sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

FRANCISCO, O SURPREENDENTE

FRANCISCO, O SURPREENDENTE
HOMEM  D0 ANO
PERSONALIDADE DO ANO DE 2013

Em 19 de dezembro de 2013 completaram-se nove meses do Papado de Francisco, que eu denominei no título dessa postagem como “o surpreendente”!

Hajam surpresas!

               
EM 10 DE JULHO DE 2013 é noticiado que o Papa Francisco foi eleito pela revista “VANITY FAIR” da Itália como o “HOMEM DO ANO” dedicando a ele a capa da sua edição.

A foto do Papa sorridente é acompanhada pelo título ”FRANCISCO PAPA CORAGEM” e cita sua denúncia sobre os imigrantes que tentam atravessar o mar Mediterrâneo, mesmo diante de todos os riscos. “Quem de vocês chorou pela morte desses irmãos ou irmãs?”

Segundo a Vanity Fair, durante a sua visita de 8 de julho,uma segunda-feira, a Lampedusa, o Papa quis ilustrar com palavras “pesadas como pedras” o que ele diz aos padres quando os aconselha a serem pastores.

“Os cem primeiros dias de seu pontificado já o colocaram entre os principais líderes mundiais”, considerou a revista, acrescentando que “a revolução continua”.



EM 11 DE DEZEMBRO DE 2013, a revista americana “TIME” elege o Papa Francisco como a “PERSONALIDADE DO ANO” de 2013.

Justificando a escolha a revista escreve que “o que torna esta Papa tão importante não é a rapidez com que cativou milhões que tinham desistido de ter esperança na Igreja. [...] Em escassos meses, Francisco elevou a missão de reconfortar da igreja – a missão de servir e confortar os que mais precisam – acima da doutrina política que fora tão importante para os seus antecessores. Com seu estilo modesto e próximo das pessoas, ele fez soprar ventos de mudança numa Igreja católica em crise”.

A Time disse que Francisco “tirou o papado do palácio para levá-lo às ruas” e se colocou no centro das discussões chaves da época”.

“Em nove meses, ele soube colocar-se no centro das discussões essenciais da nossa época: a riqueza e a pobreza, a equidade e a justiça, a transparência, a modernidade, a globalização, o papel da mulher, a natureza do casamento, as tentações do poder”, resumiu Nancy Gibgs. A revista americana destacou o papel do ex-arcebispo de Buenos Aires, Jorge Mario Bergoglio para comprometer uma Igreja que tem 1.2 bilhão de fiéis no mundo a “enfrentar as necessidades mais profundas e equilibrar seu julgamento com piedade”.

O porta-voz da Santa Sé, o padre Francisco Lombardi, afirmou que “o Papa não busca a fama e o sucesso porque está ao serviço do evangelho de Deus, de amor para todos. Se a escolha como personalidade do ano significa que as pessoas entenderam, ao menos implicitamente, esta mensagem, então o deixará definitivamente feliz”.

Também em DEZEMBRO DE 2013, Jorge Bergoglio é capa da prestigiosa revista estadunidense “THE NEW YORKER”, com uma ilustração particular.

                       
A edição de dezembro da mítica revista nova-iorquina inclui um extenso e muito elogioso artigo sobre Francisco, no qual qualifica seu primeiro ano à frente da Igreja católica como “radical”.

“O Papa Francisco parece ser um bom companheiro – uma pessoa boa – e um sincero defensor da boa vontade e da paz na Terra. Mas quem sou eu para julgar?”, disse Barry Blitt, o artista encarregado da ilustração, denominada “Snow Angel”. É dessa maneira que se chama, nos Estados Unidos, a figura que fica marcada na neve quando uma pessoa deita sobre ela e move seus braços até formar “asas de anjo”.

Quem sou eu para julgar?” é, de fato, o título do extenso perfil sobe Francisco escrito por James Carrol para a próxima edição. Com essas cinco palavras, pronunciadas no final de julho em resposta à pergunta de um jornalista sobre o estado os sacerdotes homossexuais na Igreja, o Papa Francisco afastou-se do tom de reprovação, da moralização explícita típica dos papas e dos bispos. Este gesto de abertura, que surpreendeu o mundo católico, demonstraria não ser um fato isolado”, escreve James Carrol, autor da nota.


 Voltando um pouco atrás, em 20 de junho, transcorridos os primeiros cem dias desde a sua eleição, não faltavam análises que tentavam traçar um primeiro perfil do pontificado de Francisco. 

 Um fato já sinalizava de forma evidente que havia algo de novo.


EM 22 DE JUNHO – AUSÊNCIA DE FRANCISCO NO CONCERTO DO VATICANO DEDICADO AO ANO DA FÉ

Em 22 de junho, realizou-se um grande concerto de música clássica  no Vaticano dedicado ao Ano da Fé. O concerto seria em honra do novo Papa. No entanto, a poltrona reservada a Francisco permaneceu vazia. Durante toda a tarde daquele sábado, Francisco não saiu de sua habitação em Santa Marta e disse aos seus colaboradores com simplicidade: “Não sou um príncipe do Renascimento que escuta música em lugar de trabalhar”. E continuou ocupando-se das tarefas que julgava urgentes e improrrogáveis.






