terça-feira, 13 de novembro de 2012

MARIA MADALENA, A MULHER QUE AMOU JESUS

Maria Madalena está ligada ao que se chama de o rosto feminino de Deus. Para Salma Ferraz, “passaram-se quase dois milênios para que a Igreja Católica começasse a repensar o papel desta mulher”

 

Por: Moisés Sbardelotto




Maria Madalena, a “mulher que amou Jesus” está ligada ao que se chama de o rosto feminino de Deus. Para Salma Ferraz, pós-doutora em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, Madalena vai além das “mulheres complexas e de uma biografia sensacional” do Primeiro Testamento, já que estas “não contaram na História do Cristianismo” tanto quanto essa mulher de Mágdala. Entretanto, “passaram-se quase dois milênios para que a Igreja Católica começasse a repensar o papel desta mulher”, lamenta.

Nesta entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, Salma analisa a relação entre a mística de Madalena e os relatos literários sobre essa mulher que “deixou seduzir-se pelo olhar de um Galileu que mudou a história do Ocidente”. Mas esclarece: “não há aqui nenhuma inferência sexual”. Em síntese, a mística media o “abismo entre fé e razão”. E a literatura reproduz “a experiência dessa mediação”.

Salma também questiona por que “nunca interessou à Igreja nascente uma figura de mulher importante dentro de sua hierarquia”. “Veja o absurdo”, afirma: “O homem já chegou à lua, e a Igreja Católica e muitas igrejas protestantes ainda negam o sacerdócio às mulheres”.

Quem é Salma Ferraz?
Salma Ferraz graduou-se em Letras pelas Faculdades Integradas Hebraico Brasileira Renascença de São Paulo, e especializou-se em Literatura Brasileira e Literatura Infantil, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É mestre e doutora em Letras pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e pós-doutora pela Universidade Federal de Minas Gerais. Atualmente é professora titular da Universidade Federal de Santa Catarina e atua no Programa de Pós-Graduação de Literatura com a linha de Pesquisa Teopoética, estudos comparados entre Teologia e Literatura. Com Waldecy Tenório e Teresa Arrigoni, é coautora do livro Maria Madalena: Das páginas da Bíblia para a ficção (EDUEM, 2011). Dentre suas obras, também destacamos Pólen do Divino (FURB, 2011); No princípio era Deus e ele se fez Poesia (UFAC, 2008); e As faces de Deus na obra de um ateu (UFJF, 2004).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – “Prostituta”, “discípula amada”, “apóstola dos apóstolos”, “esposa de Jesus”, “esposa de João, o discípulo amado”: afinal, quem foi, em sua opinião, a Maria Madalena histórica?
Salma Ferraz – Poderíamos falar que Madalena foi tudo isso e muito mais. Alcunhada de prostituta por conta de erro célebre em um sermão que misturou os rostos das mulheres bíblicas numa só: o erro de exegese ocorreu no sermão proferido na Páscoa do ano 591 pelo Papa Gregório, O Grande , que, além de adjetivar a pecadora de Lucas 7 como prostituta, confundiu-a com Madalena, cuja libertação e conversão estão narradas na sequência, no capítulo 8 de Lucas. Na realidade, o Papa Gregório anunciou que Maria Madalena, a mulher pecadora, e Maria de Betânia eram uma só. Nasceu desse erro a ideia de que Madalena fosse uma prostituta.
Discípula amada ela realmente foi, afinal seguia Jesus com seus bens e com seu coração e estava na cruz no momento final. Apóstola dos apóstolos cabe perfeitamente à Madalena, já que foi a primeira a proclamar que Jesus havia ressuscitado.

Com relação à Madalena histórica podemos nos basear numa plataforma mínima: os Evangelhos canônicos e o Evangelho de Maria Madalena, texto tardio em forma de fragmentos do século III. Os narradores dos evangelhos sinóticos relatam episódios da vida de Madalena, atestam sua existência, mesmo com certa má vontade, pois sempre frisaram o fato de terem sido expulsos demônios dela. Pelas marcas deixadas nesses textos, podemos afirmar que Madalena existiu.

