terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O PRIMEIRO NATAL - O QUE PODEMOS APRENDER COM O NASCIMENTO DE JESUS


O PRIMEIRO NATAL

O QUE PODEMOS APRENDER COM O NASCIMENTO DE JESUS           





Em tempos natalinos aproveito para apresentar aos amigos de “Teologia e Espiritualidade” uma obra que versa sobre o que talvez sejam as histórias mais conhecidas do mundo: as histórias do nascimento de Jesus. E para apresentar alguns desenvolvimentos sobre o tema...

John Dominic Crossan e Marcus J. Borg são especialistas na história do cristianismo.

John Dominic Crossan é professor emérito do Departamento de Estudos Religiosos da DePaul University em Chicago, e especialista em arqueologia bíblica e autor de clássicos como “Em busca de Jesus”, “O Jesus histórico” e “Quem matou Jesus”.

Marcus J.Borg é professor titular de religião e cultura da Oregon State University e autor em parceria com John Dominic Crossan de “A última semana”.

Editora Nova Fronteira  - 2.008  

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O Natal é celebrado por dois bilhões de cristãos do globo, o que nos dá idéia da importância desta festa religiosa. Diante disso a forma como lemos e como interpretamos as histórias do nascimento de Jesus é relevante.

Essas histórias são mais ricas e mais desafiadoras do que se costuma imaginar, dizem os autores da obra. Eles declaram que não vão se preocupar com o aspecto factual das histórias da natividade embora o comentem também. Eles preferiram se concentrar em seus significados.

O que significaram no contexto do I século d. C  e o que significam as histórias do nascimento de Jesus para os cristão de hoje?

Para isso eles desdobram a tarefa para responder a estas questões em duas, ambas importantes para a história e para a teologia:

1ª Tarefa - Expor as narrativas e seus significados no contexto do século I d.C;

2ª Tarefa - Discorrer sobre seus significados para a compreensão e o compromisso dos cristãos de hoje.

O contexto do século I não é simplesmente histórico, mas também teológico. Diz respeito ao conflito entre uma teologia imperial e uma teologia fundamentada no Deus de Israel e em Jesus.

As histórias do primeiro Natal são, em geral, anti-imperiais. Há um significado e um desafio político nessas histórias, tanto em seu contexto antigo quanto no contexto atual.


A obra “O PRIMEIRO NATAL” pretende destacar o significado político das histórias do primeiro Natal, que frequentemente passa despercebido.  

Essas histórias afetam nossa vida como indivíduos, uma vez que elas falam de um tipo diferente de mundo. Um mundo onde o que Deus deseja não é a simples paz de espírito obtida por cada indivíduo isoladamente. O que se deseja é a paz na Terra, que só será obtida com a implantação da justiça em todos os níveis da vida humana.

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Vamos a seguir comentar alguns pontos levantados pela obra em seus dois primeiros capítulos, inserindo alguns aspectos já trabalhados por John Dominic Crossan em outra de suas obras: “Jesus- uma biografia revolucionária”.


OS EVANGELHOS SEGUNDO MATEUS E LUCAS


               
       Para início de conversa devemos estar cientes de que não temos uma história do primeiro natal, e sim duas. As histórias de Mateus e Lucas são muito diferentes entre si. Os leitores em geral não estão familiarizados com as grandes diferenças existentes entre elas, o que é absolutamente crucial para compreendermos os seus verdadeiros significados.

Há nas duas histórias algumas coisas em comum que estão inseridas em duas narrativas muito diferentes. O que as pessoas comumente fazem é harmonizar essas duas narrativas diferentes, combinando-as numa única história. Ou então se dá preferência a uma das versões, ignorando as contradições da outra.

Mateus e Lucas após o relato do nascimento de Jesus ou de seus primeiros anos passam imediatamente para sua vida adulta, ponto em que Marcos e João começam suas narrativas. É a presença de um relato de infância que exige explicação.

A questão chave é:

“Por que Mateus e Lucas nos contam alguma coisa sobre o nascimento de Jesus? O que esses relatos de infância deveriam ser?”

O leitor atento, crítico, cuidadoso desses evangelhos, ao fazer uma leitura comparativa de ambos vai logo perceber que os “fatos” narrados e os personagens envolvidos em cada evangelho são irreconciliáveis entre si, isto é, é impossível integrar ambas as narrativas em uma única versão que seja coerente e consecutiva.

Somente Lucas, por exemplo, tem os pastores e os anjos, o estábulo e a manjedoura, a primeira apresentação e o posterior encontro no Templo. Somente em Mateus tem Herodes e os Reis Magos, o massacre dos inocentes e a fuga para o Egito.

No relato de Lucas, Maria e José moravam em Nazaré, na Galiléia, onde Maria engravida. Em estado avançado de gravidez, eles viajam para Belém, na Judéia, por causa de um censo, onde Maria dá à luz, e Jesus nasce em um estábulo.

