A MORTE DE JESUS DE NAZARÉ
Os cristãos tem um
entendimento comum a respeito da morte de Jesus. É
normal ouvirmos as pessoas dizerem:
- Jesus morreu por nós.
- Jesus morreu por causa
dos nossos pecados.
- Jesus morreu para nos
salvar.
- O sangue derramado de
Jesus nos livra de nossos pecados.
De onde vem essa noção de
que a morte de Jesus teria sido um sacrifício oferecido em troca do perdão dos
pecados do mundo?
Esses entendimentos tem
razão de ser, isto é, tem a ver com a realidade dos fatos acontecidos no ano 30
de nossa era em Jerusalém? Ou não?
TEOLOGIAE ESPIRITUALIDADE vai se debruçar sobre o tema da morte de Jesus com os seguintes objetivos:
TEOLOGIAE ESPIRITUALIDADE vai se debruçar sobre o tema da morte de Jesus com os seguintes objetivos:
Ø repassar os conhecimentos contidos em diversas
obras de especialistas que tratam desse tema;
Ø levar os leitores a uma revisão de suas crenças à luz da História;
Ø levar os leitores a
entender como essas crenças foram sendo elaboradas pelas comunidades cristãs do
primeiro século que as registraram nos evangelhos canônicos e outros documentos.
Em
primeiro lugar vamos analisar o título de nossa matéria.
“MORTE DE JESUS DE NAZARÉ”
É
CORRETO DIZER QUE JESUS DE NAZARÉ MORREU?
CLARO
QUE NÃO! JESUS NÃO MORREU! JESUS FOI MORTO!
Quando
se diz que Jesus morreu, pode-se passar a idéia errônea de que sua morte se deu
por um motivo natural.
Há
até um livro chamado “Por que Jesus morreu?”. Esse título poderia apresentar
uma pergunta mais adequada entre as que se seguem:
POR QUE JESUS FOI MORTO?
POR QUE JESUS FOI CONDENADO À MORTE?
QUEM MATOU JESUS?
Quando
se tenta reconstruir historicamente a vida de Jesus de Nazaré, o fato mais
inquestionável é a sua morte na cruz, realizada durante o governo de Pôncio
Pilatos.
Inquestionável
por quê?
Porque
sua morte é atestada não só pelos textos religiosos, mas principalmente porque
a ela se referem historiadores, tais como Josefo, um historiador judeu, na obra
“Antiguidades Judaicas”, e Tácito, um historiador romano, em sua obra “Anais”.
NASCIMENTO E MORTE DE JESUS- LOCALIZAÇÃO HISTÓRICA
Desde
o ano 63 a.C. quando o general romano Pompeo tomou Jerusalém, a Palestina
passou a ser dominada pelo Império Romano.
Herodes
foi nomeado pelo Senado romano rei da Judéia em 38 a.C., e assumiu suas funções
em Israel. Posteriormente ele assumiu também o controle sobre a Samaria,
Jericó, Galiléia. Ele reinou sobre toda essa região até a sua morte em 4 a.C.
como déspota absoluto e vassalo fiel do imperador romano.
A morte de Herodes, o Grande causou uma grande rebelião social e política em todas as regiões por ele governadas. Houve três líderes das classes inferiores que buscavam ocupar o reinado vago com a morte de Herodes. Surgiram revoltas armadas em todas as principais áreas do país inclusive entre as classes camponesas.
Foi
necessária a intervenção do governador sírio, Públio Quintílio Varo que trouxe
para a região três legiões de soldados, além de tropas auxiliares para pôr fim
às rebeliões. Varo chegou a crucificar 2.000 rebeldes para estabelecer de novo
o domínio romano.
Restabelecido
esse domínio, o território governado antes por Herodes, o Grande foi divido
entre seus filhos Herodes Arquelau, Herodes Antipas e Felipe.
Jesus nasceu aproximadamente por volta do ano 4 a.C., numa
aldeiazinha da Galiléia chamada Nazaré, no
norte da Palestina, em meio a todas essas turbulências.
Jesus
foi preso e executado quando visitava Jerusalém por ocasião da Páscoa, entre os
anos 26 e 36 d.C aproximadamente, quando era prefeito da Judéia, Pôncio Pilatos.
A PENA DE MORTE POR CRUCIFIÇÃO
A CRUZ NO CONTEXTO ROMANO
A morte na cruz era, na Antiguidade, o terrível castigo reservado a crimes que tinham a ver com a ameaça da ordem pública estabelecida, tais como revoltas populares que ameaçavam desestabilizar os poderes constituídos.
