domingo, 29 de setembro de 2013

A INFLUÊNCIA SOCIAL DAS RELIGIÕES PELO MUNDO



A INFLUÊNCIA SOCIAL DAS RELIGIÕES PELO MUNDO


Nessa postagem apresentaremos o tema desenvolvido por Karen Armstrong numa entrevista concedida por ela, a Silio Boccanera, no programa Milênio, no dia 20/07/2013, apresentada pelo canal GNT .

Você terá a oportunidade de ler a transcrição integral dessa entrevista, onde Karen trata de vários assuntos os quais abordaremos de forma mais detalhada em outra oportunidade.

Você já ouviu falar em Karen Armstrong?

Vamos apresentar alguns dados biográficos para aqueles que não a conhecem.


               
Karen Armstrong é uma autora especialista em temas de religião, em particular sobre judaísmo, cristianismo e islamismo.

É uma das escritoras mais lidas do mundo. Não é teóloga mas alguém que popularizou e tornou mais fácil a discussão das questões religiosas através de seus livros, artigos e palestras que ela faz pelo mundo.

Ela nasceu em 1965, em  Wildmoor, Worcestershire, Inglaterra, no seio de uma família católica de raízes irlandesas. Em 1962, com dezessete anos, torna-se noviça na ordem religiosa Society of the holy Child Jesus e em 1965 tomou os votos de freira, assumindo o nome de Irmã Martha. Ainda no mesmo ano foi autorizada pela ordem a estudar Literatura Inglesa na Universidade de Oxford.

Decepcionada com a vida religiosa, Karen abandona o convento em 1969 e orienta-se para a realização de um doutoramento sobre o poeta Alfred Tennyson. Ao mesmo tempo começa a ensinar na Universidade de Londres. Porém, a sua tese de doutoramento foi rejeitada por um inspetor externo e Karen ficou impedida de poder ensinar na universidade. Todo este período foi marcado por problemas de saúde resultantes de uma epilepsia não diagnosticada e não tratada.

Em 1976 tornou-se professora num colégio feminino em Dulwich. Chega a ser diretora de departamento, mas devido a faltas provocadas por seus problemas de saúde foi convidada a abandonar a instituição em 1981.

Em 1981 publicou “Through the Narrow Gate”  (“Através da porta estreita”) uma obra que relatava a sua fracassada experiência no convento e que rapidamente se tornou um best-seller na Grã-Bretanha. Começou a ser convidada a participar como comentadora em programas de televisão.

Em 1984 escreve e apresenta um programa sobre a vida do apóstolo Paulo para a estação de televisão Channel Four.O trabalho que desenvolveu para concretizar o programa, que incluiu filmagens na cidade de Jerusalém, fez com que Karen mergulhasse de novo na esfera do religioso, depois de anos de afastamento, crítica e rejeição.

Desde então tornou-se uma aclamada e respeitada autora sobre religiões abraâmicas, investigando temas como o recrudescimento dos fundamentalismos religiosos nos nossos dias.

É também autora de uma biografia de Buda, que se destaca pelo trabalho de pesquisa que diferencia a história da lenda.

Em 1999, recebeu um prêmio do Centro Islâmico da Califórnia do Sul por defender o entendimento entre as religiões.

Karen Armstrong escreve regularmente na imprensa e muitos de seus artigos podem ser lidos no jornal britânico “The Guardian”.

Em 2005, Karem foi convidada a integrar a “Aliança das Civilizações”, um projeto secundado pelas Nações Unidas, cujo objetivo é lançar pontes de diálogo entre o Ocidente e o mundo islâmico.







Obras publicadas no Brasil

  •     1999 Uma História de Deus: quatro milênios de busca do judaísmo, cristianismo e islamismo. São Paulo: Companhia das Letras.
  •     2000 Jerusalém: uma cidade, três religiões. São Paulo: Companhia das Letras.
  •   2001 Em nome de Deus: o fundamentalismo no judaísmo, no cristianismo e no islamismo. São Paulo: Companhia das Letras.
  •    2001 Buda. Rio de Janeiro: Objetiva.
  •     2001 O Islã. Rio de Janeiro: Objetiva.·         
  •   2002 Maomé: uma biografia do profeta. São Paulo: Companhia das Letras.
  •  2005 A Escada Espiral: memórias. São Paulo: Companhia das Letras. 
  • 2005 Breve História do Mito. São Paulo: Companhia das Letras.        
  •  2007 A Bíblia: Uma Biografia. Rio de Janeiro: Zahar.        
  •  2008 A Grande Transformação. São Paulo: Companhia das Letras.    
  •  2011 Em Defesa de Deus. São Paulo: Companhia das Letras.