 Francisco pôs em marcha uma revolução, que representava um enigma. Ele deixava claro que não ia mais para o apartamento do Palácio Apostólico, no Vaticano. Rejeitava-o abertamente. Assim como rejeitava os grilhões de agendas pré-estabelecidas. A decisão foi e continua sendo tão inédita e chocante! Os conservadores escandalizados tentaram minimizar a importância do gesto como apenas de “estilo pessoal” ou toque de originalidade. No entanto, é como se Obama deixasse a Casa Branca, ou a rainha da Inglaterra saísse do Palácio de Buckinghan!

Bergoglio desvaloriza radicalmente o Palácio, exalta o verdadeiro chefe da Igreja – Cristo - e se coloca abertamente entre os “pecadores” como são os fiéis aos quais ele se dirige.

A partir de sua eleição e posse, cada gesto e cada palavra de Francisco foram sopesados quase obsessivamente para responder a uma mesma pergunta: “Ele é um conservador ou um progressista?” Esse esquema dualista demonstra uma ruptura profunda que divide a Igreja interiormente há décadas provocando confrontos que desmentem a fraternidade cristã e paralisam a Igreja.

O Papa Francisco aos poucos vai realizando, com gesto e palavras, uma reconfiguração linguística dentro da Igreja que põe em relevo ênfases e prioridades novos.

Os símbolos contam muito. Dia após dia o papa que veio do fim do mundo desmontou a simbologia imperial e quase divina dos pontífices. Ele rejeitou o manto e os sapatos púrpuras dos imperadores romanos, eliminou as mitras triunfalistas, ficou na chuva com os fiéis, explicou que viver isolado como soberano não lhe é possível por “motivos psiquiátricos”, como se dissesse que é coisa de anormais se encerrar em uma torre de marfim.

O Palácio vazio, redimensionado como sede de trabalho, expressa uma reviravolta epocal. Francisco provoca inquietações dentro e fora da Cúria Romana. Despedaça o ícone ideológico da “sede apostólica” como centro de um poder de cunho divino. Impede que a burocracia vaticana se cubra de pretensões de infabilidade. Reforça o pedido aos bispos do mundo para que não adoeçam com a “psicologia de príncipes”.

Bento XVI, abdicando, humanizou o papel papal. Francisco tira suas consequências, apresenta-se somente como “bispo de Roma” e arquiva a sua aura onipotente de pontífice Máximo. É o primeiro papa que descarta a ideologia da onipotência.


MARCO POLITI, em 23-06-2013, no jornal Il Fatto Quotidiano lançava a pergunta:  “ Bergoglio conseguirá dar um salto à frente ? Transferir padres na diocese de Buenos Aires do centro para as favelas era bastante fácil. O exemplo pessoal já contava muito. Mas aqui se trata de colocar em trilhos novos o imenso corpo de uma igreja, dirigida por centenas de milhares de quadros, varrendo carreirismo, corrupção e obediências de conveniência.   

Reformar a Igreja Católica, habituar bispos a serem missionários sóbrios no estilo de vida e não potentados locais, reprogramar o pessoal Vaticano e o clero a um trabalho essencialmente pastoral e não de funcionários mais ou menos sistematizados, tirar da Cúria o papel milenar de centro burocrático e de poder incontestável, fazendo dela um instrumento de unidade em espírito de colaboração com os episcopados do mundo... É um objetivo gigantesco.

O JORNALISTA JESUÍTA PEDRO MIGUEL LAMET, em artigo publicado no seu blog “El alegre cansancio”, em 20-06-2013 diz que Francisco “dá seus primeiros passos para se levar à sério o quase desprezado Vaticano II, em sua concepção de colegialidade. O mais significativo deles é, sem dúvida, a eleição  do Conselho de Cardeais para o espinhoso tema da corrupção, e que parece que poderia se institucionalizar numa forma permanente de assessoramento papal ou em um governos colegiado.  

Em seu pensamento, o Papa Francisco está se manifestando como um grande comunicador, que coloca o acento no positivo ao invés da condenação sistemática dos males do mundo. Sem dúvida, tem açoitado a guerra, o desprezo à vida, o esvaziamento da sociedade de consumo, o egoísmo imperante, mas sem vacilar contra o atual império das finanças, o flagelo do desemprego e a exploração dos pobres, sua principal preocupação. 
  
Há alguns meses, seria incompreensível ouvir de um papa palavras como as dirigidas aos religiosos da América Latina: “É possível que recebam uma carta da Congregação da Fé, mas não se preocupem e continuem adiante, denunciando os abusos. Abram portas, façam algo onde a vida clama. Prefiro uma Igreja que erre por fazer algo, do que uma que adoeça por ficar fechada.”

O PRESIDENTE DA CONFERÊNCIA JESUÍTA, PADRE THOMAS H. SMOLICH, falou em 20-06-2013 sobre suas primeiras impressões sobre o Papa Francisco:

Francisco entende que grande parte de seu poder como papa é simbólico: ele lidera pelo exemplo, pela profundidade de sua paixão. Seu estilo de improviso pode provocar espasmos nas autoridades do Vaticano, mas ele lhe permite se conectar com as pessoas de todo o mundo. Na era do twitter, ele está provando ser hábil com frases incisivas: “Os pastores devem ter o cheiro de suas ovelhas” é a minha preferida, mas eu também gosto da sua afirmação de que perder o contato direto com os pobres leva ao “aburguesamento do coração”.