Não
à toa, como dissemos acima, o general sírio Varo crucificou 2.000 rebeldes para
por fim as rebeliões populares que objetivavam colocar como rei um líder judeu
das camadas inferiores da população no lugar de Herodes, o Grande.
A
morte na cruz não foi invenção dos romanos. Era a punição dada por vários povos
antigos para eliminar seus inimigos.
A execução pela crucificação tinha um
caráter de intimidação social, pois pretendia inibir a ocorrência de outros
movimentos reformadores e revoltas populares. O espetáculo era terrível e tinha o objetivo
de aterrorizar todos que o assistissem, como exemplo do que podia acontecer com
aqueles que não se submetiam ao domínio dos poderosos.
A
morte na cruz tinha um caráter público e social, assim o condenado carregava
ele mesmo o braço horizontal da cruz através da cidade até o lugar do suplício,
geralmente fora da cidade. Era despojado de suas vestes e pendurado nú. A morte
acontecia por asfixia ou por sangramento.
Como
pena capital, era reservada somente a escravos e revoltosos, mas não a cidadãos
romanos.
Outros
momentos em que as legiões romanas crucificaram judeus:
Ø em
66 d.C., Floro, governador romano na terra judaica, atacou a cidade e
crucificou 3.600 judeus, incluindo mulheres e crianças;
Ø em
70 d.C., o exército de Tito cerca Jerusalém e nessa oportunidade após açoites e
torturas, os judeus eram crucificados diante das muralhas, sendo a média 500
crucificações por dia ou mais.
O
que tornava a crucificação ainda mais terrível?
As
três penas romanas supremas eram a cruz, o fogo e os animais. O que as tornavam
supremas era o fato de que não podia
restar nada para ser enterrado ao final, como forma de se evitar algum tipo de
culto por parte dos seguidores dos líderes revoltosos.
A destruição corporal é óbvia no caso da
pessoa queimada ou lançada às feras. No caso da crucificação, os corpos eram
deixados expostos para serem devorados pelos corvos, ou enterrados em covas
rasas, sendo devorados pelos cães comedores de carniça.
Portanto
não surpreende que de todos os milhares de crucificados em torno de Jerusalém,
se tenha encontrado um único corpo de crucificado,em 1968, em Giv’at haMivtar,
no nordeste de Jerusalém.
CONTEXTO HISTÓRICO DA PALESTINA NO TEMPO DE JESUS
Até
a execução de Jesus de Nazaré, ele havia circulado principalmente entre os
camponeses judeus das aldeias da Galiléia.
As
narrativas dos evangelhos, que contam a sua atividade, retratam um mundo de
duas classes: a dos muito ricos e a dos muito pobres.
A
Palestina judaica era claramente uma sociedade camponesa. Nessa sociedade os
pobres produziam “excedentes” que são controlados pelos ricos, com a
consequência de que se tornam inevitáveis os conflitos entre esses dois grupos.
Os produtores rurais desenvolvem hostilidades e ressentimentos que fazem com
que os poderosos temam que os pobres se vinguem.
Basta
lembrar a parábola de Jesus sobre a
vinha – ela exemplifica bem as
tensões que existiam naquela sociedade, com sua escalada para confrontos
violentos entre os ressentidos arrendatários e o proprietário da vinha.
Numa
sociedade onde mais de 90% da população são camponeses dominados por uma
minoria, as tensões e conflitos são inevitáveis.
No
período de conquista inicial, os
romanos trataram os habitantes brutalmente a fim de induzir o povo à submissão.
Os exércitos romanos incendiaram e destruíram completamente cidades e massacraram,
crucificaram ou escravizaram as suas populações.
Em 40 a.C Herodes conseguiu ser
reconhecido como rei dos territórios judaicos da Palestina.
Submeteu o resistente povo judeu com a ajuda das legiões romanas e tornou-se o
modelo da dominação imperial como rei romano dependente. Durante seu reinado
impôs pesadíssimos encargos tributários
à população camponesa judaica que ficou muito descontente, já que os
tributos eram uma séria ameaça para a sua vida: muitos camponeses foram expulsos de suas terras por não conseguirem
pagar suas dívidas e impostos.