No relato de Mateus, Maria e José não moravam em Nazaré, mas em Belém, onde Jesus nasceu, e em casa. José e Maria são obrigados a fugir para o Egito para salvar seu filho da perseguição de Herodes. Nazaré só se transforma em seu lar após o retorno do Egito, depois da morte de Herodes.

Esses dois padrões de vida e de viagem são muito distintos e não se prestam a uma combinação.

Há entre ambas as narrativas também alguns pontos em comum: os nomes dos pais de Jesus, seu nascimento em Belém ao final do reinado de Herodes, o Grande e sua concepção pelo Espírito Santo.

Certamente a esse leitor ocorrerá a indagação:

“Por que os evangelhos de Mateus e Lucas ao narrar um mesmo fato histórico – o nascimento de Jesus de Nazaré - o fazem de maneiras tão discordantes?”

Para poder entender a razão das diferenças é preciso ter em mente que esses evangelhos têm visões separadas e distintas da vida adulta de Jesus. Assim também eles devem ter visões separadas e distintas de sua infância como abertura.

Apesar disso tanto Mateus como Lucas usam uma estratégia comum: ambos estão igualmente interessados em relacionar o nascimento de Jesus com as antigas tradições dos textos sagrados de seu povo.

O que deve ficar muito claro é que há a necessidade de lermos e ouvirmos essas narrativas, procurando reconhecer suas diferenças e lê-las como histórias separadas.

“LEIAM OS TEXTOS – E PRESTEM ATENÇÃO”, é o conselho dos autores que indicam ainda que FAZÊ-LO DEVE SER A BASE DE QUALQUER LEITURA SÉRIA DA BÍBLIA.


O NASCIMENTO DE JESUS EM LUCAS

Os capítulos iniciais de Lucas relatam dois nascimentos – o de João Batista e o de Jesus. Na concepção de João Batista se olha para o passado integrando o seu nascimento ao modelo do Antigo Testamento em que o filho predestinado nasce de um casal infértil e/ou idoso, de que sua própria concepção anuncia essa predestinação para a grandeza. Olha-se para o futuro, afirmando-se a primazia do nascimento de Jesus sobre o de João Batista. Se exalta Jesus, nascido de uma mulher virgem, transcendentalmente acima de João, nascido de pais estéreis e velhos.                

Lucas, nessa dupla história de infância envia duas vigorosas mensagens ao ouvinte ou leitor: João é a condensação e a consumação do passado de seu povo, mas Jesus é maior, muito maior que João.

Em Lucas as mulheres desempenham papéis mais destacados. A primeira mulher é Isabel, em quem se realiza o duplo milagre da gravidez de João Batista: ela era estéril e velha. O papel de Maria é muito maior do que em Mateus, em cujo texto ela é uma figura completamente passiva, que não fala e nem recebe qualquer revelação. Em grande parte da natividade segundo Lucas, Maria é o personagem central. José é quase invisível em Lucas, em nítido contraste com o que ocorre em Mateus.

A narrativa de Lucas inclui a parte mais conhecida da história do Natal: a realização do censo que fez com que José e Maria  se deslocassem de Nazaré para Belém, onde Jesus nasceu num estábulo e foi deitado numa manjedoura, onde com testemunho de pastores surge um anjo que declara: “Nasceu-vos neste dia, na cidade de Davi, um Salvador que é o Messias, o Senhor.

                     

O NASCIMENTO DE JESUS EM MATEUS

A narrativa de Mateus concentra-se em José e seu dilema em aceitar ou não Maria grávida e em Herodes e sua tentativa infrutífera de destruir Jesus.

Mateus também está interessado em relacionar o nascimento de Jesus com tradições dos textos sagrados de seu povo, mas em lugar de imaginar casais inférteis e concepções miraculosas, ele se centra exclusivamente na infância de Moisés.

A história de fundo supõe a narrativa básica do Êxodo, quando o faraó, governante do Egito, tentou exterminar todos os israelitas residentes em sua terra ordenando que se jogasse no rio Nilo todo menino que nascesse. Moisés nasceu nessa época, se salva e no fim liberta seu povo da escravidão do Egito e o conduz a terra Prometida.

Mateus faz algumas inversões.

Os magos pagãos lêem as estrelas e vêm de longe prestar homenagens a Jesus, enquanto que Herodes lê as Escrituras Judaicas e procura matá-lo. Para Mateus, Jesus é rejeitado pela autoridade de Herodes e é aceito pela sabedoria pagã.

          

José é o personagem principal. Maria não fala nem recebe qualquer revelação, e não o faz ao longo de toda história narrada por Mateus. O nascimento de Jesus é mencionado apenas numa frase passageira. Não há relato do nascimento em si, nem estábulo, manjedoura ou anjos cantando para os pastores na noite do nascimento de Jesus. Tudo isso vem de Lucas.

Não há referência à juventude de Jesus, a não ser dele ter crescido em Nazaré.