HENRI TINCQ, JORNALISTA ESPECIALIZADO EM ASSUNTOS DO VATICANO comenta por ocasião dos cem dias desde a eleição do papa que “uma minirrevolução está sacudindo a Igreja Católica – e o seu bilhão de fiéis.

O Papa Francisco se libertou do arrocho da Cúria Romana – o aparato de governo da Igreja – da qual Bento XVI era refém. Fez a escolha simbólica fundamental de não mais residir nos apartamentos privativos do palácio pontifício, que considera sinistros, separados do mundo exterior, demasiado próximos da Cúria, e de refugiar-se em Santa Marta – no interior da cidade do Vaticano onde residem os visitantes religiosos e cardeais durante o conclave. Assim a Cúria não pode aprisioná-lo, nem decidir para ele o programa dos seus encontros, nem filtrar as informações que lhe chegam. Jovial, espontâneo este papa latino- americano necessita de contatos humanos, enquanto seu predecessor governava de maneira solitária.

A montanha de gestos e palavras é surpreendente, mas já se pode entrever aonde vai este pontificado: para a defesa de um cristianismo social voltado à pureza das origens, autêntico nas suas convicções, empenhado pelos mais débeis e os excluídos (“Uma igreja de pobres para os pobres”).

VICTOR MANUEL FERNÁNDEZ, PRESIDENTE DA SOCIEDADE ARGENTINA DE TEOLOGIA  E DOUTOR EM TEOLOGIA, em artigo publicado na revista argentina Vida Pastoral faz algumas considerações à respeito de Francisco.

Destaco aquelas que justificam Francisco como o Papa Surpreendente.

                        

 Bergoglio é um homem do Concílio Vaticano II. Devemos dizer com toda a clareza que sempre defendeu uma igreja missionária e servidora, não centrada em si mesma, mas a serviço das pessoas. Mostra uma Igreja despojada e a caminho. Cansou-se de pedir aos sacerdotes que estivessem disponíveis para o povo, que se mantivessem abertos à escuta e ao diálogo, que não fossem juízes implacáveis, que fossem às periferias e que se ocupassem dos “descartáveis” da sociedade.

   A palavra “povo” é uma das que Bergoglio usa com brilho nos olhos.  Avalia o povo como sujeito coletivo, que deveria estar no centro das preocupações da Igreja e de qualquer poder. Não é pouca coisa dizer isto, quando em alguns setores da sociedade e da Igreja o povo é considerado apenas como uma massa cheia de defeitos que devem ser sanados pela ação educativa dos “sábios e prudentes”.

 Como bispo, Bergoglio sempre insistia em que os padres não apenas fossem misericordiosos, mas também soubessem se adaptar às pessoas, que não mantivessem nem uma moral nem práticas eclesiais rígidas, que não complicassem a vida das pessoas com normas baixadas autoritariamente de cima para baixo. “Nós existimos para dar ao povo o que o povo necessita” é uma convicção que expressou insistentemente.   

   Sua preferência pelos pobres não é de hoje. O pobre não é só objeto de um discurso, nem sequer de uma mera assistência, e tampouco exclusivamente de uma “promoção” que o liberte de seus males.  

   A opção pelos pobres é tudo isso, mas mais do que isso. Porque é cuidar, tratá-los como pessoas que pensam, tem seus próprios projetos, e inclusive o direito de expressar a fé ao seu modo. São sujeitos, ativos e criativos a partir de sua própria cultura, não apenas objetos de um discurso, um pensamento ou uma ação pastoral.

 Sua pobreza pessoal não é oportunista nem midiática. Todos sabem que sempre foi assim. Austero até o sacrifício. Quando se tem responsabilidades importantes, trata-se de usar os meios que lhe permitam otimizar o aproveitamento do tempo. 

  Bergoglio é coerente com sua sentida opção por uma vida pobre. Nunca se sentiu digno de ser servido, e são conhecidos seus gestos de serviço simples, evitando mostrar-se como superior. Parece difícil que ele possa suportar por muito tempo os modismos palacianos, alguns ritos e formalidades que ele detesta, porque não refletem a simplicidade do Evangelho de Jesus.



08-julho-2013
PRIMEIRA VIAGEM DO PAPA FRANCISCO - ILHA DE LAMPEDUSA –
A ILHA DOS SEM PARADEIRO

Lampedusa é uma ilha italiana que fica mais próxima da Tunísia do que da Sicília e uma vez que sua distância da costa do norte da África não ultrapassa em muito os 100 km, tornou-se rota de passagem para a Europa, principalmente de pessoas refugiadas.

Provenientes de áreas de conflito, com a vida em risco em seus países de origem, especialmente pelas guerras e pela fome, homens, mulheres e crianças acabam não tendo outra opção a não ser partir de suas terras. Assim, arriscam-se em embarcações precárias rumo a melhores condições de vida. São muitos os que padecem no mar. Fala-se em 20 mil mortos no mar e de aproximadamente 200 mil pessoas que já passaram pela ilha.

Esta é uma trágica situação que diz respeito a todos. Um tema que escancara plenamente a indiferença e a morosidade dos países em relação aos dramas humanitários vivenciados por estas pessoas, além de significar um esfacelamento total da solidariedade entre os povos.