IHU On-Line – Por que podemos falar de Maria Madalena como uma “mística”, tendo tão poucos elementos bíblicos (ao menos nos evangelhos canônicos) sobre essa mulher de Magdala? Em que consistiria a “mística” de Maria Madalena?
Salma Ferraz – Talvez esta mística esteja ligada ao que se chama de o rosto feminino de Deus. As mulheres que o Cristianismo retirou da Bíblia são meio problemáticas. Lógico que no Velho Testamento temos mulheres complexas e de uma biografia sensacional, mas estas não contaram na história do cristianismo. O que contou e que entrou para a história cristã foram figuras como Eva, a pecadora, e Maria, mãe de Jesus, que concebeu sem ter amado. É do Evangelho de Maria Madalena, encontrado em 1896 e só publicado em 1955, que aparece a noção de uma discípula que teria recebido ensinamentos secretos de Jesus, só a ela caberia revelar aquilo que os discípulos não entendiam. Juntam-se a isso lendas que dão conta de que, após a morte de Jesus, Madalena teria se retirado e vivido em contemplação.

IHU On-Line – Em linhas gerais, como Maria Madalena foi retratada na literatura mundial? Como se deu esse trânsito da Bíblia para a literatura?
Salma Ferraz – As funções de discípula e apóstola, funções primordiais de Madalena, foram ofuscadas pela fusão e confusão em torno de sua tríplice face, criando-se uma espécie de contínuo poético: a suposta pecadora que ungiu os pés de Jesus foi identificada com a mulher quase apedrejada por adultério, com a mesma que esteve aos pés da cruz e que preparou unguentos para a unção do corpo de Jesus no sepulcro. Tudo isso passou a fazer parte do que denominamos tradição madalênica, confirmada pela pintura e pelos filmes da vida de Cristo. Bernardino de Sena , em um sermão latino escrito e pregado na Idade Média, aponta os topos madalênicos da designada Magna peccatrix: busca de prazer, beijos/luxúria, penteado/vaidade, olhar lascivo, caminhar suspeito, tentação, beleza do corpo, abundância de bens/riqueza e muita liberdade. As pinturas da Idade Média e do Renascimento mantêm a tradição madalênica ao retratá-la com longos cabelos, na maioria das vezes, loiros ou ruivos, vaso de perfume e manto vermelho. Na Idade Média, Madalena torna-se, a partir desses topos, padroeira dos perfumistas, dos cabeleireiros, dos fabricadores de luvas e leques e das meretrizes arrependidas. Ou seja, Madalena apresenta-se como um personagem monumental para a pintura, a ficção e a música. Marguerite Yourcenar , com seu livro Maria Madalena ou a Salvação, publicado em Paris, em 1936, e no livro intitulado Fogos, e Saramago no seu Evangelho Segundo Jesus Cristo souberam explorar de forma especial todas as possibilidades dessa personagem.

IHU On-Line – Na obra de José Saramago, autor de seu interesse de pesquisa, como é narrada a figura de Maria Madalena? Em que a literatura de Saramago aprofunda ou se desvia dos Evangelhos, ao falar de Madalena?
Salma Ferraz – Em Saramago, Madalena é a verdadeira discípula de Jesus, intervém no Sagrado ao não permitir que Jesus ressuscite Lázaro, afinal “ninguém na vida teve tantos pecados que mereça morrer duas vezes”. Jesus, diante deste laivo de sabedoria, não realiza o milagre e sai para chorar. E Madalena, mesmo amando Jesus, não o deixa desistir da cruz. Afirma para Jesus que “terias de ser mulher para saberes o que significa viver com o desprezo de Deus...”, ou seja, reivindica um papel para a mulher e reconhece que o Deus do Velho Testamento é misógino. Saramago junta detalhes dos sinóticos com detalhes do Evangelho de Madalena e recria com sua imaginação fértil outra Madalena. Retrata a discípula amada, contrariamente aos Evangelhos, realmente como meretriz, para mostrar como ela se redime justamente pelo sexo, pois quando passa a se relacionar com Jesus, seu corpo se fecha para outros. Para Saramago, o sexo é um pecado como qualquer outro, ao contrário da Igreja Católica e do protestantismo em geral, que acentuam uma carga extra sobre esse pecado.

