palavras que transmitem a mensagem de que se
você não consegue provar o que reinvindica, ninguém vai acreditar em você”...” relegam
as vítimas a um exílio de descrença”.
Não é à toa que o título da nota
pública da comunidade de Osorno tenha sido:
”O Papa não nos escutou, o cardeal
O’Malley sim”.
22 DE JANEIRO DE 2018
O POLÊMICO PEDIDO DE DESCULPAS DO PAPA FRANCISCO POR TER FERIDO AS
VÍTIMAS DE ABUSO SEXUAL
O
Papa Francisco pediu desculpas em 22 de janeiro às vítimas de abusos sexuais
por padres no Chile. Ele
reconheceu que “machucou” as vítimas quando pediu “provas” das violações.
O pontífice fez a declaração
a bordo do avião que o levava de volta a Roma, depois da viagem pelo Chile e
Peru. Segundo James Reynolds, correspondente da BBC em Roma, “é incomum o papa
se desculpar por suas próprias palavras. Ele entendeu que seu pedido de provas foi um tapa na face das vítimas.
30 DE JANEIRO DE 2018
APÓS DEFENDER BISPO, PAPA ENVIA O ARCEBISPO DOM SICLUNA, INVESTIGADOR
DE ABUSOS SEXUAIS AO CHILE
Criticado por defender
publicamente o Bispo de Osorno, Juan Barros, acusado de acobertar denúncias de
pedofilia, o papa Francisco decidiu enviar o principal investigador de abusos sexuais da Igreja católica - o
arcebispo Charles Scicluna, de Malta - para o Chile para apurar denúncias
de que ele teria acobertado agressões sexuais contra menores.
Em 30 de janeiro, nota do Vaticano afirmou que novas
informações surgiram sobre o bispo Juan Barros, e em virtude delas o Papa
Francisco enviaria o arcebispo Charles Scicluna, de Malta, ao Chile para “ouvir
aqueles que queiram entregar informações em sua posse”. Foi Scicluna quem
revelou evidências de abuso sexual que levaram à remoção do padre mexicano
Marcial Maciel, fundador dos Legionários de Cristo, em 2005.
A missão de dom Scicluna não
é um passeio, uma vez que para o Papa,
esclarecer esse caso chileno é uma questão fundamental, prioritária e urgente.
Diz a reportagem publicada
por Il Sismógrafo, dos repórteres Luis Badilla e Francesco Gagliano que as
vítimas já foram ouvidas no passado, já tiveram oportunidade de entregar seus
testemunhos de forma oficial.
A tarefa
de Scicluna é ouvir tudo e, sobretudo, novos elementos até hoje desconhecidos
ou não esclarecidos – isso é indubitável - mas para poder em última instância,
ter um relatório definitivo e completo que possa, se necessário, eventualmente,
iniciar um processo judiciário e remover o véu de mentiras desse caso torpe,
que, há muito tempo, está envenenando a Igreja chilena e não só ela.
Talvez, no Chile, seria a
hora de que mais homens da Igreja olhassem na cara da verdade e deixassem de
acomodar os fatos às próprias escolhas e interesses.
06 DE FEVEREIRO DE
2018
MARIE COLLINS DENUNCIA QUE O PAPA FRANCISCO SABIA DO
ACOBERTAMENTO
DO BISPO BARROS DOS CRIMES SEXUAIS DE
FRANCISCO KARADIMA
Marie Collins, a
sobrevivente de abusos sexuais que abandonou em 2017 a comissão papal de luta
contra a pedofilia, decidiu se manifestar escrevendo no Twitter e contatando a
imprensa.
Ela afirmou no Twitter:
“Entrei em choque quando ouvi que o Papa disse no avião que as vítimas de
Karadima não chegaram até ele e que ele as ouviria caso o fizessem. Eu sabia
que elas o contataram diretamente através de uma carta há três anos”.