Na maioria dos países, nega-se sistematicamente a garantia de direitos para os homens e mulheres que tiveram que abandonar suas terras. Laura Boldini, presidente da Câmara de Deputados italiana, tem a opinião de que “é um anacronismo perigoso o fato de uma lei sobre a cidadania italiana não reconheça que na Itália vivem quatro milhões de imigrantes aos quais os direitos civis são negados”.

O CONVITE QUE LEVA FRANCISCO À LAMPEDUSA

Ainda no mês de março, Francisco que também é “um filho da imigração”, recebeu uma carta de Stefano Nastasi, pároco em Lampedusa, convidando-o para conhecer a ilha. 

Com uma linguagem tocante Nastsi escreveu:

As lágrimas que marcam os rostos das pessoas resgatadas do mar falam de sol e de sal, de arrepios e de fome”. 

Em seguida, desferiu as palavras que não poderiam deixar de despertar o que no coração do Papa parece ser abundante, a compaixão: 

Eu gostaria de pensar que as lágrimas dos seus olhos, que fluíram no momento da sua eleição, poderiam se encontrar com as lágrimas de todo homem e de toda mulher que sofrem nos quatro cantos do mundo”.

Lampedusa que muitos preferiam ocultar, fazer de conta que não existe, tornou-se um ponto de partida para Francisco.

A visita do Papa não nasce de um acordo entre autoridades, mas, sim, da gritante situação dos refugiados da ilha que, em meados de junho, protagonizaram mais um naufrágio entre tantos na história desta rota de passagem. Neste sentido, trata-se de um gesto em favor dos imigrantes e refugiados. Como bem destacou o vaticanista Giacomo Galeazzi “o pontificado itinerante de Francisco começa onde a sua ‘igreja pobre para os pobres’ experimenta cotidianamente a fronteira do desconforto”.

Em mais um atitude surpreendente, o Papa dispensou a presença de autoridades políticas. Quis dar ao encontro com os pequeninos de Lampedusa um caráter discreto, particular. Não foi à ilha como um chefe de Estado, mas como um companheiro das vítimas da indiferença. Apenas a prefeita Giusi Nicolini, o pároco e o bispo de Agrigento, dom Francesco Montenegro, forma os que o acompanharam. É o caráter pastoral da breve visita do Pontífice a uma das mais dramática ‘periferias existenciais’, onde muitas vezes a humanidade é ofendida, que exclui o encontro com políticos e com as autoridades, mesmo as religiosas. Ele só quis humildes pescadores e gente de Lampedusa.

Esta viagem evidenciou que a força de Francisco está em sua opção pelos que nada possuem de força, nem econômica, nem política, nem de direitos básicos. São os recriminados da terra.

SÍMBOLOS QUE FALAM POR SI

Desde os primeiros gestos como Pontífice, Francisco não parou de recorrer ao simbólico. A viagem a Lampedusa – considerada “a ilha dos desesperados e dos últimos” ou “o inferno do Mediterrâneo” – é em si mesma simbólica.

 Perdida no meio do mar, sem representar nenhuma potência econômica ou política, considerada um cemitério de náufragos ou um refúgio de sobreviventes, essa ilha foi a razão da primeira viagem do papa Francisco. As poucas horas que a viagem durou foram marcadas por gestos simbólicos e palavras, com o potencial de prolongar e fazer ecoar essa viagem.

A chegada a ilha foi simples. Logo pegou uma embarcação e no meio da viagem pediu para parar. Tomou nas mãos uma coroa de crisântemos amarelos e, em profundo silêncio de oração, jogou-a ao mar – essas mesmas águas que já tragaram milhares e milhares de vidas humanas.

                          


                           

No campo esportivo, centenas de pessoas o aguardam para a missa. As primeiras fileiras são ocupadas não pelas autoridades, que caso queiram participar, precisam mistura-se aos fiéis, mas por migrantes, deficientes e crianças. O tom é penitencial, dado pelas vestimentas roxas e confirmado pelas palavras do Papa e por sua postura recolhida e de cabeça baixa.

A revolução que o Papa Francisco está fazendo na liturgia não se detém na assembléia. Ela sobe ao centro do espaço litúrgico. O altar e o ambão são feitos de madeira de restos de embarcações que naufragaram; o cálice, também de madeira, ostenta um enorme cravo, que lembra os crucificados de ontem e de hoje e em muitas circunstâncias; um timão enfeita a frente do altar.

O motivo está claro: tornar visíveis os sofrimentos de milhares de imigrantes que perdem suas vidas no mar em embarcações superlotadas ou mesmo escondidos em gaiolas, na esperança de aportarem em terras menos inóspitas e mais hospitaleiras. Que revolução quando comparado com a pompa, a extravagância e o rigor dos rituais, de pontificados anteriores!
                     

            


      O cálice de madeira usado durante a missa – com o grande prego atrás da base, memória da paixão de Cristo – é o símbolo visível da revolução do pontificado de Francisco.




   

        A Igreja, como ele a entende, da forma como ele a faz entrever em Lampedusa, e como espera remodelá-la, é assim. Sóbria, “pobre e para os pobres”, uma Igreja para todos e não apenas para o rebanho dos fiéis, estendida para os desventurados, muito concreta para mostrar ao mundo o que está errado e em apontar as responsabilidades dos maiores poderes político-financeiros que preferem se entrincheirar no anonimato.