                      





                                                  


                               
















O Programa Milênio se inicia com uma retrospectiva de exemplos trágicos de terrorismo que tem ocorrido mundo afora praticados por fundamentalistas e extremistas de várias origens religiosas: islâmicos, cristãos, judeus, hindus, budistas.
A  entrevista se inicia com a discussão de se o assunto “Religião” pode ser discutido entre as pessoas como qualquer outro assunto. Há quem diga que futebol, política e religião não devam ser discutidos por serem assuntos de preferências pessoais que podem gerar atritos entre aqueles que se dispõe a discuti-los.
Karen se posiciona a favor de que religião seja discutida como qualquer outro assunto, esclarecendo que  a idéia de religião como algo separado dos outros aspectos da vida é uma invenção ocidental do começo da Idade Moderna.
É preciso que as pessoas busquem conhecimento a respeito das religiões para superar alguns entendimentos equivocados como aquele de que os livros sagrados em geral, e a Bíblia em particular, tragam explicações científicas sobre a origem do mundo. A interpretação literal de textos ditos sagrados, como a Bíblia, o Alcorão e outros pode acarretar muitos prejuízos na vida prática.
É necessário que os textos religiosos em geral e os bíblicos em particular, sejam vistos como aquilo que de fato são – documentos humanos situados no tempo e no espaço, refletindo as peculiaridades dos mesmos. Todo texto tem um contexto e não pode ser levado ao pé da letra, mas tem de ser estudado à luz do contexto em todos os seus aspectos (histórico, geográfico, social,econômico,político, religioso, etc).
Karen trata também do problema do mal como sendo algo inerente ao ser humano. Assim esse mal se apresenta tanto na religião como na política. Política e religião na história da humanidade acabam se misturando. Ela afirma que atualmente a concepção de Deus continua num estágio não desenvolvido e muito infantil, pensa-se em Deus de uma maneira muito humana e simplista que precisa amadurecer e se desenvolver tendo em vista uma maior transcendência.
Karen também se refere à figura do Papa Francisco, à dificuldade da convocação de um novo concílio dado ao conservadorisno da assembléia dos cardeais, a avaliação que Jesus faria do Vaticano se retornasse à Terra e à utopia pela qual ele deu sua vida, e a maior contribuição que a religião deveria dar à maior tarefa dos homens de nossa época que á a de construir uma comunidade global onde todos os seres humanos possam viver em harmonia.
Com vocês, então, a transcrição da entrevista de Karen Armstrong ao Programa Milênio.


PROGRAMA MILÊNIO – GLOBO NEWS
A INFLUÊNCIA SOCIAL DAS RELIGIÕES PELO MUNDO


Nem é preciso apelar para os exemplos trágicos de terrorismo para reconhecer o impacto negativo do extremismo religioso no mundo.
Fundamentalistas islâmicos se suicidam e matam em cidades como Madri, Londres.
Extremistas cristãos nos Estados Unidos matam médicos que praticam aborto.
Fundamentalistas judeus tomam terras dos palestinos sob a alegação de que Deus concedeu  só à eles esse direito.
Hindus queimam mesquitas muçulmanas na Índia. Atacam Sics.
Budistas atacam muçulmanos em Mianmar. Mataram mais de 200 muçulmanos nos últimos 12 meses.
São exemplos fortes de como a fé religiosa ou a distorção dela pode se  manifestar. O que tem de  ruim ou de bom, religião representa mais do que isso.Pode dar a sensação de transcendência, de valorizar algo maior do que o indivíduo,  um conforto espiritual. 
Disso tudo nos fala Karen Armstrong, uma das escritoras mais lidas do mundo, no tópico da religião, sua importância, seu impacto e suas distorções. 

