PEDOFILIA E PODER SAGRADO
CRISE DE CREDIBILIDADE NA IGREJA
PARTE I
QUE O ECO DE SPOTLIGHT
CHEGUE AO VATICANO – É HORA DE PROTEGER AS
CRIANÇAS
Longa mostra como a
equipe de jornalistas do diário “The Boston Globe”, desvendou uma trama que se
tornou o maior escândalo de pedofilia da Igreja Católica
O jornalismo é uma profissão romanceada à exaustão
em filmes e outras narrativas. Apesar dos percalços desse campo de trabalho, de
tempos em tempos surge uma história real que reacende a chama. Esse é o caso de SPOTLIGHT - SEGREDOS REVELADOS.
“Spotligh” é um filme
que não tem medo de fazer grandes perguntas sobre o papel da imprensa no mundo
contemporâneo. Qual a missão de um jornal: apenas informar ou também tentar
mudar a sociedade na qual está inserido?
A partir de
uma estória real o diretor Tom McCarthy investiga essas duas proposições. O filme concentra-se no papel da imprensa e
da liberdade de expressão – que parece entrar em xeque quando o assunto
envolve uma instituição poderosa, no caso, a Igreja Católica.
“Spotligh” está tão interessado no processo jornalístico
quanto na descoberta da equipe do jornal “The Boston Globe”, que desvendou os
crimes cometidos por religiosos e acobertados pela Igreja local.
O Jornalismo, quando realizado com jota
maiúsculo, não só é um exercício nobre, mas também um instrumento fundamental
da democracia – e não é à toa que uma das primeiras medidas
de qualquer ditadura é acabar com a liberdade de imprensa.
Assistir a um filme como “Spotlight”, que conta a história verdadeira de uma pequena equipe de jornalistas
que expôs os esforços da Igreja para proteger padres pedófilos, é no mínimo
um lembrete importante a respeito do jornalismo investigativo.
“Spotligh” mostra como todo o trabalho feito pelos jornalistas investigativos até
ao ponto de escrever a matéria foi amplo e exaustivo, tomando meses de investigação,
com uma orientação determinada de um editor competente. Não havia limite de
espaço, e tampouco de tempo para que as matérias fossem publicadas.
Algo um tanto anacrônico no jornalismo atual, com textos curtos (para
não desestimular a leitura), pouca checagem e reflexão, com matérias rasas que
dependem mais do achismo e de pesquisas breves no Google, do que pesquisas
sérias e apuração da verdade, e onde o que vale é quem postou primeiro.
O filme posiciona o espectador dentro da redação do jornal – e, principalmente, busca acompanhar o cotidiano dos jornalistas em sua peregrinação diária para apurar e descobrir fatos, atrás de entrevistas, novas linhas de investigação e de evidências que embasassem as descobertas.
O filme é uma oportunidade educativa
para aqueles que almejam ser jornalistas:
Ø Mostrando a maneira como o jornalismo deveria ser feito –
com imparcialidade e apuração fidedigna dos fatos, dois preceitos básicos do
bom jornalismo;
Ø Falando da motivação profissional que justifica a denúncia
da hipocrisia de uma parte da Igreja, da burocracia imposta pelos poderosos e,
principalmente, do abuso decorrente da fragilidade socioeconômica dos mais
desfavorecidos.
A jornalista Maria Antonietta Calabró, em artigo
publicado por Formiche, 20-02-2016,
aponta o Oscar de
Melhor Filme para “Spotligh” como a vingança do jornalismo investigativo que
conta o que está aos olhos de todo mundo.
As ferramentas de investigação
descritas tão bem no filme são ordinárias, em nada extraordinárias: entrevistas com os abusados, com os advogados, mas sobretudo,
consultas aos Anuários da Igreja Católica, empoeirados mas guardados em
arquivo.
O salto de qualidade da investigação veio
exatamente do estudo e análise de documentos oficiais da própria Igreja. Da consulta emergiu para os jornalistas uma regularidade estatística, a
presença de quase noventa padres, suspensos, retirados por doença ou transferidos
de paróquia em paróquia.
O editorial da revista "National Catholic Reporter" diz:
O editorial da revista "National Catholic Reporter" diz:
“Com a premiação de Melhor Filme
para “Spotligh” a humilhação para a Igreja Católica está, agora, tão completa
quanto se poderia esperar em uma cultura onde o que está nas telas, é
frequentemente, o elemento mais persuasivo na formação da opinião pública.
No caso dos sacerdotes abusando sexualmente de crianças e bispos e
outros ocultando seus crimes, a ressonância bíblica pode, então, ser finalmente
sentida: os primeiros (sacerdotes pedófilos) foram postos, publicamente, em
seus lugares nos últimos assentos. Os segundos (suas vítimas) tornaram-se os
primeiros – e ganharam um lugar especial (inclusive no palco com Lady Gaga). As
vítimas não mais precisam se esconder ou temer. Os poderosos, de fato, caíram
de seus tronos; os humildes foram exaltados”.