     Lampedusa para Bergoglio, não é uma oportunidade para foto, nem o palco para um exercício de retórica compassiva.  

       Lampedusa é a figura programática de um pontificado nascido da urgente necessidade para o catolicismo de uma reviravolta não mais adiável depois do beco sem saída ao qual ele tinha sido levado pela velha configuração do Papa Ratzinger.

  A Igreja do terceiro milênio deve ser essencial, e dá “nojo” aquele clero que não se mostra coerente com a sua missão. Dá nojo, expressão tão forte, dirigida por Francisco aos seminaristas reunidos no Vaticano, antes de partir para Lampedusa.

  A Igreja do terceiro milênio, tornando ainda mais incisiva a sua doutrina social, desenvolvida ao longo dos últimos 100 anos, conforme palavras da prefeita de Lampedusa,  torna “visíveis os invisíveis”. Essa Igreja recorda os mortos que tantos se apressam em arquivar. Ela chama todas as pessoas à corresponsabilidade, marcando a “globalização da indiferença” e ao mesmo tempo exigindo para que se aja para “mudar concretamente certas atitudes”.

A Igreja pela qual o Papa Francisco se consome, a partir da fé, pede contas aos crentes e a todas as pessoas sobre como exercem a sua responsabilidade: o que fazem concretamente contra as “novas escravidões”, contra as múltiplas formas de “exploração”, contra os traficantes de carne humana, contra aqueles para quem a “pobreza dos outros” é fonte de ganho.”

E para ser claro, Francisco também pede contas “daqueles que com as suas decisões em nível mundial criaram situações que levam a esses dramas”, até a morte de milhões em várias partes do planeta. Palavras claras, que despedaçam muitos silêncios hipócritos.


NA HOMILIA, PALAVRAS QUE TOCAM O CORAÇÃO E À CONSCIÊNCIA

A primeira viagem de Francisco tinha como objetivo sacudir a consciência de todos perante um gravíssimo problema do século XXI: a indiferença pelo holocausto do mar”.

Uma ocasião como essa merecia não apenas gestos à altura, mas também palavras que tocassem o coração e a consciência.

A missa celebrada na ilha foi de perdão, mas também foi uma celebração de funeral de cerca de 25.000 vítimas das chamadas “viagens da esperança”.


Francisco pergunta:

Quem chorou pela morte desses irmãos e irmãs?”
“Quem chorou por essas pessoas que vinham nos barcos? Pelas mães jovens que traziam os seus filhos? Por esses homens cujo desejo era conseguir qualquer coisa para sustentar as próprias famílias?”

Francisco foi a Ilha de Lampedusa justamente com a intenção de “chorar os mortos”, de chorar por aqueles que ninguém chora.

As palavras iniciais da homilia do Papa expressam a preocupação central que o incomodava e que estava por trás desta viagem.

“Li as manchetes dos jornais noticiando naufrágios de barcos lotados de migrantes fugitivos. E então senti o dever de vir aqui hoje para rezar, para cumprir um gesto de solidariedade, mas também para despertar as nossas consciências a fim de que não se repita mais o que aconteceu. Que não se repita, por favor.” – disse o Papa Francisco.

Ele apela para um dos frutos nefastos da globalização para encontrar as razões desta situação.

Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de ‘padecer com’: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar”

“Habituamo-nos  ao sofrimento do outro, não nos diz respeito, não nos interessa, não é responsabilidade nossa! E isso porque a globalização da indiferença torna-nos a todos ‘inominados’, responsáveis sem nome nem rosto”.

Esta globalização da indiferença nos torna insensíveis em todos os sentidos: aos clamores da terra e dos pobres.

Muitos de nós – e neste número me incluo também eu – estamos desorientados, já não estamos atentos ao mundo em que vivemos, não cuidamos nem guardamos aquilo que Deus criou para todos, e já não somos capazes sequer de nos guardar uns aos outros. E, quando esta desorientação atinge as dimensões do mundo, chega-se a tragédias como aquela que assistimos”, denuncia Francisco.

Quem é o responsável pelo sangue destes irmãos e irmãs? Ninguém! Todos nós respondemos assim: não sou eu, não tenho nada a ver com isso; serão outros, certamente não eu. Mas Deus pergunta a cada um de nós: ‘Onde está o sangue do teu irmão que clama até mim?’, reflete o Papa, para em seguida acrescentar:” Hoje ninguém no mundo se sente responsável por isto; perdemos o sentido de responsabilidade fraterna”.

O Papa Francisco pede perdão à Deus por esse pecado social e estrutural, pela indiferença, por quem se acomodou e se fechou no seu próprio bem-estar que leva a anestesia do coração. Pede perdão por aqueles que com poder de decisão a nível mundial, criaram situações que conduzem a estes dramas.


 Ele conclui sua homilia com um pedido de mudança de atitude, uma metanóia. Um pedido de compromisso de solidariedade e de compaixão da nossa geração


04 DE OUTUBRO DE 2013

IDA DO FRANCISCO PAPA AO ENCONTRO DO FRANCISCO MENDICANTE

A PEREGRINAÇÃO A ASSIS



Um papa de nome Francisco leva a Assis em 2013, com o seu nome, seu estilo, o reconhecimento de que a pobreza se opõe e cura a idolatria do poder, cura e esmigalha a persuasiva sedução dos meios de poder.