 Herodes também aparece como um personagem central. Ele é quem chama os magos, por eles sabe do nascimento e os incumbe de obter a localização da criança para matá-la. É a intenção homicida de Herodes que faz com que José e Maria fujam para o Egito. Mateus introduz uma terrível ironia: Jesus escapa de Herodes, mas agora é para o Egito pagão que ele deve fugir, a terra de que Moisés escapou. Com a morte de Herodes, eles pretendiam voltar para Belém onde viviam, mas para fugir do filho de Herodes, Arquelau,  eles vão para Nazaré.


       

SURGIMENTO DAS HISTÓRIAS DO NASCIMENTO DE JESUS


Como já vimos, as estórias do nascimento de Jesus só aparecem nos evangelhos de Mateus e Lucas. Esses evangelhos só foram escritos nas duas últimas décadas do século I, nos anos 80 ou 90 d.C. Eles não são os textos mais antigos do Novo Testamento.

Os textos mais antigos do Novo Testamento são as Epístolas de Paulo, escritas na década de 50 d.C., e o Evangelho de Marcos, escrito mais ou menos no ano 70.

Em Marcos e Paulo, não há menção de um nascimento extraordinário de Jesus. Marcos começa seu evangelho com Jesus já adulto; o nascimento nem sequer é citado. Quanto a Paulo, embora se refira duas vezes ao nascimento de Jesus, ele não menciona que este tenha sido algo excepcional. Não há indício de que se houvesse tratado de um nascimento incomum.

O evangelho de João, posterior a todos os outros escritos, por volta do ano 100 d.C., também não conta uma história do nascimento de Jesus.

O que se depreende dessas constatações é que as histórias do nascimento de Jesus não tinham grande importância para a cristandade dos primeiros tempos.

A razão pela qual não aparecem referências a um nascimento especial nos primeiros escritos cristãos - cartas de Paulo e evangelho de Marcos - se deve ao fato de que as histórias ainda não existiam, ou ainda estavam em processo de formação.

Conclusão: as histórias do nascimento de Jesus são relativamente tardias e não fazem parte da tradição mais primitiva sobre Jesus.

Sabemos que os evangelhos de Mateus e Lucas tiveram como fonte o evangelho de Marcos, que não faz menção nenhuma ao nascimento de Jesus.

As perguntas que surgem são:

 Por que Mateus e Lucas inventaram cada um  uma história diferente  sobre o nascimento de Jesus?

Que tipo de histórias são essas? Quais são os seus objetivos?

O que seus autores pretendiam que elas fossem?

Para muitas pessoas, cristãs e não cristãs, ou essas histórias relatam fatos que aconteceram ou não passam de fábulas. Não precisam ser levadas a sério. Para os autores de “O primeiro Natal” há uma outra opção: As histórias da natividade devem ser vistas como parábolas e aberturas.

A parábola é uma narrativa, uma história. Nelas as pessoas fazem coisas: algo acontece. Mas ninguém se preocupa em saber se os eventos das narrativas parabólicas são fatuais, isto é, se de fato aconteceram.

Como forma de linguagem, a parábola tem a ver com o sentido, não com a factualidade. O importante não é se os fatos narrados aconteceram de verdade ou não. O que importa é o significado que a narrativa traz.  
As parábolas são uma forma de linguagem metafórica. A verdade da parábola está no seu significado.

Jesus contou inúmeras parábolas, histórias cheias de significados e plenas de verdade. Ninguém se preocupa se as parábolas de Jesus são factuais. Todos concordam que Jesus as criou.

As parábolas de Jesus são importantes e verdadeiras, muito embora não sejam factuais, muito embora sejam histórias inventadas.

Ao ver as histórias do nascimento de Jesus como parábolas significa dizer que o significado e a verdade que possuem não dependem de sua factualidade. Não depende de as coisas terem acontecido do jeito que foram contadas.

Os autores vão situar essas antigas parábolas sobre o nascimento de Jesus em seu contexto do século I d.C.para que elas tornem-se vivamente significativas - vão situar o texto antigo no contexto antigo.

O que significavam essas histórias para as comunidades cristãs que as contavam, quase no fim do século I d. C.?

Os autores optam por ver as histórias da natividade como narrativas em parábolas (narrativas parabólicas) para que seja evitada a discussão ou os conflitos entre aqueles que as acham factuais ou históricas (crentes) e os que as acham mitos / parábolas (estudiosos).

Os autores acham que essa discussão além de ser infrutífera desloca a atenção da pergunta realmente importante:

O que significam essas histórias? Independentemente de haverem acontecido ou não, o que elas significavam e significam?


AS PARÁBOLAS COMO HISTÓRIAS SUBVERSIVAS

As parábolas que Jesus contava subvertiam as formas convencionais de perceber Deus e a vida. Elas convidavam a enxergar de outra maneira e por isso eram subversivas.