Em
12 de abril de 2015, ela foi a Roma com uma carta de um chileno vítima de
estupro – Juan Carlos Cruz. Ela e outros três membros da comissão entregaram a
carta ao cardeal americano Sean O’Malley, que expressou sua preocupação.
“Ficamos preocupados com a
nomeação de Barros, sobretudo se ele foi testemunha de abusos e não identificou
os fatos como abusos. Isso significa que ele não protegeu as crianças na
condição de bispo” explica Collins.
O cardeal O”Malley,
presidente da comissão, também faz parte de um grupo de nove cardeais que ajuda
o Papa a reformar o Vaticano. Ele assegurou que entregou a carta ao Papa,
acrescentou Collins.
De acordo com Collins, ao
menos três vítimas diretas de Karadima acusam Barros de ter testemunhado alguns
atos de abuso. Barros nega as acusações.
QUEM É MARIE COLLINS?
QUE PAPEL ELA DESEMPENHOU NA LUTA PELA DEFESA DAS VÍTIMAS
DOS PADRES
PEDÓFILOS?
A irlandesa Marie Collins
foi nomeada em 2014 para ser um dos
dois sobreviventes de abuso sexual clerical a atuar na Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores, do Papa
Francisco. O outro sobrevivente nomeado
foi o inglês Peter Saunders.
Collins e Saunders eram
pessoas conhecidas como sobreviventes de
abuso clerical muito antes de serem nomeadas à Comissão. Eles tinham a reputação de serem francos na luta
contra a pedofilia na Igreja. Esse foi um dos motivos pelos quais foram
escolhidos, com base em que a credibilidade deles dentro da comunidade dos
sobreviventes de abuso sexual seria emprestada à Comissão para a Tutela dos
Menores.
Ela
renunciou a este cargo em 1º de março de 2017, divulgando uma nota, em que explica os
motivos que fizeram com que se demitisse da referida comissão.
A nota foi publicada por
National Catholic Reporter, em 01-03-2017 da qual faremos uma síntese dos
principais trechos.
Collins
diz que nos três anos de existência a Pontifícia Comissão para a Tutela dos
Menores enfrentaram dificuldades que incluíam a falta de recursos, de
estruturas adequadas para os colaboradores, lentidão e resistência cultural. O
problema mais significativo foi a relutância
de alguns membros da Cúria Romana em implementar as recomendações da Comissão mesmo depois de aprovadas
pelo Papa.
Uma
das recomendações da Comissão foi a de que se criasse um tribunal onde bispos
negligentes pudessem ser responsabilizados. Essa recomendação
foi aprovada pelo Papa Francisco e anunciada em junho de 2015. No entanto, a
Congregação para a Doutrina da Fé, encontrou dificuldades jurídicas não
especificadas, e assim o tribunal acabou não vingando.
A
relutância de algumas pessoas na Cúria Romana para implementarem as
recomendações ou cooperar com o trabalho de uma comissão, quando o propósito é
melhorar a segurança das crianças, jovens e adultos vulneráveis ao redor do
mundo, é inaceitável.
Collins pergunta:
“Será que
essa relutância é impulsionada por uma política interna, por um medo de mudar,
pelo clericalismo que instila a crença de que ‘eles sabem melhor’, ou ainda por
uma mentalidade fechada que vê o abuso sexual como uma inconveniência ou pelo
apego a velhas atitudes institucionais?”
“É horrível ver em 2017 que
as pessoas ainda conseguem pôr outras preocupações antes da segurança dos
menores e adultos vulneráveis”.
Vemos na nota de Collins, no trecho a seguir, a referência a uma prática
que tem relação direta com a nova denúncia feita por ela, agora em 2018, que
diz respeito a correspondência enviada por vítimas/sobreviventes a
departamentos do Vaticano.
Diz Collins em sua nota:
”Em
2016, seguindo um pedido da Comissão, o
papa instruiu todos os departamentos do Vaticano a garantir que toda
correspondência enviada pelas vítimas/sobreviventes receba uma resposta. Eu
soube por uma carta enviada por um dicastério em particular em fevereiro-2017,
que eles estavam se recusando a assim proceder.