Os produtores agrícolas judeus estavam
sob uma dupla tributação: além dos tributos romanos haviam os
dízimos e outros impostos devidos ao templo e ao sacerdócio. Esses tributos
todos consumiam 40% da sua produção, considerada uma tributação extorsiva.
Os
camponeses judeus após pagar todos os tributos, se não tivessem o suficiente
para sobreviver até a próxima colheita, teriam de tomar emprestado cereais para alimentar-se ou para
semear na próxima plantação. Membros da família podem ter procurado empregar-se
como mão de obra assalariada para um proprietário maior.
A parábola de Jesus em Mt 20, sobre os
trabalhadores enviados à vinha, indica que havia muito
mais pessoas procurando emprego que o número delas que podiam ser contratadas.
Sobre
tais pressões econômicas, com falta de produção para atender as necessidades de
subsistência, os camponeses eram
obrigados a pedir emprestado. O empréstimo contínuo deve ter aumentado
significativamente a dívida das famílias, com grande risco de perda total da
terra. Aquele que antes era dono de um pedaço de terra, se via obrigado a
trabalhar por dia na terra dos outros, ou talvez trabalhasse como empregado em
sua própria terra que perdera por causa das dívidas.
Não
é preciso se pensar muito para se imaginar a repercussão da oração que Jesus
ensinava a seus discípulos onde as pessoas tinham que se dispor a perdoar as
dívidas de seus devedores. Qual teria sido a reação daqueles que exploravam os camponeses,
atolando-os em dívidas para posteriormente lhes tomar as terras ao ouvir essas
palavras?
Herodes exercia um controle rígido
sobre o povo para evitar rebeliões. Proibia reuniões
públicas, grupos andando juntos e a vida comunitária normal. Toda atividade era
vigiada. As punições para os que ousavam esboçar qualquer descontentamento eram
impiedosas e muitos foram executados.
Quando
Herodes morreu em 4 a.C. o descontentamento
profundo e longamente reprimido explodiu em revoltas populares por toda a
parte.
Os
romanos subjugaram as rebeliões judaicas e colocaram Herodes Antipas para administrar as regiões da Galiléia e da
Peréia.
Herodes
Antipas é o Herodes cujo casamento João Batista condenou e o Herodes em cujo
reinado Jesus desenvolveu as suas atividades.
O
domínio romano e particularmente o tributo eram ofensivos ao povo judeu por
conta de sua fé fundamental de que não deviam estar subordinados a nenhum rei,
mas somente a Deus. Os judeus consideravam que essa situação era igual à
escravidão.
A
dominação estrangeira, a crise econômica, a elevada tributação, a fome, o
enriquecimento das elites à custa da exploração dos humildes camponeses, as
violências cometidas pelos exércitos que buscavam manter a ordem, levou o povo ao
desespero o que fez com que muitos buscassem
fazer justiça pelas próprias mãos, formando grupos considerados como de
bandidos sociais.
O BANDITISMO SOCIAL era composto
predominantemente por camponeses e trabalhadores sem terra, dominados,
oprimidos e explorados por outros – proprietários, cidades, governos.
Centenas,
milhares de camponeses judeus estavam dispostos a abandonar suas casas para
juntar-se a algum bando de salteadores, ou para seguir algum profeta ou algum
líder que planejava alguma rebelião, algum líder ungido ou Messias, que seria
proclamado rei por seus seguidores.
No
evangelho de Marcos, quando Jesus é preso no Getsêmani, ele se dirige à
multidão armada e lhes diz: “Serei eu um bandido? Saístes para prender-me com
espadas e paus!”
Por
ocasião de sua crucificação, diz o evangelho de Marcos que com ele foram
crucificados também dois bandidos.
Tanto
antes como depois de Jesus de Nazaré, houveram também REIS POPULARES OU MESSIAS, líderes
populares judeus oriundos dos camponeses, que eram proclamados reis pelos seus
seguidores, conforme o modelo do rei Davi. O povo esperava ansiosamente que
Deus suscitasse o rei que haveria de derrotar o domínio estrangeiro, libertar o
povo judeu e estabelecer um reino de justiça e igualdade entre todos.
Os
romanos executaram Jesus sob a acusação de ser “rei dos judeus”, segundo Marcos
15,26.
Com
relação aos PROFETAS, no período
anterior ao início da atividade pública de Jesus, houve o profeta João, o Batista, porta-voz do povo
comum, do qual vem a exigência de simples justiça.