As histórias do nascimento de Jesus são subversivas. Elas subverteram o “mundo” em que Jesus e os primeiros cristãos viviam.Como histórias contadas por seus seguidores no fim do século I d.C., elas fizeram parte do depoimento deles, de seu testemunho da importância que Jesus passara a ter para eles.Eles haviam recebido de Jesus  uma visão diferente da vida através de seus ensinamentos, sua atividade pública, sua vida, sua morte.

Assim como Jesus contava histórias subversivas sobre Deus, seus seguidores contavam histórias subversivas sobre Jesus.

Seguem alguns temas subversivos das histórias sobre o nascimento de Jesus:

1.   Quem era o “rei dos judeus”?

Esse era o título de Herodes, o Grande, mas a história de Mateus  nos diz que ele se parecia mais com o faraó, o senhor do Egito, o senhor da escravidão,da opressão, da violência e da brutalidade. E seu filho Arquelau não era menos que isso.

Jesus, ao contrário, era o verdadeiro rei dos judeus. E os governantes deste mundo procuraram destruí-lo.


2.   Quem era o Filho de Deus, Senhor e Salvador do mundo, aquele que trazia paz na Terra?

Na teologia imperial romana, César,o imperador, era tudo isso. Não, diz a história de Lucas: essa posição e esse título pertenciam a Jesus. Ele e não o imperador, era a encarnação da vontade de Deus para aTerra.

3.   Quem era a luz do mundo?

Seria o Imperador, filho de Apolo, deus da luz, da razão e a ordem imperial? Ou será que Jesus, executado pelo império, era a luz nas trevas, a verdadeira luz pela qual os sábios deste mundo sentiam-se atraídos?


4.   Onde encontramos a realização do sonho de Deus para Israel e para a humanidade?

Na maneira como as coisas são hoje? Somente depois da morte? Ou num mundo diferente, do lado de cá da morte?


As histórias da natividade subverteram a consciência dominante do mundo no I século d.C, assim como subvertem a do nosso.

Os autores apontam que Mateus 1-2 e Lucas 1-2 contém um mínimo de informações históricas – apenas três informações históricas: Jesus foi uma figura histórica, cujos pais eram Maria e José e cujo lar era Nazaré, na Galiléia. Não quiseram fazer uma lista do que não aconteceu.

Reconhecem que o pouco de histórico que há nessas narrativas apontam para um significado parabólico. Não é suficiente dizer que tal fato não aconteceu. O importante é se perguntar: se não aconteceu, porque Mateus e Lucas o criaram? O que importa é a questão do sentido.


A INTENÇÃO DA  HISTÓRIA DA NATIVIDADE COMO ABERTURA   PARABÓLICA  EM MATEUS –

A intenção de Mateus em sua história de natividade como abertura de seu evangelho  é o paralelo entre Jesus e Moisés, um interpretação de Jesus como o novo Moisés – ou seja, o Moisés renovado.  Jesus era o novo Moisés, e Herodes o novo faraó.

Jesus é o novo Moisés de Mateus, aquele que entrega uma nova lei num novo Monte Sinai. Jesus dá uma nova lei no Sermão da Montanha (Nova Lei do Novo Monte). Há uma introdução repetida em cada um dos preceitos morais dados por Jesus: “Ouvistes o que foi dito aos antigos...Pois eu vos digo...”

 Em todos os preceitos morais a Lei é cumprida tornando-se mais severa e não mais branda, ela é radicalizada e não liberalizada. O refrão repetido “eu vos digo”, em contraste com o “foi dito” do começo desse sermão inaugural de Jesus, é a mais clara indicação de que para Mateus, Jesus era o novo Moisés.

Resumindo: Os capítulos 1-2 de  Mateus funcionam como uma abertura para o restante do Evangelho - capítulos 3-28 – é uma miniatura do Evangelho. O tema das duas partes é que Jesus é o novo Moisés.


A INTENÇÃO DA HISTÓRIA DA NATIVIDADE COMO ABERTURA PARABÓLICA EM LUCAS-

Lucas traz três temas importantes em sua abertura: a ênfase nas mulheres, nos marginalizados e no Espírito Santo.

A ênfase nas mulheres  aparece em sua abertura onde o foco principal incide sobre  Maria diferentemente de Mateus, onde o foco incide principalmente em José.

Há um equilíbrio entre mulheres e homens e no evangelho de Lucas se constata que ao mencionar as mulheres ele as equipara aos homens mais do que qualquer outro evangelho. Em diversas passagens aparece um protagonismo feminino. Apenas para citar uma, Lucas é o único que nomeia todas as mulheres que acompanhavam Jesus.

A ênfase nos marginalizados  se mostra  com o anúncio do nascimento de Jesus pelos anjos aos pastores. Como classe, os pastores situavam-se ainda mais baixo que os camponeses na ordem social.

             
Há na abertura uma preparação para um tema muito enfatizado no evangelho de Lucas – ele insiste mais que os outros evangelhos, nas obrigações dos ricos para com os pobres, os excluídos e os marginalizados.