Às vésperas de ir a São Paulo e Porto Alegre a convite do grupo “Fronteiras do Pensamento” ela recebeu Milênio em seu apartamento em Londres.   
 
                                  


Silio Boccanera – Há um padrão de comportamento social adequado ou de boas maneiras nas sociedades educadas que diz: “Religião não se discute, pois é uma questão íntima demais, particular demais”. Nós deveríamos discutir sobre religião, como fazemos com qualquer assunto?

Karen Armstrong- Com certeza devemos falar de religião. Não há porque colocá-la em um gueto peculiar próprio, e dizer que é proibido discutí-la publicamente. A idéia de que ela é absolutamente particular, pessoal, interna é uma invenção ocidental do início da Idade Moderna. A idéia de religião como algo separado de outros aspectos da vida é uma grande inovação. É parte do processo de modernização europeu. Até então não existia uma palavra que definisse a religião dessa maneira; era apenas parte da vida, ela permeava todos os aspectos da vida. Os romanos, por exemplo, não tinham uma parte separada da vida chamada religião. Não havia um dia especial para adorar os deuses. Eles não participavam de atividades especialmente religiosas, que não fossem políticas, militares ou sociais. Era como todo o resto. Isso é válido para todas as religiões do mundo. Nenhum outro povo ou cultura tinha um conceito que corresponda à religião da maneira como temos hoje. Assim “din” a palavra árabe é traduzida muitas vezes como religião mas na verdade significa o conjunto de seu estilo de vida social, político, econômico. Ao mesmo tempo temos essas interpretações, especialmente vindas de livros religiosos, livros “sagrados” que funcionam quase como um ditame para explicar a vida.

Silio Boccanera – A senhora leu a Bíblia, escreveu sobre ela. As pessoas dizem “Leia a bíblia e todas as explicações científicas do mundo estão lá ou seja, o mundo foi criado em seis dias, de uma só vez, todas as espécies apareceram, ele existe a cerca de 6000 anos...”  Mas  a Ciência, obviamente, nega isso tudo.

Karen Armstrong- Claro! E até o século XVI, ninguém lia o relato do primeiro capítulo da Bíblia, o Gênesis como um relato literal das origens da vida. Santo Agostinho, que pode ser descrito como o fundador do cristianismo ocidental, disse que se um terço das Escrituras contrariam a Ciência, ele deve ser interpretado de maneira alegórica. Até a Reforma no século XVI, as pessoas eram encorajadas a ler a Bíblia, uma vez de forma literal, para ver o que era. E uma segunda vez identificando o sentido alegórico, dando a ela um significado alegórico, um sentido místico e um sentido moral que deveria ser aplicado à vida atual de cada um, trazendo algo novo para aquela situação.

Silio Boccanera - Essa interpretação literal dos livros sagrados, a Bíblia, o Alcorão e outros livros sagrados pode ser muito prejudicial e tem implicações práticas.Vemos fundamentalistas cristãos interpretando literalmente o que a Bíblia diz sobre o creacionismo que a senhora mencionou. Vemos fundamentalistas judeus que alegam ter direito a todo território palestino, pois assim disse Deus, etc...

Karen Armstrong – O problema é que se você analisa esses textos, eles são muito contraditórios e qualquer leitura dos textos sagrados será extremamente seletiva. Eu os vejo como documentos humanos. A Bíblia, por exemplo, não é apenas um texto, é uma biblioteca de textos escritos em 1000 anos, todo um milênio por diversos escritores. Há nele mensagens totalmente contraditórias. Na Bíblia há mensagens que dizem que os judeus não devem achar que a Palestina é a terra deles. Então o que se faz é um exercício altamente seletivo. Eu acho que se eu fosse budista chamaria essa interpretação literal de inábil, ela não ajuda e pode ser extremamente danosa, além de não ser guiada pelo princípio da caridade. E eu gostaria de citar Santo Agostinho novamente. Ele dizia que se um texto religioso contradiz o dever da caridade e parece promover o ódio, mais uma vez ele deve ser reinterpretado, recebendo uma interpretação alegórica que nos leve em direção à caridade a ao amor ao próximo.