João
Batista pregava o batismo de
arrependimento, procurava preparar o povo, para o julgamento iminente. João
pede que as pessoas cumpram a vontade de Deus em relação às necessidades
básicas do povo e à realização da simples justiça econômico-social.
Também
a aristocracia sacerdotal sabia que uma pregação profética como a de João era
um desafio direto à sua autoridade e poder, que era considerado ilegítimo e
opressivo pelo povo.
Os
relatos dos evangelhos que falam sobre a execução de João Batista, são pois
mais lendários que históricos. O problema não era a condenação moral do segundo
casamento de Antipas com Herodíades, mas sim porque sua pregação constituía uma
ameaça ao regime romano.
Assim
durante todo o período de 6 a 66 d.C foi havia um descontentamento generalizado
e muitas turbulências na sociedade judaica da Palestina onde atuaram bandidos
sociais, reis aclamados pelo povo (reis populares), profetas e messias. A aguda
insatisfação popular gerava um clima de revolução iminente. Esse tempo forma o
contexto da vida e da atividade de Jesus.
POR QUE JESUS FOI EXECUTADO?
AS RAZÕES HISTÓRICAS DA EXECUÇÃO DE JESUS
João Batista foi executado por Herodes Antipas porque ele se
sentia ameaçado pelo seu discurso que poderia trazer consequências políticas,
como a insurreição popular. Mas o problema não estava resolvido. João Batista
tinha outros discípulos. Um deles se chamava Jesus de Nazaré. A prova de que
Jesus era discípulo de João Batista está em que Jesus foi batizado por João, um
rito de iniciação, pelo qual passava a pessoa para entrar para o grupo do
Batista.
Em algum momento depois de juntar-se ao movimento de João
Batista e de ser batizado, Jesus separou-se
do círculo dos discípulos de João e começou seu próprio ministério. Se João
Batista falava sobre a vinda de Deus para julgar Israel, Jesus começou a falar sobre a vinda do Reino de Deus.
Por volta do ano 28
d.C., Jesus está com 32 anos aproximadamente. Jesus inicia sua pregação de que Deus vem libertar seu povo de
tanto sofrimento. Jesus quer difundir a notícia do reino de Deus por toda a
parte. Dedica-se a visitar as aldeias da
Galiléia. Jesus percorre as aldeias pregando, curando pessoas, relacionando-se
com os excluídos, os “impuros”, chamando a todos para desfrutar de uma vida
digna como filhos e filhas de Deus.
Nas aldeias da Galiléia está o povo
mais pobre e deserdado, despojado de seu direito de desfrutar da terra doada
por Deus. A implantação do reino de Deus precisa começar ali onde o povo está
mais humilhado. Sua vida itinerante a serviço dos pobres
deixa claro que o reino de Deus não tem um centro de poder a partir do qual
deva ser controlado.
A causa à qual Jesus dedica daqui em diante
seu tempo, suas forças e sua vida inteira é o que ele chama de “reino de Deus”. É sem dúvida o núcleo centra de sua pregação,
sua convicção mais profunda, a paixão que anima toda a sua atividade. Tudo
aquilo que ele diz e faz está a serviço do reino de Deus, um reino onde
prevalecerão a justiça, a misericórdia e a paz. O reino de Deus que Jesus
proclama corresponde ao que o povo mais deseja: viver com dignidade. Jesus fala
constantemente do “reino de Deus” mas não o chama de “rei” mas de “pai”.
A misericórdia de Deus exige que de
forma urgente se faça justiça aos mais pobres e humilhados. A vinda de Deus é
uma sorte para os que vivem explorados. Mas se transforma em ameaça para os
causadores dessa exploração.
Jesus
tem diante dos olhos as pessoas que vivem humilhadas em suas aldeias sem poder
se defender dos poderosos latifundiários; conhece bem a fome das crianças
desnutridas; viu chorar de raiva e de impotência os camponeses quando os arrecadadores
de impostos levavam para as grandes cidades o melhor de suas colheitas.
Jesus
fala da pobreza das famílias que sobrevivem miseravelmente, pessoas que lutam
para não perder suas terras e sua honra, crianças ameaçadas pela fome e pela
doença, prostitutas e mendigos desprezados por todos, enfermos e endemoninhados
aos quais se nega o mínimo de dignidade, leprosos marginalizados pela sociedade
e pela religião. Se Deus se põe do lado deles é porque eles precisam. Deus
defende aqueles que ninguém defende.