A terceira ênfase é sobre o Espírito Santo, que aparece na abertura de seu evangelho, mas também na sua continuidade, que são os Atos dos Apóstolos.  Na abertura ele menciona a vinda do Espírito Santo a várias pessoas: a Maria, a Isabel, a Zacarias, a Simeão. A ação do Espírito vai aparecer também no início da vida pública de Jesus.

Os autores propõem que:

AS HISTÓRIAS DO NATAL SÃO ABERTURAS PARABÓLICAS BASEADAS NA TRADIÇÃO BÍBLICA, E NÃO EM FATOS HISTÓRICOS.

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          Na próxima postagem continuaremos abordando o tema, enfocando mais alguns capítulos da obra “O PRIMEIRO NATAL”, que tratarão do contexto das histórias da natividade de Jesus, as diferentes genealogias para o mesmo Jesus e as divergências sobre o local da sua concepção e nascimento.
       Aproveitamos a oportunidade para desejar a todos os nossos Leitores um renascimento interior que permita a todos abraçar a grande paixão de Jesus – o projeto de instalação no mundo do Reino de Deus – onde reinem a justiça, a paz e a fraternidade entre todos os seres humanos!
       Em 2013, arregacemos as nossas mangas para nos engajarmos no trabalho de concretização desse projeto que começa em nós mesmos, pela nossa transformação pessoal, e que deve se espraiar para os todos os nossos relacionamentos humanos!



quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

MADALENA: O ÚLTIMO TABU DO CRISTIANISMO

 

MADALENA: O ÚLTIMO TABU DO CRISTIANISMO


Iniciei a primeira postagem em plena aula de Informática... Enquanto aprendia como funcionava um blog, tive de escolher um texto para ser postado.

Por que não o texto "As mulheres de Jesus de Nazaré"?  Tinha lido o texto recentemente, e ele  revelava a faceta revolucionária de Jesus,dessa vez no plano das relações humanas, já que na sociedade judaica de seu tempo, a mulher tinha muito pouco espaço e o nível de independência era praticamente nulo.

No entanto, Jesus rompe com as tradições culturais de seu tempo e trata a mulher como igual, aceitando-as no seu círculo mais íntimo, de seus mais estreitos colaboradores, permitindo não só que elas estivessem presentes, mas fossem suas discípulas, dialogando com elas como pessoas livres, respeitando-as e valorizando-as em igualdade com o homem.

E dessa forma iniciou-se um caminho ideológico, ao qual dei seguimento na segunda postagem, com o texto "Maria Madalena, a mulher que amou Jesus", de Salma Ferraz.

Hoje, dando seguimento ao tema quero apresentar a vocês o livro "Madalena: O último tabu do cristianismo - O segredo mais bem guardado da Igreja: as relações entre Jesus e Maria Madalena", de Juan Arias.

 Em postagens futuras destacarei alguns dos trechos mais importantes da obra. Agora porém, quero deixar vocês em companhia  do autor, através de uma entrevista dada por ele em julho de 2006, à IHU On-Line quando fala do livro, da teologia atual e de sua trajetória pessoal.





 
 
Livro discute as lendas do cristianismo:
 



 
Madalena: esposa de Jesus?

As lendas criadas desde as origens do cristianismo em torno da personagem bíblica Maria Madalena são discutidas pelo jornalista e ex-vaticanista do jornal espanhol El País. O escritor afirma que Madalena não só foi esposa de Jesus, mas também foi a quem Ele mais confiou a propagação da doutrina cristã.

Juan Arias concedeu a entrevista a seguir à IHU On-Line, falando sobre seu livro, a teologia atual, a Igreja e sua trajetória pessoal. Arias é teólogo, especialista em assuntos do Vaticano e escritor. Foi correspondente na Itália e no Vaticano por 34 anos e é autor de dois livros sobre João Paulo II, El enigma Wojtyla. Madrid: El Pais, 1985 e Un Dios para Wojtyla. Barcelona: Grijalbo, 1996. Publicou também um livro sobre Maria, intitulado Maria, esa gran desconocida. Madrid: Maeva, 2005.

De Arias publicamos os artigos:

1.    “A igreja precisa de quatro pontífices”, na edição 137, de 18 de abril de 2005, dedicada à análise do pontificado de Bento XVI, Conclave pode eleger um santo, na edição 136, de 11 de abril de 2005;

2.    “O Papa que eu conheci”, na edição 135, de 19 de dezembro de 2005.

 

IHU On-Line - O senhor considera-se um provocador de polêmicas dentro da Igreja? Quando uma polêmica vale a pena e quando não?