“Acho
impossível ouvir declarações públicas sobre a preocupação profunda da Igreja
pelo cuidado daquelas vidas que foram prejudicadas por abuso sexual e, no entanto,
assistir em privado uma congregação vaticana se recusar a reconhecer as cartas
enviadas por essas pessoas. É um reflexo de como toda essa crise de abuso na
Igreja vem sendo trabalhada: com belas palavras em público, e com ações
contrárias atrás de portas fechadas.”
Quando aceitei a nomeação
para a Comissão em 2014, disse publicamente que se achasse que o que ocorria
atrás de portas fechadas estivesse em conflito com o que estava sendo dito ao
público, eu não permaneceria. Esse momento chegou. Sinto que não tenho escolha
senão renunciar caso queira manter minha integridade”.
A
saída de Marie Collins aconteceu num momento em que a postura de Francisco
junto aos sobreviventes já estava ficando prejudicada, em parte por causa das
revelações de que ele teria suavizado as punições impostas contra padres
abusadores naquilo que o pontífice vê como espírito de misericórdia, e que os
críticos consideram como uma falha na responsabilização pelos atos cometidos.
Há aqueles que apelam ao
compromisso do papa com a misericórdia em casos de abuso sexual de padres
pedófilos. Eles prestam um desserviço a todos e ao próprio papa, pois suas ações de clemência enfraquecem tudo o
mais que ele faz nesta área, incluindo o apoio ao trabalho da Comissão.
A
inércia burocrática e os jogos de poder descritos por Collins levantam dúvidas
legítimas sobre a seriedade do Vaticano em termos de seu compromisso com o
combate a pedofilia na Igreja.
A saída de Marie Collins não
necessariamente significou o fim da estrada em termos de representação dos
sobreviventes de abuso na Comissão para a Tutela dos Menores. Na verdade, essa
saída significou uma transição para um modo de agir mais livre e com menos
conflitos pessoais.
17 DE FEVEREIRO DE
2018
FRANCISCO RENOVA COMISSÃO SOBRE ABUSO SEXUAL
A
Pontifícia Comissão para a Tutela dos Menores teve o mandato de três anos de
seus membros expirado em 17 de dezembro de 2017.
Assim o grupo ficou em inatividade por dois meses, o que levou os defensores
das vítimas dos padres pedófilos a questionarem se a proteção dos menores
estava sendo realmente priorizada na Igreja Católica.
A
nomeação de novos membros por Francisco ao seu corpo consultivo vem
no momento em que ele enfrenta algumas das críticas mais pesadas de seu papado
sobre a forma de lidar com acusações feitas ao Bispo Barros, acusado de
encobrir abusos quando era padre, nos anos 80 e 90.
O Papa voltou a nomear oito
dos membros anteriores e acrescentou outras nove pessoas. Seis dos antigos
membros da comissão não foram renomeados por Francisco.
Marie Collins, ex-membro do
grupo que se demitiu conforme já mencionado anteriormente, disse que algumas dessas pessoas que não voltaram a
ser nomeadas estavam entre os membros mais ativos do grupo.
Disse Marie Collins:
“Estou chocada com o descarte de alguns membros mais ativos e
independentes da comissão. Alguns dos que saíram eram os mais ativos e tinham
mais experiência no trabalho de proteção das crianças e no trabalho direto com
as vítimas”.
A psicoterapeuta francesa Catherine Bonnet, um dos membros não renomeados, também se
demitiu da comissão em junho de 2017, após perder as esperanças que tinha
em relação ao trabalho do grupo por duas vezes:
Ø A
primeira esperança que tinha era de que as
vítimas ou grupos de defesa fossem convidados para serem ouvidos pela comissão,
para que pudessem contribuir com o seu trabalho.