A defesa dos direitos dos miseráveis,
dos marginalizados daquela sociedade não é um assunto meramente religioso, mas
um compromisso com profundas consequências de ordem política e social.
A
expressão “reino de Deus” escolhida por Jesus como símbolo central de toda a
sua mensagem e atuação, é um termo político que desperta receios entre os
poderosos da época. O único império reconhecido no mundo mediterrâneo era o
“império de César” que só buscava honra, riqueza e poder.
O que Jesus
está sugerindo ao anunciar às pessoas que está chegando o “império de Deus”?
O que pretende
Jesus ao procurar convencer a todos que é preciso entrar no “império de Deus”
que quer sobretudo fazer justiça precisamente aos mais pobres e oprimidos do Império?
A riqueza dos latifundiários é
injusta, porque o único modo de enriquecer naquela sociedade era explorando os
camponeses, o único grupo de produzia riqueza.
O reino de Deus exige acabar com essa
iníqua exploração. Não é possível entrar no reino de Deus, defensor dos pobres,
e continuar ao mesmo tempo acumulando riqueza precisamente à custa deles.
O
final trágico de Jesus foi sendo gestado dia a dia desde que ele começou a
anunciar com paixão o projeto de Deus
que exigia uma inversão da situação e desafiava o sistema de poder.
Jesus passou a ser um estorvo e uma ameaça
para aqueles que viam seu poder religioso, político e econômico correr perigo.
Jesus em poucos meses se tornara um profeta
muito perigoso. A ameaça contra Jesus
provém da aristocracia sacerdotal e laica de Jerusalém e da autoridade romana.
ARISTOCRACIA DE JERUSALÉM – era formada por
uma minoria de cidadãos ricos e importantes, muitos deles sacerdotes.
O
povo os considerava um setor poderoso e corrupto que vivia dos dízimos, taxas e
doações que chegavam ao templo.
A
aristocracia ao redor do templo atuava como instância de poder que assessorava o prefeito de Roma para
governar a Judéia. Eles exerciam, além do poder religioso, um poder político em
estreita colaboração com prefeito romano, que era quem os nomeava ou destituía.
A atuação de Jesus se colocava à
margem do sistema sacrificial do templo. Ele acolhia amistosamente
os pecadores, oferecendo-lhes o perdão gratuito de Deus. De acordo com a
prática escandalosa de Jesus, até os arrecadadores de impostos e as prostitutas
tinham um lugar no reino de Deus, sem passar antes pelo processo oficial de
expiação no templo.
Também
não viam com bons olhos as curas e o exorcismos de Jesus porque solapavam seu
poder de intermediários exclusivos de perdão e salvação para Israel. Para eles
a causa das enfermidades estava no pecado. Jesus ao se relacionar com eles,
pessoas impuras, os incorporava novamente ao povo de Deus. A atuação de Jesus é
um desafio ao templo que era tido como a fonte exclusiva de salvação para o
povo.
AUTORIDADES
ROMANAS – representavam o maior perigo para Jesus
já que tinham o máximo poder.
Seu
anúncio da implantação do reino de Deus, as críticas que fazia à situação, seu
programa de solidariedade com os excluídos, a liberdade com que falava e agia,
tudo isso representava uma radical e perigosa alternativa ao sistema imposto
pelo imperador romano.
Jesus contrapunha o “império de Deus”
ao “império de Roma”, um império que buscava justiça e compaixão precisamente
para os mais excluídos e humilhados do Império Romano.
Jesus dizia a todos que a vontade de Deus está em contradição com a vontade de
César. Para entrar no império de Deus é preciso sair do império de Roma.
Jesus contava com a possibilidade de
um final violento. Sabia do perigo a que se expunha se
prosseguisse com sua atividade e com sua pregação sobre a chegada do reino de
Deus. Aos poderosos não interessava mudança nenhuma, nem no Império nem no templo.
O
que acontecera com João Batista não era algo casual. É o destino trágico que
geralmente espera os profetas. Jesus pressente que também podem matá-lo. Ele
também é um profeta.
Jesus não corre atrás da morte, mas
também não foge diante das ameaças. Não modifica sua mensagem.
Para evitar a morte, poderia se calar. Mas ele, pelo contrário, reafirmou-se em
sua missão, continuou insistindo com sua mensagem. Sua crucificação foi uma consequência lógica de sua atuação e pregação.