IHU On-Line – Ao falar sobre a vida de Maria Madalena, a senhora fala de uma “antiodisseia da discípula amada”. Em que sentido?
Salma Ferraz – No sentido de que se passaram quase dois milênios para que a Igreja Católica começasse a repensar o papel desta mulher. A marca da prostituta foi amalgamada nesses 20 séculos de tradição cristã. Somente no Concílio Vaticano II (1969) a Igreja Romana reafirmou não existir relação entre Madalena e a mulher quase apedrejada por adultério. Talvez, tudo isso tenha acontecido porque nunca interessou à Igreja nascente uma figura de mulher importante dentro de sua hierarquia. Veja o absurdo: o homem já chegou à lua, e a Igreja Católica e muitas igrejas protestantes ainda negam o sacerdócio às mulheres. Nesse sentido é que falo de uma antiodisseia, uma má vontade em realmente resgatar seu papel fundamental, como atestam os Evangelhos.

IHU On-Line – Um dos momentos mais marcantes da experiência mística de Maria Madalena foi ter sido a primeira pessoa – e mulher – a ver Jesus ressuscitado? Qual o significado desse relato, segundo a seu ver?
Salma Ferraz – Isso não é pouca coisa. Madalena e as outras mulheres estavam junto à cruz enquanto os discípulos amedrontados estavam escondidos. Elas foram ungir o corpo de Jesus, e foi para Madalena que ele apareceu. Jesus consolou Madalena: “Mulher, por que choras?”. Madalena reconhece, sem titubear, a voz de Jesus e o chama de Raboni, “mestre” em hebraico. Diante de tal manifestação de carinho e reverência, é estranho o silêncio dos evangelistas ao narrarem o episódio da cruz, em que Jesus nada fala a Madalena. Ou talvez o silêncio ali falasse mais do que todas as palavras.

IHU On-Line – Entre as definições utilizadas pela senhora para abordar Maria Madalena estão “a mulher que tentou seduzir Deus” e “a mulher que amou o amor”. Qual o significado dessas imagens?
Salma Ferraz – A primeira citação diz respeito ao conto de Marguerite Yourcenar – Maria Madalena ou a Salvação –, na qual Madalena tenta seduzir Jesus, para que não morra, para que não corra em direção ao túmulo. Portanto, é a minha fala em cima do conto da escritora belga-francesa. A segunda expressão refere-se ao conto do magnífico escritor e monge beneditino Júlio de Queiroz , intitulado Amor ao Amor. Nesse conto, Madalena ama, no sentido de deixar tudo e seguir o mestre apenas com o chamado do olhar. Para mim e para Júlio de Queiroz, Maria Madalena foi aquela que amou Jesus, amou o olhar do Mestre, deixou seduzir-se pelo olhar de um Galileu que mudou a história do ocidente. Não há aqui nenhuma inferência sexual.