Em 4 de outubro, Francisco viajou para Assis, no centro da Itália, para uma visita aos lugares por onde Francisco passou, que foi uma imersão total nos lugares da espiritualidade franciscana.

Durante as dez horas que permaneceu na cidade do santo que inspirou o nome de seu pontificado visitou o santuário do padroeiro da Itália. O Papa Francisco foi o primeiro sucessor de Pedro que entrou e rezou na “sala da expoliação”, o quarto em que São Francisco se despojou de todos os seus bens, assim como de todas as tentações mundanas, como sinal de pobreza evangélica.


FRANCISCO COME COM OS POBRES E NÃO COM AS AUTORIDADES

                 
      Ao final da missa, houveram dois almoços: um no Sacro Convento de Assis, onde estiveram presentes as autoridades, entre elas o primeiro ministro italiano, Enrico Letta, e outro no Cáritas de Santa Maria dos Anjos, um centro de acolhida de pobres da diocese.

Francisco preferiu comer com os pobres no refeitório do Cáritas ao invés de comer com as autoridades no Sacro Convento de Assis.

Na escolha da mesa Bergoglio demonstra do lado de quem está. Com os pobres, os últimos, com os que não possuem nada. Porque Cristo está ali e em mais nenhum outro lugar. “Ou se está com os pobres ou com o dinheiro”, disse, pouco antes, durante a Missa na Praça São Francisco. “Ou comigo ou contra mim”.


        

A refeição no refeitório da Cáritas foi um encontro marcado pela espontaneidade, começando pelo abraço, na entrada, entre o Pontífice e um menino marroquino de sete anos, filho de um dos hóspedes do centro de acolhida. O menino deu a mão para o Papa e o acompanhou até o refeitório, no qual estavam 55 hóspedes dos diferentes centros de acolhida da diocese.  Em seguida, sentaram-se juntos para comer, no canto maior da enorme mesa, na qual Francisco se sentou para poder ver melhor a todos os convidados.

          

Após a refeição, Francisco se dirigiu à Catedral de São Rufino, para se encontrar com o clero. E voltou a insistir em aspectos indispensáveis: “Como são necessários os conselhos pastorais! Um bispo não pode conduzir uma diocese sem o conselho pastoral, um pároco não pode consuzir uma paróquia sem o conselho pastoral.Isto é fundamental!”

Não tenham medo de sair e ir ao encontro dos marginalizados” –destacou – “ não se deixem frear por preconceitos, por costumes, rigidezes mentais ou pastorais, pelo ‘sempre se fez assim’. Porque a Igreja tem uma missão: “Anunciar até nas periferias”, mas, quais? Não só as regiões das dioceses que podem ficar à margem, mas também as pessoas, realidades humanas marginalizadas nos fatos, desprezadas, espiritualmente distantes.

          
AS CRÍTICAS À FRANCISCO

QUEM QUER O ESCALPO DE FRANCISCO?


As resistências e as críticas aos gestos, palavras e atitudes do Papa Francisco surgiram com o início de seu pontificado. Elas são internas e externas à Igreja, internas e externas à Cúria romana. Alguns analistas já se perguntam se Francisco terá forças e os apoios necessários para avançar em suas reformas, algumas necessárias e urgentes.

Há uma corrente subterrânea de ataques que brota, se esconde e depois se reapresenta para sabotar os esforços de reforma de Bergoglio, para retratá-lo como ingênuo desinformado, para ridicularizá-lo fingindo defendê-lo, em última análise, para deslegitimá-lo.


Os setores mais conservadores dentro da Igreja católica torcem o nariz diante da missa, simples e despojada, celebrada por Francisco na ilha de  Lampedusa. 

   Na própria Cúria há críticas veladas ao seu jeito de exercer o pontificado. Na opinião destes críticos, Francisco tem que se convencer que é o Papa da Igreja universal – ele desde o primeiro minuto se autodenomina “Bispo de Roma”. Idéia que ele reforça pelo fato de ter se recusado a morar no palácio pontifício e preferir a Casa Santa marta, mais simples e resguardada dos corredores vaticanos. Além disso, pesa sobre ele a pecha de que é fraco teologicamente, porque gosta de improvisar em suas homilias, por exemplo.

Por mais de três décadas, o Vaticano dos papas João Paulo II e Bento XVI operou seguindo uma máxima conservadora: “Sem inimigos para a direita”. Enquanto os teólogos de esquerda eram silenciados e os bispos liberais a moderados eram postos de lado, os tradicionalistas litúrgicos e os conservadores culturais eram diligentemente cortejados e recebiam acesso direto ao palácio apostólico.

Mas em poucos meses, o Papa Francisco inverteu essa dinâmica, perturbando muitos da direita católica ao se recusar a manter os favoritismos e ignorando os itens preferidos da sua agenda, enquanto ele ressaltava o tipo de questões de justiça social que são próximas e caras dos progressistas.

Os tradicionalistas que se dedicam a rituais da alta Igreja têm ficado especialmente irritados com o estilo simples – eles diriam simplista – de Francisco. Desde a eleição de Francisco, a ansiedade da direita só tem aumentado, enquanto ele continua modelando um pontificado radicalmente diferente, que prega sobre os males da economia globalizada, enquanto lembra repetidamente os seus seguidores a cuidar dos pobres e dos marginalizados.