Jesus não interpretou sua morte como um
sacrifício de expiação oferecido à Deus. Jesus nunca imaginou Deus como alguém
que lhe pedia a própria vida, para que a sua honra ofendida pelo pecado dos homens,
fosse restaurada e ele aí pudesse perdoar aos seres humanos. Nunca se vê Jesus
oferecendo sua vida como uma imolação à Deus para obter dele clemência para o
mundo. O amor que Deus tem pelas criaturas por ele criadas é gratuito, seu
perdão é incondicional.
O evangelho segundo Marcos é o
evangelho mais antigo dos quatro evangelhos constantes nas
nossas Bíblias. Ele foi escrito logo após a Primeira Guerra Romana, de 66 a
73-74 d.C. Por ser o evangelho mais antigo é
o que está mais próximo dos fatos narrados, é o que menos teve elaborações
teológicas.
Segundo
o evangelho de Marcos a morte de Jesus não
foi um sacrifício substituto do pecado.
Marcos vê a morte de Jesus como uma
execução ordenada pelas autoridades por ter desafiado o sistema de dominação,
tanto a dominação exercida pelas autoridades religiosas do Templo, como a
dominação política exercida pelas autoridades romanas.
Há
três previsões da morte de Jesus na parte central de Marcos e elas não dizem
que Jesus deve ir a Jerusalém para morrer pelos pecados do mundo.
Mc 8,31-
“E começou a ensinar-lhes: ‘O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado
pelos anciãos, pelos chefes dos sacerdotes e pelos escribas, ser morto e,
depois de três dias, ressuscitar.”
Mc 9,31 –
“...pois ensinava a seus discípulos e dizia-lhes:’O Filho do Homem será
entregue as mãos dos homens e eles o matarão e, morto, depois de três dias ele ressuscitará.”
Mc 10, 33-34 –
“Eis que subimos à Jerusalém, e o Filho do Homem será entregue aos chefes dos
sacerdotes e aos escribas,; eles o condenarão a morte e o entregarão aos
gentios, zombarão dele e cuspirão nele, o açoitarão e o matarão, e três dias
depois ele ressuscitará.”
Há
uma passagem que é erroneamente interpretada dando-se um sentido de sacrifício
substituto:
Mc 10,45 -
“Pois o filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua
vida em resgate por muitos.”
Resgate
foi interpretado como resgate dos nossos pecados.
Mas
olhando-se o texto no original grego, a palavra traduzida como resgate é
empregada no sentido de um pagamento feito para libertar escravos por causa de
dívidas do cativeiro.
Assim, dizer que Jesus deu sua vida em
resgate de muitos significa que ele deu a vida como um meio de libertação do
cativeiro.
O EPISÓDIO DOS VENDEDORES EXPULSOS DO TEMPLO
Esse
fato possui base histórica mais sólida porque encontra-se em três fontes
independentes: Evangelho de Tomé § 71, Oráculos Sibilinos 4,8-11 e Marcos
11,15-19.
Possivelmente
Jesus atropela um grupo de vendedores e compradores, derruba algumas mesas e
barracas de venda de pombas e tenta interromper a atividade durante alguns
momentos. Ele não pode fazer muito mais. Seu
gesto foi pequeno e limitado, mas estava carregado de um significado de
consequências imprevisíveis.
A
ação de Jesus foi sem dúvida um gesto hostil de protesto contra o Templo. Nesse
lugar de culto surgiu uma enorme organização envolvendo muitos funcionários,
escribas, administradores, contadores, servos das grandes famílias sacerdotais.
Todos ele vivem do templo. Eles se preocupam mais em perpetuar-se no
poder do que em servir ao povo, mantendo uma vida luxuosa às custas da
população camponesa .
A ação de Jesus foi um ato simbólico.
Anuncia a condenação contra um sistema econômico, político e religioso que não
agrada à Deus. O Deus dos pobres e excluídos não reina nem reinará a partir
desse templo.
O protesto de Jesus preocupa não só os
sacerdotes do templo, mas inquieta também as autoridades romanas. Os que põem em perigo o poder do sumo
sacerdote, fiel servidor de Roma, põem em perigo a paz.
O
texto de Marcos diz que as autoridades religiosas pretendiam prender Jesus para
matá-lo, mas não durante a festa da Páscoa, para não gerar tumulto entre o
povo. Não é conveniente prendê-lo em público, quando está rodeado de seguidores
e simpatizantes. Pretendem capturá-lo de maneira discreta.