Silio Boccanera - Isso nos faz pensar no Alcorão, por exemplo. Segundo a interpretação literal do Alcorão, as mulheres são seres inferiores, os homens tem direito de bater nelas, os fiéis tem o direito de matar os infiéis. Os reformistas dizem que ele deveria ser lido no contexto de quando foi revelado, quando a religião estava sendo atacada e tudo aquilo diz respeito àquela época.

Karen Armstrong – Sim. E as pessoas aplicam ao hoje. Mais uma vez acho que os muçulmanos adotaram o costume ocidental de ler a Bíblia literalmente e essa literalidade se espalhou. E isso vem principalmente da Arábia Saudita. O Islã saudita, o Islã wahhabista, foi uma resposta a condições particulares da Península Arábica no século XVIII. Em termos cristãos, nós chamaríamos isso de “heresia”. Isso contradiz fundamentalmente os ensinamentos islâmicos e os sauditas acabaram por  espalhá-los pelo mundo todo, o que foi um desenvolvimento muito equivocado. O profeta Maomé, no Hadith, se posicionou contrariamente a violência contra a mulher. E nesse ponto ele chocou seus contemporâneos, típicos machos alfa que se sentiam no direito de bater nas mulheres.

Silio Boccanera – Alguns estudiosos muçulmanos acham que o Islã precisa de uma reforma, de uma renovação, de uma reinterpretação, que deveria acontecer agora com a experiência dos muçulmanos que vivem no ocidente e têm sido influenciados por outra coisas. Qual é a sua opinião?

Karen Armstrong- Que Deus não permita que a reforma deles seja como foi a nossa! Foi um período terrível, cerca de 8000 pessoas foram mortas. Foi parte da modernização da Europa e não desejo aquilo a ninguém. A última coisa de que precisamos é um Martinho Lutero do Islã, em minha opinião. Ele era um homem cheio de conflitos com algumas idéias muito radicais sobre as mulheres, judeus, etc. Mas o Islã tem vivido uma reforma contínua ao longo de sua história. Quando as pessoas negam isso eu me sinto constrangida pois mostram uma grande ignorância com respeito à história do Islã, que tem  se reinventado de maneira contínua. Mas eu diria, que esse processo estava em curso antes do 11 de setembro. Eu participo frequentemente de debates com muçulmanos, e sempre precisamos explicar sobre as mulheres, a gihad, etc. para pessoas que não sabem do que estão falando. Por isso eles continuam a agir de maneira defensiva e eu acho que esse tipo de ataque impede o progresso de desenvolvimento que estava acontecendo. E há muitas teorias interessantes no mundo islâmico hoje, mas elas não chegam às mídias dominantes.

Silio Bocanera - A senhora mencionou dois exemplos em momentos diferentes da história. A violência instaurada com a Reforma da Europa e os atentados de 11 de setembro. Dois exemplos de violência ligados à religião. As pessoas poderiam dar outros exemplos semelhantes. Nós temos visto isso. Os budistas atacarem os muçulmanos em Mianmar; hindus atacando muçulmanos e sics. Isso leva muitas pessoas a dizerem que a religião é um fator de maldades, um instrumento de violência e que ela é danosa à sociedade.

Karen Armstrong -  Estou escrevendo um livro sobre isso.

Silio Boccanera – Então é um assunto em voga...