Juan Arias – Ante as instituições, as polêmicas são sempre positivas quando levadas a termo com seriedade, porque o poder é conservador e tende a perpetuar-se sem se deixar contaminar pelo novo. Sem polêmicas, sem críticas, a Igreja seria hoje ainda mais conservadora. O Concílio Vaticano II, nos anos 1960, foi crítico e polêmico. Foi nele que o Papa João XXIII condenou os bispos e cardeais conservadores, aos quais chamou de “profetas de desventuras”, abrindo ele as janelas da Igreja ao mundo moderno.

IHU On-Line - O senhor afirma que Maria Madalena era esposa de Jesus. Quais são suas bases científicas?

Juan Arias - Não o afirmo somente eu. Afirmam-no hoje dezenas de estudiosos da Bíblia e teólogos modernos. Jesus teve que estar casado e ter família, o que era normal entre os judeus de sua época. O contrário era o “anormal” e não existe uma só linha nos Evangelhos canônicos de tal “anormalidade”. Esteve casado e teve família, como Pedro e todos os apóstolos. Nos Evangelhos gnósticos a evidência é maior, já que aparece que Maria Madalena era sua esposa, a quem “beijava repetidamente na boca”.


IHU On-Line - Os Evangelhos apresentam Madalena muito próxima e íntima de Jesus, porém, por que essa intimidade não poderia ser uma amizade maior do que a que tinha com outras pessoas?

Juan Arias - A relação de Jesus com Madalena era diferente daquela das outras mulheres. Não só porque o dizem os evangelhos gnósticos – alguns mais antigos que os próprios canônicos – senão porque aparece claro nos evangelhos oficiais, sobretudo no IV Evangelho atribuído a João, mas que pode ter sido escrito ou inspirado por ela. De fato, Jesus, ao ressuscitar, aparece a ela e não às outras mulheres, indicando que era a mulher a quem havia amado. Mais ainda, quando Madalena se dá conta que o cadáver de Jesus não estava no sepulcro, pergunta a um homem que estava ali por perto, que lhe dissesse onde o haviam colocado, para ela “ir buscá-lo”. O direito sobre aquele cadáver era da família de Jesus, de sua mãe, de seus irmãos. Por que ela se arroga esse direito sobre o corpo de Jesus, se não era sua esposa?

IHU On-Line - Por que Jesus teria escolhido Madalena e não outra de suas discípulas?

Juan Arias - Isso teria que ser perguntado a Jesus. No entanto, nos evangelhos canônicos e nos gnósticos aparece que é assim. Minha tese é que Madalena era uma iluminada, que inclusive ensinou a Jesus a doutrina gnóstica. Por outra parte, nenhuma outra mulher aparece nos evangelhos com o peso de Maria Madalena. Basta pensar que é a ela ele aparece antes de qualquer pessoa e pede-lhe que ela anuncie a grande verdade a Pedro e aos demais apóstolos, que, por certo, não acreditam nela. É curioso, porque Jesus, judeu que conhecia as normas de seu tempo, deveria ter sabido que não iriam acreditar nela, pois as mulheres não podiam ser nem testemunhas críveis num juízo.

IHU On-Line - Por que Maria Madalena seria o último tabu do cristianismo? Que tabus já foram superados?

Juan Arias - Pode ser considerado como o último tabu, porque com ele cairia o tabu do sexo que dominou uma igreja machista durante tantos anos. Se Jesus esteve casado e teve família, é evidente que o matrimônio – que já é um sacramento – seria mais importante que o celibato ou a virgindade. A Igreja já não apresentaria o sexo como “o pecado” por antonomásia e já não poderia manter que as mulheres não podem aceder à hierarquia sendo sacerdotes, bispos ou papas.

IHU On-Line - Quem foi, em sua opinião, Maria Madalena?

Juan Arias - Desde logo, é a mulher mais mencionada nos Evangelhos canônicos. Mais que a mãe de Jesus. Deve ter sido uma mulher culta e rica para sua época, pois ajudava economicamente o grupo dos seguidores de Jesus. O mais seguro é que havia sido iniciada no estudo da filosofia gnóstica, que ela pode ter ensinado a Jesus. E foi a escolhida por Jesus – como aparece nos Evangelhos gnósticos, com os enfados de Pedro – para revelar-lhe seus segredos e os mistérios mais complexos de sua doutrina. Sem dúvida, deve ter sido uma mulher excepcional, quando se tem em conta que, ademais de ser sua esposa, era a mulher que melhor conhecia Jesus.

IHU On-Line - O que mais mudaria na Igreja se sua afirmação fosse um dia reconhecida?

Juan Arias - Já disse que mudaria em matéria de sexo e de feminismo. Mudaria muito mais, porém, se se aceitar que foi Madalena, e não Pedro, a encarregada de levar a Boa Nova e a dar apoio aos apóstolos nos momentos de dúvida e de medo, ao anunciar-lhes que Jesus estava vivo. Toda a teologia sofreria uma revolução, e a Igreja teria que revisar as raízes de sua história. A Igreja Oriental chamava Maria Madalena de “a apóstola” por excelência.