Ø A
outra esperança que tinha era que a comissão votasse por recomendar que
Francisco declarasse que os líderes da
Igreja ao redor do mundo fossem obrigados a denunciar suspeitas de abusos a
autoridades civis, a fim de “reduzir o sofrimento de crianças, para que não
tenham que esperar anos e anos para que os abusos sejam denunciados”.
17 DE FEVEREIRO DE
2018
ENCONTRO DO ARCEBISPO CHARLES SCICLUNA, DE MALTA
COM UMA DAS VÍTIMAS
DE FERNANDO KARADIMA NOS EUA
O
jornalista Juan Carlos Cruz, uma das vítimas de Fernando Karadima,
encontrou-se nos Estados Unidos, numa paróquia de Nova York, na Igreja do Santo
Nome de Jesus, com o arcebispo de Malta, enviado especial do Papa Francisco
para investigar as acusações de acobertamento que pesam contra o bispo de
Osorno.
Ele
acusa Barros de ter testemunhado as violências cometidas por Karadima e tê-las
acobertado. O encontro durou três horas, e Juan Carlos o descreveu
como longo e emocionalmente difícil, mas que sentiu que pela primeira vez
sentiu que as vítimas estarão sendo ouvidas. Cruz entregou a Dom Scicluna duas
cartas que escreveu em 2015, que não receberam resposta, ao núncio e ao Papa.
Cruz disse que:
“não só me perguntaram sobre
Barros, mas inclusive sobre os cardeais Errázuriz e Ezzati e sobre outros
bispos. Eu tenho a impressão que Barros é o foco central; no entanto, a
situação é bem maior que do que ele”.
De acordo com Cruz, em
Santiago, Scicluna poderia também ouvir outros três bispos acusados pelas
vítimas, Koljatic, Valenzuela e Arteaga, pertencentes à “fraternidade” de
Karadima, e que se tornaram bispos, como Barros, na época do Papa João Paulo II.
“Na Igreja chilena há uma máquina
especializada em encobrimentos”, declara Cruz.
20 DE FEVEREIRO DE
2018
DON SCICLUNA OUVE VÍTIMAS E TESTEMUNHAS EM
SANTIAGO. O ESCÂNDALO SE
AMPLIA
Na terça-feira, 20 de
fevereiro, Don Scicluna ouviu mais duas vítimas do padre pederastra Francisco
Karadima.
James
Hamilton, cirurgião gastroenterologista, falou durante uma coletiva
de imprensa durante dez minutos, durante os quais fez revelações e acusações
muito sérias.
A outra vítima, Juan Andrés Murillo, filósofo, o
primeiro a tornar públicas as acusações contra o Pe. Karadima, guia espiritual
da “Pia União do Sagrado Coração”, preferiu não falar com os jornalistas. Ele é
o presidente da “Fundação para a Confiança”.
James
Hamilton dirigiu críticas aos cardeais Ricardo Ezzati, atual arcebispo de
Santiago e Francisco Javier Errázuriz, membro do C9, Conselho dos Nove
Cardeais.
De acordo com Hamilton “são
eles os dois grandes manobristas que, desde o início, tentaram, com todos os
meios, esconder os maus feitos de Karadima”. Juan Carlos Cruz tem a mesma opinião em relação a esses cardeais.
Juan
Andrés Murillo questionado sobre sua opinião a respeito da atitude dos cardeais Ezzati e Errázuriz que
não deram curso canônico às denúncias que, há anos os fiéis abusados por
Karadima apresentaram respondeu: ”todo aquele que tem os antecedentes para
investigar casos de abuso e não o faz é cúmplice e criminoso”.
Ainda
falta o testemunho de Fernando Battle, uma quarta vítima dos abusos de Karadima
que,
depois de uma primeira fase de denúncias feitas junto com as outras três
testemunhas, tomou a decisão de continuar sua luta a partir de uma posição
isolada e não pública.
Battle nunca retirou suas
acusações contra Karadima, Barros e os cardeais Ezzati e Errázuriz, que nunca o
receberam, assim como nunca responderam a nenhum de seus e-mails.