MARCO POLITI, NO JORNAL IL FATTO QUOTIDIANO, 10-07-2113 diz que após o abalo provocado pela viagem a Lampedusa, o tiro ao alvo recomeçou.

A visita do Papa em Lampedusa foi motivo de duras críticas por parte de políticos italianos.

FABRIZIO CICCHITTO, PRESIDENTE DA COMISSÃO DE ASSUNTOS EXTERNOS DA CÂMARA ITALIANA, reconheceu que o papa “desenvolveu uma reflexão de alto nível”, mas diz, “uma coisa é a pregação religiosa, outra é a gestão por parte do Estado de um fenômeno tão difícil. Deve haver uma razoável, não extremista, mas séria e real autonomia do Estado e da Igreja”.

O VICE-PRESIDENTE DO SENADO ITALIANO, ROBERTO CALDERONI, por sua vez, disse: ”No estado do Vaticano, há o rechaço dos criminosos e ilegais por meio da força pública, além da prisão. A pregação do Santo Padre, foi bonita e tocante, mas as leis são outra questão, como demonstram as que estão em vigor no Vaticano”.

Ou seja, rezar não é governar.

GIORDANO BRUNO GUERRI, NO IL GIORNALE, evoca o risco de que Francisco seja transformado em “fã dos clandestinos”.

O VATICANISTA MARCO POLITI disse: “O Papa Francisco irrita os conservadores obtusos, os prelados briguentos, os cínicos amantes do poder, por causa da limpeza que ele quer introduzir nos assuntos do Vaticano, por causa da coerência que ele espera do clero, por causa das críticas aos bispos-príncipes, por causa da intenção de abolir a monarquia absoluta católica, fazendo com que os bispos participem no governo da Igreja.”

GIORDANO FERRARA denunciou-o por “ternura demais”.

MARCELO VENEZIANI o comparou a uma possível “caricatura”.

MARCO BERTONCINI, NO JORNAL ITALIA OGGI, o acusou de distorcer o Evangelho, que condenaria apenas a “riqueza injusta”.

      O SOCIÓLOGO GIANFRANCO MORRA o fustigou porque ele não foi ao famoso concerto, definindo toda a sua comunicação com os fiéis como marcada por “arquétipos populistas”.

É a acusação à qual aderem tantos sites, que o imputam de “populismo, pauperismo, demagogia”... Sem falar das críticas por ter transgredido os textos litúrgicos, lavando os pés na Quinta-Feira Santa na prisão Casal di Marmo de mulheres e até de muçulmanos.

Há outra série de objeções (mais sutis) ao pontificado de Francisco: a dissociação entre o discurso e a ação, entre a teologia e a prática.

O HISTORIADOR EDUARDO HOORNAERT disse: “Até agora, Francisco não fez nenhuma ação decisiva em uma certa direção, como fez João XXIII, que convocou os cardeais em apenas dois meses. Vamos descobrir ainda se Francisco não tomou atitudes por prudência ou falta de coragem. Ainda não consigo dizer qual é o norte que guia Francisco.”

A JORNALISTA BÁRBARA SPINELLI, em relação à Lampedusa disse: “É como se o Papa dissesse: ”Eu não escrevo encíclicas, por enquanto. Ou, melhor, proponho uma totalmente nova: fazendo-me testemunha e pastor que não teoriza, mas age. Eu vou aonde as lágrimas são substância do mundo.”


Estamos aqui relembrando críticas que ocorreram por volta do mês de julho. Certamente de lá para cá, Francisco continua deixando em polvorosa os tradicionalistas, os conservadores que a esta altura já perceberam que Francisco sabe o que quer e o como chegar lá. Ele estuda cada passo a ser dado na mudança que deseja implementar, e dá cada um deles com muita prudência e sabedoria.


A POPULARIDADE DO PAPA FRANCISCO

A popularidade do Papa Francisco talvez se explique pelo fato de que o mundo, hoje, precisa menos de mestres do que testemunhas.

Um elemento chave da popularidade de Francisco é sua credibilidade pessoal. Bergoglio é coerente com o evangelho e com a sua própria história pessoal. Como arcebispo de Buenos Aires vivia em um modesto apartamento de dois cômodos. Ele mesmo fazia sua comida. Andava de ônibus e metrô. Fugia dos encontros mundanos. Nunca quis fazer carreira. Por isto, cada vez que invoca a pobreza para a Igreja e ataca fortemente o desejo das ambições de poder e a sede de riquezas presentes no âmbito eclesiástico, nenhuma voz se levanta para criticá-lo. Quem poderia criticar Francisco por pregar uma coisa e fazer o contrário? Nos lábios do atual papa, a Igreja pobre constitui um paradigma infalível, em torno do qual consegue um consenso praticamente universal.




O Papa Francisco fala, tuita, telefona. Boa parte de seu sucesso depende dessa relação especial com as pessoas. Os seus gestos e suas palavras se tornaram um aspecto central do pontificado. Bergoglio transformou o modo de exercer o papado. Ele deu credibilidade a uma instituição, a Igreja, que corria o risco de ser esmigalhada depois dos escândalos.