IHU On-Line - O cristianismo tem futuro? Por quais caminhos sim e por quais caminhos não?

Juan Arias - Terá futuro na medida em que seja fiel à mensagem de Jesus, tantas vezes atraiçoada ao longo da história. Caso contrário, irá esgotando-se e dando lugar a novas igrejas.

IHU On-Line - Conheceu o teólogo José Maria Mardones[1], recentemente falecido?

Juan Arias - Conheci José Maria e foi uma grande perda sua morte. Costumo acompanhar todos os debates sobre o futuro da sociedade secularizada, sobretudo relacionada com o fato religioso. Agora mesmo estou acabando um livro sobre uma visão diferente do fato religioso, para explicar ao grande público como as religiões nasceram para buscar a felicidade dos homens e como as igrejas, ao apoderar-se das religiões, as manipularam até convertê-las em instrumentos de infelicidade.

IHU On-Line - Por que Ratzinger foi eleito? O que se pode esperar e o que está mostrando o atual Papa?

Juan Arias - Foi eleito porque se fez muito bem feita sua campanha eleitoral entre os cardeais, aos quais podia falar a cada um em sua própria língua, pois é um poliglota. Foi eleito porque o Colégio Cardinalício estava com medo do futuro da Igreja e queria um papa conservador na doutrina, que intentasse de novo “cristianizar a Europa”, algo que é pura utopia, já que falta um grande diálogo entre todas as grandes religiões e uma libertação de todos os fundamentalismos. Hoje não se trata de “cristianizar” nada. Os ares do fenômeno religioso vão por outros caminhos. Vivemos tempos de globalização e, quer nos agrade ou não, isso também influencia a religião. Hoje não pode haver ilhas separadas, países cristãos e não-cristãos. Hoje todas as grandes religiões se cruzam. O Ocidente põe os olhos nas religiões orientais, e o cristianismo está tentando conquistar o planeta chinês, enquanto o Islã penetra nas periferias européias. O que pode acabar com os fundamentalismos – já que é utópica a idéia de uma única religião no mundo, algo que só se poderia impor com as armas – é um ecumenismo sério. Não o que crê possuir a Igreja Católica toda a verdade e as demais devam acercar-se dela, senão a que tinha Paulo VI, de que Deus pôde semear partes de verdade em todas as religiões e temos que buscá-las juntos.

IHU On-Line - Seu colega, o jornalista Enric González, Vaticanista do El País, afirmou que a tentativa de Bento XVI cristianizar Europa se pensava no princípio do pontificado. Depois de um ano de Pontificado ele tornou-se complexo e de difícil avaliação (Conferir Notícias Diárias do sítio do IHU no dia 3/7/2006). O que o senhor pensa disso?

Juan Arias - Que uma coisa é ser cardeal e prefeito da Congregação da Fé e outra é ser Papa, uma torre de vigia de onde se vêem os problemas mais em perspectiva, tendo que escutar mais. Penso que a espinha dorsal do teólogo Ratzinger segue sendo a descristianização da Europa, mas é um homem inteligente e sabe também que pode ser uma causa perdida, de onde a abertura a outros campos. Oxalá se esqueça um pouco de que condenou tantos teólogos maravilhosos da Igreja e deixe aos teólogos a liberdade de investigação.

IHU On-Line - Nossa revista já dedicou uma edição especial ao papel de Paulo no Ocidente. Autores defendem a idéia de que esse papel foi fundamental, senão o cristianismo teria permanecido uma seita. Que pensa a esse respeito?

Juan Arias - É que minha idéia e a de não poucos teólogos modernos é que foi Paulo e não Jesus quem fundou “esta” Igreja. Por isso, o papel de Paulo é fundamental. As seitas deixam de sê-lo quando são aceitas oficialmente pelo poder e a seita judeu-cristã foi adotada pelo Império Romano, portanto triunfou; caso contrário, com Paulo ou sem ele, teria continuado sendo uma seita minoritária e até poderia ter desaparecido.

IHU On-Line - O que mais marcou sua trajetória pessoal e profissional?

Juan Arias - Sou um jornalista e escritor que me interessei – e seguirei fazendo-o enquanto tiver saúde – em dar a conhecer ao grande público, e não só aos especialistas, os mistérios da religião que são muitos, e a libertar as consciências do peso que sobre elas têm colocado as instituições mais conservadoras da Igreja.

IHU On-Line - O senhor sempre teve fé? Quais são as diferenças que pode haver entre a fé que o levou a ser padre, a que o levou a deixar o sacerdócio e a atual?