James Hamilton, disse o
seguinte sobre o envio de Dom Scicluna por parte do Vaticano ao Chile aos
jornalistas:
“É
um sinal de desinformação, de não ouvir aqueles que ele deveria ouvir. É outro
elemento a mais de como Ezzati e
Errázuriz dizem o que querem. São
dois vis delinquentes capazes até de enganar o papa”.
“É
importante, porém, que a Igreja não seja mais no país o império que sempre foi.
A Igreja aqui não se preocupa com os
abusos, assim como o papa e alguns cardeais, até porque muitos deles estão
envolvidos nesses casos. Queremos que os crimes de pederastia não
prescrevam e que as nossas crianças sejam protegidas”.
21 DE FEVEREIRO DE
2018
PADRE JORDI BARTOLOMEU SE ENCONTRA COM UMA
DELEGAÇÃO DE LEIGOS DA
DIOCESE DE OSORNO
Dom
Scicluna foi submetido a uma cirurgia de emergência
devido a cálculos na vesícula, na manhã do dia 21 de fevereiro, na clínica UC
de San Carlos de Apoquindo. Ele ficou internado até o fim de semana de 24-25 de
fevereiro.
O padre Jordi Bartolomeu,
designado para substituir o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, recebeu a
delegação composta de três representantes da Organização Leigos e Leigas de
Osorno, na quarta-feira 21 de fevereiro.
Os membros do movimento,
Francisca Solis, Juan Carlos Claret e Mario Vargas, chegaram acompanhados de
três clérigos, e eles entregaram um documento de 1500 páginas com estatísticas
e testemunhos de pessoas que, voluntariamente, quiseram entregar suas
declarações diretamente ao representante papal sobre o investigado bispo de
Osorno, Jan Barros.
Após o encontro, o porta-voz
do movimento dos leigos de Osorno, Juan Carlos Claret, disse que vão “confiar lucidamente no processo” e
acrescentou que a chamada crise em Osorno não vai acabar com o fato de “tirar
Barros”, a quem ele assinala como a “ponta do iceberg” de um problema mais
grave.
27 de fevereiro de
2018
SCICLUNA RECEBE VÍTIMAS DOS ABUSOS DOS IRMÃOS
MARISTAS
O
último gesto de dom Scicluna no Chile antes de retornar ao Vaticano foi o de
ouvir diversas vítimas que, há anos acusam membros dos salesianos e dos irmãos
maristas de abusos sexuais.
Esse gesto teve uma
relevância notável porque é precisamente o contrário daquilo que foi feito
durante décadas por aquela parte da hierarquia católica que controla o
episcopado.
O enviado do Papa poderia
não ter recebido essas pessoas pela razão verdadeira de que recebera do Santo
Padre a tarefa específica e circunscrita de ouvir as pessoas envolvidas nas
acusações de acobertamento de abusos envolvendo Dom Juan Barros, bispo de
Osorno, e ao mesmo tempo, atualizar as informações sobre o caso já julgado com
sentença definitiva do sacerdote Fernando Karadima.
Durou quase três horas esse
encontro não previsto na agenda de Dom Scicluna com essas outras vítimas de
abuso por parte dos Irmãos Maristas.
Os Irmãos Maristas nomearam
o salesiano David Albornoz para investigar pelo menos 18 denúncias de ex-alunos
do Instituto Alonso de Ercilla e do Colégio Marcelino Champagnant, que acusam
10 religiosos maristas de abusos sexuais desde os anos 1970.
Isaac Givovich, porta-voz
desse grupo de vítimas disse:
“queremos a criação de uma comissão
especial vaticana que investigue e puna todas as ações cometidas por irmãos
religiosos maristas e que as sentenças não sejam determinadas pelos Irmãos
Maristas. Achamos que é injusto que eles sejam juiz e réu ao mesmo tempo”.