Karen Armstrong – Sim. Talvez possamos falar disso daqui a alguns anos. Mas eu diria que o mal está em nós. Cada um de nós é capaz de fazer o mal, de cometer violência e crueldade. Se eu não tivesse uma vida tão privilegiada eu não sei... Eu acho que facilmente poderia ser terrorista. Eu odeio pensar no que poderia ter sido como mulher, se não tivesse tido oportunidades de estudar. Eu acho que eu nutriria muito ódio e ressentimento e eu acho que o laicismo na história recente não tem sido exatamente pacífico.  Na época do holocausto havia na Alemanha, num mesmo bairro, um campo de concentração ao lado de uma grande universidade,  um centro do iluminismo racional. Essa idéia de que nos livrando da religião tornando-a privada, de que assim teríamos paz, infelizmente isso foi... e as lutas religiosas normalmente são lutas nacionais.  Se você ouvir Osama bim Laden falando sobre porque ele realizou aqueles atentados terríveis no 11 de setembro...  Ele diz “porque vocês prejudicavam nossa religião”, mas ele também tinha motivos políticos “vocês interferem na política do Oriente Médio” e aí ele se refere à Israel e à Palestina.O lado político acaba sendo esquecido. E os dois, a política e a religião se misturam. Então, se nós nos concentrarmos, o mesmo acontece com o Hamas. As pessoas  sempre falam como eles são religiosos, mas na verdade,  eles não promovem o Islamismo na faixa de Gaza. É um movimento altamente nacionalista e se nos concentrarmos apenas na religião ao discutirmos essa questão, negligenciando a questão política não estaremos analisando o panorama completo e isso é muito perigoso. A religião prega esse conceito de que se está desagradando à Deus. Mas mais uma vez isso é uma declaração vazia. Porque nem todas as religiões acreditam  em Deus. Esse é um conceito monoteísta judaico-cristão. E eu concordo porque durante muitos anos eu odiei Deus. Deus me parecia uma espécie de grande irmão que vivia espionando o que eu fazia, que nunca estava satisfeito com nada que eu realizasse, mas obviamente  essa é uma concepção de deus muito infantil e eu diria que o deus bíblico é um kit para iniciantes. Você o recebe, ouve falar de Deus pela primeira vez quando é criança, e no mesmo momento em que falam do Papai Noel. E ao longo dos anos nossa visão do Papai Noel, muda , amadurece e se desenvolve. Mas no clima atual a concepção de Deus continua neste estágio não desenvolvido e infantil. Pessoas como São Tomás de Aquino, Maimônides ou Iben Sina, na tradição muçulmana ficariam horrorizados pela maneira como os clérigos falam de Deus de uma maneira tão simplista. Mas mais uma vez, Deus, essa personagem bíblica, do Deus grande irmão, é uma espécie de maneira humana de começar a pensar em Deus. Mas é um símbolo. E todas as linguagens religiosas devem observar através do símbolo para ver a realidade indescritível que está além dele usando vários tipos de meditação, rituais, etc. para fazer isso. É algo transcendental e transcender significa ir até onde as palavras e o pensamento  pode ir.

Silio Bocanera  -  A Sra. falou muito sobre sua experiência na Igreja. Certamente conhece  a Igreja por dentro, ou pelo menos algum aspecto dela. Foi escolhido um novo Papa, como nós sabemos oriundo da América Latina, o que é ótimo. Mas como nós também sabemos, a Igreja perdeu muito terreno. A sra. acha que é possível recuperar terreno, ou já está  tarde demais?

Karen Armstrong - Eu gostaria que o novo Papa saísse à sacada de São Pedro e dissesse duas coisas: Primeira:  “Desculpem, nós fizemos muita coisa errada. Os casos de pedofilia, por exemplo. Nós lamentamos muito, estamos arrependidos e vamos tentar reparar esse erro. Desculpem”. Isso ao invés de ficar andando em ovos, tentando acobertar e salvar a instituição. A segunda coisa que eu gostaria que esse papa fizesse. É aparecer naquela sacada e dizer:  “Vou voltar para a América Latina”. Estou muito interessada nele, e gosto de saber que mora em um apartamento de dois quartos e deixou aquela coisa toda do palácio pra trás.

Sílio Bocanera- A sra. quer mudar  o ditado para “Todos os caminhos levam à Buenos Aires?”

Karen Armstrong – Sim, por que não?

Sílio Bocanera – A Igreja passou por um grande período de reformas nos anos 1960 com o Concílio Vaticano II. Acha que está na hora de um Concílio Vaticano III?