Ele fala e em todas as partes coloca o centro no Evangelho. Os crentes cercaram a mensagem de Jesus de um afastamento da vida real. Bergoglio é digno de admiração porque reaproxima essa mensagem da realidade vivida e sentida pelas pessoas e por isso é considerado singular.

Ele não é ingênuo. Já se entendeu que ele tem o seu próprio ritmo em dizer e em calar, quando dizer e quando calar. Traça um caminho, não há dúvida. Comunicação pura e empatia total com as pessoas. Por isso, (quase) todos lhe querem bem.

Suas invectivas, por exemplo, contra a “tirania invisível” dos centros financeiros internacionais não atacam um objetivo específico e reconhecível e, portanto, nenhum dos verdadeiros ou supostos “poderes fortes” se sente efetivamente atacado ou provocado a reagir.

O modo de falar do papa Francisco é provavelmente um de seus traços mais originais. É simples, compreensível, comunicativo. Tem a aparência da improvisação, mas na realidade é cuidadosamente estudado, tanto na invenção de fórmulas - “pastor com cheiro de ovelhas, globalização da indiferença” – como nos fundamentos da fé cristã que ele mais gosta de repetir e que ele condensa em um consolador “tudo é graça”, a graça de Deus que sem cessar perdoa, embora todos       continuemos sendo pecadores.




Mas além das coisas ditas há as que foram deliberadamente caladas. Não é casualidade que não tenham saído dos lábios de Francisco as palavras aborto, eutanásia e casamento homossexual. O Papa conseguiu se esquivar delas, parece que decidiu silenciar sobre estes temas que estão presentes na esfera política de todo Ocidente, inclusive na América Latina, convencido de que estas intervenções não são da competência do Papa, mas dos bispos de cada país. Aos italianos disse isso com palavras inequívocas: ”O diálogo com as instituições políticas é coisa de vocês”. Seu silêncio é outro dos fatores que explicam a benevolência da opinião pública laica a respeito dele.

Esse seu modo de agir deixa a todos inquietos. A melhor análise do estilo Bergoglio é de ALBERTO MELLONI: “Energia calma e incoercível”.


Para encerrar algumas considerações sobre Francisco, feitas por Sérgio Ricardo Coutinho, mestre e doutorando em História Social e professor de “História da Igreja” no Instituto São Boaventura entre outros tantos títulos, no artigo “Igreja e sociedade: o projeto de Francisco”, publicado na newsletter de 25 de junho de 2013.




“Francisco esclareceu seu projeto da seguinte forma:

“uma Igreja que dê testemunho do Reino de Deus”.

A Igreja, para ele, não é um movimento político, uma estrutura bem organizada, nem uma ONG; ela é chamada fundamentalmente a viver o Evangelho e dar testemunho dele como “sal da terra e luz do mundo”: é chamada a tornar presente na sociedade o fermento do Reino de Deus; e a faz, antes de tudo, por meio do seu testemunho: o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da partilha”.

 Francisco chamou a atenção para o fato de estarmos atravessando uma crise, não só cultural e econômica, mas de uma profunda “crise do homem”, uma crise antropológica. Por isso, para a Igreja enfrentar esta crise antropológica, deve sair de si mesma. Ele insiste: “Neste tempo de crise, não podemos preocupar-nos só com nós mesmos, fecharmo-nos na solidão, no desânimo, numa sensação de impotência face aos problemas. Não se fechem, por favor!”

 Nesta saída para o mundo, Francisco não demonstra qualquer intencionalidade de reconstruir a cristandade, onde a Igreja dita regras e valores do viver social.

 Seu projeto vai noutra linha: ir ao encontro do outro, mesmo que diferente de nós. “Porque a fé é um encontro com Jesus, e nós devemos fazer o mesmo que Jesus: encontrar os outros

      Vivemos numa cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual o que não me serve jogo fora, a cultura do descartável. 

    Nós, pelo contrário, devemos ir ao encontro e devemos criar, com a nossa fé, uma ‘cultura do encontro’, uma cultura da amizade, uma cultura onde encontramos irmãos, onde podemos conversar mesmo com aqueles que pensam diversamente de nós, mesmo com quantos possuem outra crença, que não tem a mesma fé. Todos têm ali em comum conosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos, sem negociar a nossa filiação eclesial”



Em nossa próxima postagem vamos abordar a situação do Catolicismo no Brasil e a visita do Papa Francisco ao Rio de Janeiro por ocasião da Jornada Mundial da Juventude.

O presente material é fruto de uma pesquisa nas notícias diárias publicadas pelo Newsletter do IHU - Instituto Humanitas Unisinos.

Agradeço à todos que neste ano prestigiaram “Teologia e Espiritualidade” com suas visitas. Espero que estejam aproveitando os materiais por mim disponibilizados, fruto de muitas pesquisas e leituras onde buscamos aquelas informações que julgamos as mais importantes dentro dos temas enfocados.

Em 2014 continuaremos com essa agradável tarefa, auto-atribuída, de divulgar materiais ligados à religião, em especial à cristã, de cunho católico, na qual fui educada e que determinou o rumo dos meus estudos acadêmicos, sempre buscando os melhores autores, as melhores fontes, de maneira a fornecer conhecimentos atualizados e objetivos.

A todos vocês, companheiros de viagem , os meus desejos sinceros...