Jaime Concha, Gonzalo
Dezerega e Jorge Franco, três vítimas presentes a esse encontro disseram que:
“é um
dia histórico que põe fim ao cerco de ferro levantado para garantir a impunidade de alguns. Agora,
abrem-se caminhos de verdade e justiça, e não será possível continuar com as
mentiras e os acobertamentos. De algum modo, nós estamos dando uma mão ao papa
para acabar com uma Igreja que,
diante desses crimes, é cega, surda e muda”.
CONCLUSÃO
Para concluir vamos destacar
duas publicações importantes que relembram:
- a política oficial do Vaticano de silenciamento de crimes sexuais praticados pelo clero;
- as palavras do Papa Francisco em 27 de setembro de 2015, quando ele promete seguir o caminho da verdade nas investigações dos crimes de pedofilia praticados pelo clero.
Diz Maicon Tenfen, em
18/janeiro/2018, em seu artigo publicado em http://veja.abril.com.br/blog/o-leitor
“De fato, a Igreja não criou a pedofilia, mas certamente detém os
direitos autorais de algo que contribui para a proliferação da praga: o
acobertamento de padres pedófilos. Sabe-se há muito que o silenciamento de crimes sexuais praticados
pelo clero foi uma política oficial do Vaticano.
O Crimen Sollicitationis, escrito em latim em 1962, era um documento
então secreto que a Igreja enviou a todos os bispos do mundo.
Seu
propósito era informar as providências que deveriam ser tomadas em
relação aos padres comprovadamente pedófilos. Basicamente, essas providências
consistiam:
Ø silenciamento de
todos os envolvidos;
Ø excomunhão
para a vítima que quebrasse o silêncio;
Ø transferência do padre pedófilo para uma
paróquia distante.
Isso
significa que, ciente do problema desde os anos 1960, o Vaticano ignorou as
vítimas para proteger a sua reputação.
Parece que pouco mudou de lá
para cá. Mesmo a punição de Fernando Karadima foi tardia, embora valha o
reconhecimento de que pelo menos alguma coisa aconteceu.
Luis Badilha, em reportagem
publicada no Il Sismografo de 28-02-2018 relembra
as palavras do Papa Francisco em 27 de setembro de 2015,na Filadélfia, a um
grupo de vítimas:
“As palavras não conseguem expressar plenamente a minha dor pelo abuso
que vocês sofreram. Vocês são filhos preciosos de Deus e deveriam esperar
sempre a nossa proteção, o nosso cuidado e o nosso amor. Estou profundamente entristecido pelo fato de a inocência de vocês ter
sido violada por aqueles em quem vocês confiavam. Em alguns casos, a
confiança foi traída por membros da própria família de vocês; em outros casos,
por sacerdotes que têm a sagrada responsabilidade do cuidado das almas. Em todo
o caso, a traição foi uma terrível violação da dignidade humana. Para aqueles que sofreram o abuso por parte
de um membro do clero, estou
profundamente entristecido por todas as vezes que vocês ou suas famílias
denunciaram os abusos e não foram ouvidos ou acreditados. Peço-lhe que
acreditem que o Santo Padre escuta vocês e acredita em vocês. Lamento profundamente que alguns bispos
tenham falhado na sua responsabilidade de proteger as crianças. É muito
preocupante saber que, em alguns casos, foram os próprios bispos que cometeram
os abusos. Prometo-lhes que seguiremos o
caminho da verdade, onde quer que ele possa nos levar. Clero e bispos serão
chamados a prestar contas se abusaram de crianças ou não foram capazes de
protegê-las”.
Parece que
com o envio do arcebispo de Malta, Dom Sciluna, investigador de abusos
sexuais ao Chile, o Papa Francisco está procurando se redimir por ter nomeado
para a cidade de Osorno, um bispo acobertador dos crimes cometidos pelo padre
pedófilo Fernando Karadima.
A promessa feita em 2015, às vítimas na Filadélfia começa a ser
cumprida com essa ampla investigação cujo relatório deverá estar sendo entregue
em suas mãos.