IHU On-Line – Em sua opinião, como a literatura colabora para aguçar a percepção sobre Deus ou o Mistério? Que vínculos percebe entre literatura e mística?
Salma Ferraz – Paulo já define a fé como “o firme fundamento das coisas que se esperam, e a prova das coisas que não se veem”. A fé é um verdadeiro e maravilhoso escândalo para a razão, é um salto no abismo. É o mistério dos mistérios. E então entra a mística para mediar esse abismo entre fé e razão. E a literatura, para reproduzir a experiência dessa mediação. Cito aqui o grande poeta amazonense Max Carphentier : “Pois bem, Senhores, só uma diferença existe entre o profeta e o poeta. O profeta faz descer a Beleza dos céus para a terra, e o poeta faz a Beleza subir da terra para os céus. E não se sabe qual é a maior glória: se descer com uma estrela para a terra, ou se subir com uma rosa para o céu. Sei, porém, que o sério verso arrancado do sofrimento é a forma exponencial de oração, e a página branca que recebe o verso é da mesma substância da pedra dos altares, e o estado de graça dos poetas tanto glorifica Deus como o êxtase dos santos. Desde os primeiros tempos, tendes visto, a Fé se socorreu da Poesia para instituir os pássaros que acordam as nossas dores brancas, as nossas dores cinzas, dentro do silêncio tão difícil e tão necessário do Senhor dos Mundos. Assim, muitos espíritos sentiram que a Poesia é um ato litúrgico perfeito, o eficaz rosário, o instantâneo caminho de Damasco dos místicos mais belos, e daqueles que, não sendo místicos, combatem pelo amor”.

IHU On-Line – Segundo a senhora, qual a natureza específica da linguagem mística em geral, muitas vezes marcada por afirmações (ou narrações) ousadas, radicais? Quais modalidades discursivas, literárias, semânticas marcam a simbologia mística?
Salma Ferraz – Tenho que citar o autor Max Carphentier novamente: “Sabeis que no início foi o Verbo, e o Verbo continha todos os princípios e todas as imagens. Daí que a realidade e o mistério, a essência e a aparência, o tangível e o intangível, o que foi e o que será, o possível e o impossível estão contidos no Verbo, na palavra, matéria prima de tudo e alma da Poesia. (...) O que o verso movimentado pela fé e pela dor pode ser, até agora, a maneira mais intensa e mais fiel de colocar a natureza humana face a face com a Divindade”.

IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Salma Ferraz – Sim. Não entendo o erro da atribuição do adjetivo prostituta a Madalena, a manutenção e estigmatização dessa brilhante mulher como tal. Efetivamente, ela nunca foi meretriz; aliás, parece ter sido uma mulher de muitas posses.

Na biografia de Jesus, há duas mulheres com biografias, digamos, um pouco heterodoxas: Raabe e Tamar. A prostituta Raabe, por esconder os espias, foi salva por Josué durante a conquista de Jericó. Habitou entre os israelitas e casou-se com Salmon. Ela gerou a Boaz, que foi bisavó de Davi, entrando assim na linhagem de Jesus.

Por sua vez, Tamar, a viúva negra do Velho Testamento, teve dois maridos, e nenhum deles (Er e Onã) lhe deu filhos. Seu sogro, Judá, de enganador – vendeu seu irmão José e enganou seu pai Jacó –, passa agora a ser enganado. Ele não quer dar o terceiro filho para Tamar, com medo de que ele também morra. Novamente quer enganar sua nora, que se mostra muito mais astuta. Ela se disfarça de prostituta e coabita com seu sogro Judá, pedindo como garantia seu cajado e seu anel. Ao saber que sua nora estava grávida, que havia adulterado, Judá ordena que ela seja apedrejada e depois queimada. Tamar dá um xeque-mate no Patriarca ao mostrar os pertences do pai de seu filho. Judá afirma: “Ela é mais justa do que eu”. Tamar torna-se mãe dos gêmeos Perez e Zerá, e a linhagem de Perez vai até o rei Davi. E é da linhagem de Davi que virá Jesus.
O que quero dizer é que, na linhagem de Jesus, entrou uma efetiva prostituta, Raabe, e outra que se fez passar por tal, Tamar. E elas nunca sofreram a discriminação que Madalena, que não era meretriz, sofreu. Mistérios.
 
Fonte: IHU-on line - Revista do Instituto Humanitas Unisinos - nº 385 - Ano XI - 19/12/2011

terça-feira, 6 de novembro de 2012

AS MULHERES DE JESUS DE NAZARÉ


 
                  

O que Jesus pensava das mulheres?
 