Conforme disse Barbara Blaine – fundadora da “Rede
de Sobreviventes de Abusados por Padres” – na noite do Oscar:
“Expor centenas de
milhares de pessoas em todo o planeta a um convincente filme, baseado em fatos
reais, sobre essa crise (...), é em si, uma realização incrível e real, uma
vitória na vida de incontáveis pessoas”.
O filme poderosamente ilustra o que a Igreja não
conseguiu perceber a respeito de si mesma: que o ato
de horrível de abuso, amplificou-se porque uma cultura masculina celibatária
foi tão protetora de seu próprio status e de seus privilégios, ficando tão
fechada sobre si mesma que acabou surda aos apelos lancinantes de seus filhos,
pais, congregações e as poucas almas dentro de suas fileiras que se atrevem a
dizer a verdade.
Em resumo, o filme fala de uma instituição que em
tese, deveria ajudar na busca pela santidade, busca que se revelou
desprezívelmente corrupta. A produção levou pessoas de
fora a questionar a moralidade da instituição uma vez que tornou possível às
pessoas captar com rapidez, a realidade desse capítulo da vida da Igreja.
O filme, sobretudo, trouxe a coragem das vítimas que vieram a público e resistiram à arrogância de bispos e advogados
que tentaram desvirtuar a verdade perturbadora.
Os sobreviventes dos ataques sexuais são
interpretados por atores de rosto desconhecido do grande público – uma decisão acertadíssima de McCarthy, que, com isso, leva o
espectador a perceber que qualquer um poderia ter sido molestado por aqueles
homens e que suas histórias não são de pessoas que nasceram destinadas a ser
vítimas, mas sim de indivíduos comuns que tiveram o azar de ter um perfil visto
pelos padres pedófilos como susceptível ao ataque: origem humilde, figura
paterna ausente, residência em um bairro construído em torno da igreja local e
assim por diante.
Um dos vários méritos de “Spotlight“ é não tentar suavizar a
natureza dos crimes para evitar chocar o público. Embora não mostre os abusos na tela, o longa (escrito por McCarthy e
Josh Singer) faz questão de descrever exatamente o que acontecia atrás da
sacristia e a crueldade da proteção oferecida pelo Vaticano aos canalhas que
usavam a fé alheia como forma de destruir os jovens vulneráveis que encontravam
graças ao púlpito.
Ao retirar a estatueta da “Academy”, o produtor de
“Spotlight”, Michael Sugar, dirigiu-se diretamente à Santa Sé:
“Este filme deu voz aos
sobreviventes, e o Oscar amplia essa voz. Esperemos que se converta em um coro,
capaz de ressoar até o vaticano. Papa Francisco: chegou a hora de proteger as
crianças e de restaurar a fé”.
Na
Boston do começo dos anos 2000, a notícia de verdade não
era informar sobre mais um caso de abuso sexual cometido por um padre pedófilo,
mas revelar por que, após 34 anos e 130
relatos de estupro, reinava a impunidade.
Outros documentários fortíssimos já escancararam,
nos últimos anos, as práticas nefastas
dos altos círculos do Vaticano para blindar criminosos em seu meio, mas em
2001 a noção de que a prática pudesse envolver um número tão grande de
sacerdotes ainda era pouquíssimo difundida – especialmente em cidades como
Boston, nas quais a Igreja e seus representantes atuam quase como um Estado
paralelo.
OS FATOS NARRADOS NO FILME
PESSOAS REAIS E OS ARTISTAS QUE OS
INTERPRETAM
“SPOTLIGHT” é o nome da equipe editorial do jornal “The Boston Globe”, responsável pelas reportagens especiais, do tipo em que os
repórteres se debruçam meses, às vezes mais de um ano, sobre a investigação de
um caso de forma confidencial.
O ponto de partida é a chegada de um novo editor, Martin Barton
(Liev schreiber), que instiga o editor
da seção “Spotlight” do jornal, Walter
Robinson (Michael Keaton) responsável pelas reportagens mais profundas, a investigar
as acusações de abuso sexual contra alguns padres.
Robinson e sua equipe - composta pelos repórteres Michael Rezendes (Mark Ruffalo), Sacha Pfeiffer (Rachel McAdams) e Matt Carroll
(Brian d'Arcy James) – começam a puxar o fio, e descobrem não apenas que há uma
história de abusos sistêmicos como que o próprio “Globe”, o jornal mais
importante da cidade, foi negligente diversas vezes no passado recente, quando
as primeiras acusações e acordos vieram à tona. Estes renderam, no máximo, uma
pequena matéria, sem qualquer sequência.