Os fatos verificados por Dom Scicluna talvez exijam novas
investigações mas o caminho em busca da verdade já foi iniciado. O povo chileno
aguarda que a justiça seja feita.
Todos nós, independentemente de nossas crenças religiosas,
esperamos que os responsáveis por crimes de abuso sexual e os seus
acobertadores sejam todos punidos exemplarmente, e sem misericórdia.
Misericórdia que esses religiosos não tiveram com suas vítimas, indefesas
crianças e adolescentes que eles deviam proteger.
BIBLIOGRAFIA
BOLETINS INFORMATIVOS (NEWSLETTER) DO INSTITUTO
HUMANITAS UNISINOS
01- Mary Collins explica
decisão de sair da Comissão para a Tutela dos Menores – 02/03/2017
02- Por que a saída de uma
sobrevivente de abuso sexual de uma Comissão Papal pode ser uma benção –
02/03/2017
03- Francisco intensifica
tolerância zero à pedofilia com a indicação de dois membros da Comissão
Antiabusos para Dicastérios vaticanos – 06/04/2017
04- Viagem de Francisco ao
Chile: decepção e fiasco – 19/01/2018
05- Juan Carlos Cruz. “Dom
Scicluna chorou comigo quando lhe falei sobre os abusos que sofri” – 18/02/2018
06- Francisco renova
comissão sobre abuso sexual, mas não volta a nomear seis membros – 19/02/2018
07- Dom Scicluna, enviado do
Papa, chegou a Santiago do Chile – 20/02/2018
08- Enviado do Papa ao Chile
para avaliar os casos de abusos em menores. O escândalo se amplia.- 21/02/2018
09- O primeiro dia de Scicluna
no Chile. Na agenda, 20 audiências – 21/02/2018
10- Scicluna: “Venho para
recolher informações úteis sobre Dom Barros” – 21/02/2018
11- Chile. Dom Scicluna ouve
vítimas e testemunhas. Acusações contra cardeais Ezzati e Errázuris tornam-se
cada vez mais fortes – 22/02/2018
12- Chile. “Sentir-se ouvido
indica que este é um processo sério”, afirma vítima chilena após encontro com
enviado papal – 22/02/2018
13- Chile. Porta-voz do
episcopado tenta redimensionar a missão do enviado papal, Dom Scicluna –
22/02/2018
14- Chile. Leigos de Osorno
após reunião com o enviado vaticano: “Vamos confiar lucidamente no processo” –
22/02/2018
15- Chile. Caso
Karadima-Barros: Uma história de 35 anos, sem solução definitiva e completa,
envolvendo quatro cardeais – 24/02/2018
16- Chile. O encontro entre
os denunciantes dos abusos de Irmãos Maristas e Dom Scicluna – 28/02/2018
17- Chile. Scicluna recebe
vítimas dos Irmãos Maristas – 28/02/2018
18- Francisco: ”Clero e
bispos serão chamados a prestar contas”. Termina a
missão de Dom Scicluna – 01/03/2018
OUTRAS
FONTES
1.
Abusos sexuais e temas políticos na visita do
Papa o Chile e ao Peru – 15/01/2018
2.
Três razões que farão da viagem do Papa
Francisco ao Chile a mais difícil que ele já fez – 16/01/2018
3.
Papa pede perdão a vítimas de abusos sexuais
no Chile –16/01/2018
4.
Papa Francisco debochou das vítimas de padres
pedófilos –18/01/2018
5.
Papa sobre o bispo chileno acusado de
acobertar abusos sexuais: “É tudo calúnia. Está claro?” - 18/01/2018
6.
O polêmico pedido de desculpas do Papa
Francisco por ter ferido vítimas de abuso sexual – 22/01/2018
7.
Após defender bispo, Papa envia investigador
de abusos ao Chile - 30/01/2018
8.
Papa manda enviado ao Chile para investigar
pedofilia – 30/01/2018
9.
Vítima de abusos escreveu o Papa sobre bispo
chileno, diz ex-membro de Comissão Papal – 06/02/2018