Que papel as mulheres ocuparam em sua vida e, sobretudo, em seu movimento?
 
O que consideram os mais sérios exegetas católicos sobre “Jesus e as mulheres”?
Oito linhas num papiro do século IV, de um hipotético “Evangelho da mulher de Jesus”, voltou a colocar em cena não apenas o estado civil de Cristo, mas também sua relação com a outra metade do céu.

A reportagem é de Manuel Vidal, publicada no sítio Religión Digital, 23-09-2012. A tradução é do Cepat.


Apesar de ser o personagem mais estudado e analisado pela cultura ocidental, Jesus continua sendo um dos mais desconhecidos. Pouco se sabe com exatidão sobre o homem que é venerado por um bilhão de pessoas como o “Filho de Deus”. Séculos de manipulações apagaram as escassas pistas sobre sua realidade.

E os Evangelhos? Tradicionalmente nos são apresentados como textos históricos. Hoje, todos os teólogos reconhecem que a partir deles não se pode escrever uma biografia de Jesus.“O Evangelho é um testemunho dos crentes. O que os evangelistas contam não é história, mas expressão de sua fé em Jesus Cristo”, explica o prestigioso e já falecido teólogo holandês Edward Schillebeeckx.

Embora sendo difícil, a exegese moderna está demarcando cada vez mais a figura de Jesus. Inclusive nos aspectos mais fechados ou silenciados pela Igreja católica oficial. Por exemplo, a questão da sua sexualidade ou de seu estado civil.


Jesus de Nazaré foi casado?

Para a Igreja católica o assunto da sexualidade de Jesus foi sempre um tabu. A doutrina oficial só aborda esse tema para dizer que Jesus foi um homem de verdade, com todas as pulsões de um homem, mas que se manteve puro e celibatário em toda a sua vida.

Inclusive, em muitas ocasiões dá a sensação de que a Igreja católica cai no docetismo (a heresia que torna Jesus não um homem real, de carne e osso, mas um ser que, embora tendo aparência humana, era na realidade “outra coisa”) na hora de “limpar” a figura do Nazareno.

De acordo com a mais estrita ortodoxia católica, Jesus era um homem completo, de corpo inteiro e, consequentemente, sexuado. Deus se fez homem, e dentro dessa condição existe a sexualidade. Como a exerceu? Que relação manteve com as mulheres?

Os grandes exegetas concordam em negar que Jesus tivesse casado. E que o celibato transgredia as leis religiosas de sua época. “Quem não tem mulher é um ser sem alegria, sem a bênção, sem felicidade, sem defesas contra a concupiscência, sem paz; um homem sem mulher não é um homem”, diz o Talmude. E menos ainda, se esse homem era um rabi, um intérprete da Lei que, portanto, não podia se opor ao Talmude.

Um dos mais prestigiosos exegetas espanhóis, Xabier Pikaza, acaba de publicar o “Evangelho de Marcos. A Boa Notícia de Jesus” (Verbo Divino), um exaustivo estudo de 1.200 páginas. E sobre este tema conclui assim: “Não se pode demonstrar, de maneira absoluta, que Jesus foi celibatário”.

Alguns pesquisadores supõem que ele poderia ter sido viúvo ou sem filhos. Outros, mais fantasiosos, falam de suas relações com Maria Madalena ou de sua abertura afetiva mais aberta (um tipo de “amor” estendido para homens e mulheres, de forma não genital). Enfim, outros asseguram que, após a vinda do Reino (se houvesse chegado, sem que tivesse sido morto), Jesus teria casado, iniciando um matrimônio diferente...

Porém, não sabemos nada disso. Nada pode ser apoiado em fontes. A única coisa certa é que durante o tempo de sua pregação, a partir de sua missão com João, passando por sua mensagem na Galileia, até a sua morte foi “celibatário”.