ELENCO DO FILME - DA ESQUERDA PARA A DIREITA MICHAEL KEATON, LIEV SCHREIBER, MARK RUFFALO, RACHEL McADAMS, JOHN SLATERRY, BRIAN D'ARCY JAMES |
Há um quê de idealismo e responsabilidade moral que pautam esses
repórteres. Eles sabem que estão diante de algo grande e importante, que se
revela ainda maior na medida que avançam nas investigações.
O filme acompanha todo o processo
jornalístico, mostrando uma série de obstáculos na concretização da matéria sem
nunca transformar jornalistas em heróis. Para começar, há as negociações internas do
jornal, seja com o editor-chefe (John Slattery) ou com os outros colegas. Eles se vêem também
diante do dilema de enfrentar alguns dos integrantes mais influentes da
sociedade. Em uma cidade com domínio católico evidente, lidar com a Igreja é
um enorme desafio. Eles o fazem na Justiça para ter acesso aos documentos
confidenciais e entre os apoiadores do jornal que são ligados à Santa Sé de
alguma forma.
Os repórteres logo percebem que a Igreja Católica sabia dos delitos e orquestrava um complexo
sistema para abafar os ocorridos. Essa rotina foi estabelecida nos anos
1970 e continuava até a virada para o terceiro milênio.
Só depois de um árduo
trabalho de pesquisas e de compilação das mesmas num artigo final onde se tinha
a certeza de que tudo o que é relatado é verídico, é que o
diário “The Boston Globe” publica uma matéria completa e profunda que se
constituiu num furo jornalístico merecedor
do prêmio Pulitzer de 2003.
Pablo Villaça em sua crítica ao filme publicada em
“Cinema em Casa” em 30-12-2015, diz:
“Spotligh”
deveria ser exibido em todas as faculdades de jornalismo, para que os alunos
aprendessem como bons profissionais devem se comportar, e nas redações dos
grandes jornais e portais para que seus integrantes se envergonhassem do nível
lamentável ao qual chegaram.”
Encerramos essa matéria com a apresentação de Lady Gaga cantando a
música "Til
It Happens To You", que estava indicada ao Oscar de melhor canção original.
Por que?
Porque a canção liga-se a uma campanha contra a violência sexual nos
Estados Unidos. E o que “Spotligh – Segredos revelados” denuncia nada mais foi
do que a violência sexual cometida por sacerdotes contra crianças e
adolescentes indefesos.
A cantora foi chamada ao palco por ninguém menos que o vice-presidente
dos Estados Unidos.
Antes da apresentação, Joe Biden falou sobre a campanha "It's On
Us" ("Depende de Nós" em tradução livre) que busca acabar com a
violência sexual na América.
"Til
It Happens To You" ("Até Que Aconteça Com Você") foi escrita por Gaga
e Diane
Warren para o documentário "The Hunting Ground", sobre estupros
acontecidos nas universidades dos EUA.
Na parte final da música, dezenas de vítimas de abuso sexual subiram ao palco em um dos momentos mais emocionantes de toda a cerimônia.
Na parte final da música, dezenas de vítimas de abuso sexual subiram ao palco em um dos momentos mais emocionantes de toda a cerimônia.
Em nossa próxima postagem, daremos continuidade ao tema, abordando os desdobramentos e repercussões das denúncias feitas pelo “The Boston Globe”. Vamos desenvolver após inúmeras pesquisas os seguintes temas:
Ø
quais as leis, estruturas e dogmas
que deram vida à perversão no seio da Igreja;
Ø
como reagiu a instituição católica após as
denúncias;
Ø
as medidas tomadas para enfrentar a
prática dos crimes por Bento XVI (Papa Emérito) e pelo Papa Francisco;
Ø
as resistências às medidas baixadas pelo
Vaticano pelas organizações católicas tanto na Itália como no mundo;
Ø
medidas essenciais que podem ser tomadas para
combater a pederastia em suas raízes na Igreja Católica.
Até breve!
BIBLIOGRAFIA
CRÍTICAS DE CINEMA
1.
Villaça, Pablo – “Cinema
em casa” 30-12- 2015
2.
Oliveira, Alysson – “Crítica
Cineweb” – 05-01-2016
3.
Peixoto, Mariana – “Estado
de Minas” 07-01-2016
NEWSLETTER DO INSTITUTO
HUMANITAS UNISINOS
1.
“Spotlight” exibe bastidor de jornal que revelou
como igreja escondia pedofilia – 07-01-2016
2.
Em “Spotiligh” vence
também o jornalismo investigativo – 02-03-2016
3.
“Spotlight”: vitória na
categoria Melhor Filme é humilhação apropriada para a Igreja – 01-03-2-16
4.
“Que o eco de “Spotligh”
chegue ao Vaticano. É hora de proteger as crianças” – 02-03-2016