Karen Armstrong – Seria ótimo, mas me pergunto quem participaria dele? Porque havia muitos bispos progressistas na época de João XXIII. Agora a Assembléia de Cardeais e Bispos tem sido muito conservadora, foram todos escolhidos à dedo. Os párias da Igreja tendem a ser os liberais. Nos EUA  há católicos que me dizem que depois dos escândalos de pedofilia nunca mais confiariam no clero da mesma maneira. E como poderiam? Isso é uma base fundamental de uma confiança sagrada. Agora é hora dos fiéis darem um passo à frente. E dizerem “Essa também é a nossa Igreja”. Eu tenho uma fantasia. Se Jesus voltasse à Terra, eu adoraria mostrar o Vaticano à ele. E deixá-lo ver  o que ele acharia daquilo.

Sílio Bocanera - Como no Templo?

Karen Armstrong – Exato. Expulsar os mercadores do Templo não seria nada perto do que ele faria. O Vaticano não representa o que Jesus pregava. Nem o que São Paulo pregava.

Sílio Bocanera - Suas crenças religiosas se tornaram uma crença na vida após a morte? Em um ser superior?

Karen Armstrong - Não. Crença é uma dessas palavras que mudaram de significado. A palavra inglesa para crença significa lealdade, compromisso. Ela é a tradução da palavra grega “pistis”. No Novo Testamento Jesus pergunta: ”Você tem pistis?” Isso não significa acreditar em algumas doutrinas. Significa compromisso. Jesus não pediu que as pessoas acreditassem que ele era a segunda pessoa da Santíssima Trindade. Uma idéia que eu acho o deixaria perplexo. Ele perguntou se as pessoas estavam preparadas para dar o que tinham aos pobres, para viver apenas com o básico como ele, pra viver como as aves do céu e os lírios dos campos, confiando em Deus, o Pai, e para trabalhar dia e noite  na construção de um Reino em que ricos e pobres se sentariam juntos. Compromisso. Ação. Foi apenas no século XVII que a palavra crença mudou de significado, sendo usada primeiramente por cientista e filósofos, para denominar a aceitação intelectual de uma proposição duvidosa. Na época da Reforma quando todos estavam discutindo a transubstanciação, a morte dessas crenças, a palavra  ganhou um significado que não tinha em outras tradições. O Budismo não tem crenças, trata-se apenas de práticas. O Judaísmo não tem crenças e o Alcorão é extremamente duro com teologias. A ortodoxia teológica que ele chama de “zana” suposições autoindulgentes sobre questões das quais ninguém pode ter certeza. Mas que tornam as pessoas irritadiças e burramente sectárias. O conhecimento religioso é uma forma de conhecimento prático. É como nadar ou dirigir. Você tem que entrar no carro e aprender.  Não se aprende a dirigir só lendo o manual do carro. Você precisa entrar e aprender fazendo. Todas essas doutrinas originalmente tinham um aspecto prático. Ou um ritual, ou uma prática ética. E se você não seguisse o ritual não a entenderia. É como nadar ou dançar. É uma forma prática de conhecimento.

Silio Bocanera – Isso nos leva ao que a Sra. tem promovido recentemente. O que chama de vida de compaixão, seguindo uma regra de ouro. Fale sobre esses conceitos.

Karen Armstong – Bem, em 2008 eu ganhei um prêmio da TED, que promove as TED-Talking e as TED Conferences. Eles dão às pessoas que eles acham que contribuem para um mundo melhor. Um prêmio que significa o desejo por um mundo melhor. Estava farta de ouvir líderes do clero se reunindo e falando sobre a homossexualidade. Ou dando ênfase a alguma doutrina em particular, quando a religião deveria dar uma contribuição maior a uma das maiores tarefas da nossa época que é construir uma comunidade global, na qual pessoas de todas as ideologias e etnias, possam viver juntas em harmonia. Se não conseguirmos isso, não teremos um mundo viável para a próxima geração. Mas a religião tem sido vista como parte do problema, por razões óbvias, eles não tem compaixão. Todas essas fés desenvolveram a sua versão da regra de ouro, que é nunca tratar os outros como você não gostaria de ser tratado. E esse é o teste de fé. Não uma doutrina, uma crença, ou uma ética sexual específica. O que se deve fazer é tratar o outro assim e essa é uma questão urgente. Se nós britânicos tivéssemos tratado os povos de nossas colônias de acordo com a regra de ouro, com maior respeito, não teríamos os problemas políticos que temos hoje. Muito obrigado!