Outro famoso teólogo espanhol, Rafael Aguirre, sustenta a mesma tese. Ou como disse o americano John Paul Meier: “Jesus nunca se casou, o que o torna um ser atípico e, por alcance, marginal diante da sociedade judaica convencional”. Nisso sim, todos os exegetas consentem, além de destacar o papel “especial” de Maria Madalena na vida de Jesus.



Ela não foi sua mulher, mas esteve muito perto dele. No grupo de mulheres que acompanhavam Jesus e seus discípulos, nunca está ausente. É a primeira receptora dos acontecimentos pascais. Por isso, é chamada “a apóstola dos apóstolos”.

“No entanto, casá-la com Cristo é um disparate”, afirma o teólogo jesuíta Juan Antonio Estrada. O disparate do “Código Da Vinci”, por exemplo, que muitos acreditam.

Discípulas e companheiras de Jesus

O que está claro em todos os textos evangélicos, canônicos e apócrifos, é que a sua relação com as mulheres foi um dos aspectos mais revolucionários do profeta de Nazaré.

Jesus rompe com todos os tabus, numa sociedade em que a mulher era definida como uma “lua”, porque só brilhava e recebia tudo do “sol”, que era o homem. “Dou-te graças, Senhor, por não me haver feito mulher”, rezavam os varões todas as manhãs, pois a mulher era um ser inferior.

Por isso, andava sempre com a cabeça coberta, não podia parar na rua para falar com um varão, não podia ser testemunha credível num julgamento, tampouco podia ter herança e no caso de que seu marido morresse, passava a ser propriedade de seu irmão. E, é claro, quando estava menstruada, não somente era impura, mas tornava impuro tudo o que tocava.

Jesus rompe com todas as tradições culturais de seu tempo e trata a mulher como igual”, explica Pikaza. De fato, as mulheres fazem parte de seu círculo mais íntimo, de seus mais estreitos colaboradores e acompanham o profeta itinerante em suas caminhadas apostólicas. “Varões e mulheres aparecem num projeto como iguais, sem prioridade de um sexo sobre o outro”, sustenta o exegeta espanhol.

E o catedrático Antonio Piñero, em seu livro “Jesus e as mulheres” (Aguilar), aponta que “Jesus foi um rabino relativamente anômalo no cenário dos mestres da Lei do século I, porque teve um ministério ativo, no qual as mulheres não apenas estavam presentes, mas eram discípulas”.

De fato, o Evangelho de Marcos diz que as mulheres “serviam” a Jesus. E o biblista argentino Ariel Álvarez explica que “se estas mulheres “serviam” a Jesus, é porque de alguma maneira pregavam o Evangelho, curavam enfermos, expulsavam demônios e realizavam as mesmas funções dos demais discípulos, e não porque cumpriam exclusivamente as tarefas de cozinha e limpeza”.

É que, como diz Pikaza, “Jesus não quis sacralizar a sociedade patriarcal de sua época” e “fundou um movimento de varões e mulheres na contramão dos rabinos de sua época, que não admitiam as mulheres em suas escolas”. Jesus não somente as acolhe, mas escuta e dialoga com elas, “como com pessoas livres”, respeitando e valorizando-as em igualdade com o homem.

Mais ainda, Pikaza sustenta que dentro de seu movimento, as mulheres foram as seguidoras mais fiéis e radicais de Jesus. “De fato, ao chegar à prova da Cruz, os doze lhe abandonaram; elas, ao contrário, permanecem fiéis até o final”.

Um Jesus, portanto, profundamente inclusivo, que desafia frontalmente os preceitos patriarcais profundamente estabelecidos. Em seu trato com a mulher, Jesus foi um revolucionário, um profeta que desafiou o legalismo confuso e inerte que mesclava a vida religiosa e social de seu tempo. Um visionário defensor dos direitos da mulher. Inteiramente um feminista.

FONTE:  www.ihu.unisinos.br