Jesus orando no Horto das Oliveiras
Jesus é visto como um falso profeta
que está se tornando um perigo para todos os poderosos.
O ataque ao templo é, sem dúvida, a causa
principal da hostilidade das autoridades judaicas contra Jesus e a razão
decisiva de sua entrega a Pilatos, prefeito romano.
Com toda a certeza, o prefeito romano o executará como um perturbador
indesejável.
Pilatos
ditou a sentença de morte e mandou crucificar Jesus; e o fez, em boa parte, por
instigação das autoridades do templo e de membros das poderosas famílias de
Jerusalém. O prefeito romano condena
Jesus a ser crucificado na cruz, acusando-o da pretensão de apresentar-se como
“rei dos judeus”. Um rebelde contra Roma é sempre um rebelde, embora sua
pregação fale de Deus.
No
fundo, Jesus é crucificado porque sua atuação e sua mensagem sacodem pela raiz
o sistema organizado a serviço dos mais poderosos do Império romano e da
religião do templo.
Pilatos pronuncia a sentença de morte,
mas essa pena está assinada por todos
aqueles que, por razões diversas, resistiram ao chamado de Jesus de “entrar no
reino de Deus”.
Prezados leitores,
Deixaremos para a próxima
postagem o desenvolvimento do nosso terceiro objetivo apontado no início de
nosso trabalho, qual seja o de propiciar o entendimento de como a crença na
morte sacrificial de Jesus foi sendo
elaborada pelas comunidades cristãs do primeiro século até ser registrada nos evangelhos canônicos, passando
a ser o entendimento comum da maioria das pessoas.
Para encerrar não poderia
deixar de colocar um trecho de um artigo chamado “ A subversiva Páscoa cristã”
, publicado no dia 27/03/2013, na
newsletter do IHU on line, de autoria de José Lisboa Moreira de Oliveira, autor
de “Viver em comunidade para a missão. Um chamado à Vida Consagrada Religiosa”,
da (Editora Paulus).
"Celebrar a Páscoa
cristã é trilhar o caminho perigoso de Jesus, tornar-se subversivo com
ele e como ele, aceitando pagar o preço da perseguição, da calúnia e até mesmo
da morte para ficar do lado dos pobres e dos excluídos.
Para celebrar a Páscoa
verdadeira de Jesus não é suficiente ficar repetindo a doutrina abstrata
do Catecismo da Igreja Católica. É preciso que o ensinamento dessa doutrina
crie “a revolta entre o povo” (Lc 23,5), ou seja, incomode tanto o poder
religioso como o poder civil, devolvendo às pessoas a consciência crítica para
enxergar as coisas como elas realmente são.
Não pode ser cristã uma Páscoa
celebrada por quem se omitiu e fechou os olhos diante de ditaduras, de
torturadores, de injustiçados, com medo de sofrer e de morrer como Jesus
morreu.
Não celebra a Páscoa cristã quem se tornou insensível aos
sofrimentos humanos e nada fez para denunciar a exploração dos mais pobres
pelos ricos e poderosos deste mundo (Tg 5,1-6).
BIBLIOGRAFIA
1- Sloyan, Gerard S. - "Por que Jesus morreu?", São Paulo:Paulinas,2006
2- Nogueira, Paulo Augusto de Souza / Machado, Jonas (organizadores) - "Morte e ressurreição de Jesus: reconstrução e hermenêutica : um debate com John Dominic Crossan.- São Paulo:Paulinas, 2009
3-Crossan, John Dominic - "Jesus, uma biografia revolucionária". Rio de Janeiro:Imago ed., 1995
4-Borg,Marcus J. e Crossan, John Dominic - "A última semana:um relato detalhado dos dias finais de Jesus". Rio de Janeiro:Nova Fronteira,2007
5-Crossan, John Dominic - "Quem matou Jesus? As raízes do anti-semitismo na história evangélica da morte de Jesus".Rio de Janeiro:Imago Ed. , 1995
6-Theissen, Gerd e Merz,Annette - "O Jesus histórico - um manual". São Paulo, Brasil . Edições Loyola,2002
7- Pagola, José Antonio - "Jesus, aproximação histórica".Petrópolis, RJ: Vozes, 20012
8-Horsley, Richard A. / Hanson,John S. -"Bandidos, profetas e messias - Movimentos populares no tempo de Jesus".São Paulo:Paulus, 1995.