Juan Arias - Minha fé é no Deus que nos habita, de quem dizia Jesus à samaritana que não necessitaríamos, para adorá-lo, de igrejas nem de templos, pois poderíamos fazê-lo “em espírito e verdade”. Todo o restante não me interessa. Não creio num Deus onipotente e externo que pode fazer o que queira na história, porque, do contrário, nunca entenderia por que não evitou o Holocausto judeu e por que deixa as crianças morrerem de câncer. No fundo, é o tema de meu primeiro livro publicado faz mais de 30 anos e que se intitula O Deus em quem não creio. Acaba sendo-me mais fácil falar do Deus em quem não creio, do que no Deus de minha fé. Deixei o sacerdócio bem cedo, depois da revolução do Concílio Vaticano II e por incompatibilidade com aquilo em que eu cria e pensava da Igreja naquele momento.

IHU On-Line - Quais foram as experiências mais marcantes como co-responsável no Vaticano? O que aprendeu ali sobre a Igreja, especialmente sobre os bastidores da Igreja?

Juan Arias - É um chiste dizer que, quem vai a Roma perde a fé. Minhas experiências como co-responsável vaticano foram inumeráveis, pois conheci cinco papas. Pessoalmente, conheci Pio XII, João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. O papa Bento XVI eu conheci primeiro no Concílio Vaticano II e depois como Prefeito da Congregação para a fé, porém não como Papa.

Posso dizer que é muito difícil informar sobre uma realidade que é totalmente hermética como o Vaticano, onde ainda vige uma monarquia absoluta. Também conheci, porém, pessoas maravilhosas que lutavam contra o conservadorismo da Igreja e que eram as que costumavam dar-nos informação.

IHU On-Line - O que diria sobre o jornalismo? Como se unem em sua vida e atualmente teologia e jornalismo?

Juan Arias - Sem o jornalismo, viveríamos em ditadura. A informação é o sal da liberdade. Por isso tanto a odeiam os tiranos e os ditadores. Sempre defendi que é melhor um mau periódico, escrito ou virtual, do que a falta de informação. A teologia me interessa como “fenômeno religioso”, que é um fenômeno existencial e humanístico e me sirvo do fato de ser jornalista, quer dizer, de saber escrever para o grande público, para fazer conhecer minhas idéias a esse respeito.


IHU On-Line - Quais são hoje suas principais paixões e preocupações?

Juan Arias - Nesta margem da vida – vou completar 74 anos – minhas paixões são as de sempre: que as pessoas possam viver livres e felizes, sem tantos medos, começando pelo medo da morte. Encanta-me o padre Casaldáliga, a quem considero um santo em vida, quando diz, com o poeta que quer morrer de pé como as árvores. A natureza também tem sido para mim uma grande mestra de vida. Minhas preocupações maiores são que o mundo se faz violento em todos os sentidos, que se perde o respeito pela vida, por toda a criação que estamos violentando a cada instante. A sociedade humana tem, paradoxalmente, demasiadas certezas e não sabe fazer-se as perguntas que mais deveriam contar na vida. Existem rios, porém, subterrâneos de esperança, que um dia sairão à superfície.

IHU On-Line - Como vê o Brasil?

Juan Arias - Como um povo maravilhoso com uns políticos que se sujaram com a corrupção. O brasileiro é um povo alegre, lúdico, maravilhosamente sensual, acolhedor, de uma humanidade incrível, que sabe gostar das coisas da vida. Como me disse um dia a atriz Fernanda Montenegro, o que distingue um europeu de um brasileiro é que este “não tem vergonha de dizer que é feliz”.

IHU On-Line - O senhor vê a sociedade brasileira como uma sociedade secularizada?

Juan Arias - Não. Vejo a sociedade brasileira como impregnada de religiosidade, embora de uma religiosidade eclética. É difícil que um brasileiro não creia em algo, é quase cultural. Difícil encontrar no Brasil grandes ateus ou agnósticos. O “Dios te bendiga” da Espanha, quando era religiosa, continua vigente no Brasil e na boca de todos. Faz parte de sua cultura.


IHU On-Line - Como avalia a atual crise da contemporaneidade? O que realmente está em crise?

Juan Arias - Mudam somente as palavras. A sociedade contemporânea necessita do fato religioso, conhecido como mistério, como novidade, de modo igual como sempre. É religiosa de outras formas, com outros ídolos e outros deuses, porém segue com o mesmo temor do futuro que nossos ancestrais. Enquanto não se tiver resolvido a interrogação sobre por que se nasce e por que se morre, seguiremos fazendo-nos perguntas que, no fundo, são religiosas no sentido mais amplo da palavra. É curioso que hoje os mais interessados no “fenômeno religioso”, como curiosidade e mistério, são os cientistas, os quais afirmam que, quanto mais remexem na matéria, mais mistérios encontram. O que existe é a rejeição das igrejas, de suas alienações e de seu fundamentalismo, e não do fato religioso que, mesmo rechaçado pela porta, volta sempre a filtrar pela janela, embora às vezes disfarçado de modernidade.

Entrevista da Semana

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[1] José María Mardones(1943-2006), filósofo e sociólogo espanhol, autor da obra Dialética y sociedad irracional.La teoria de la sociedad de M. Horkheimer, pioneira na recepção espanhola da Escola de Frankfurt. A ele dedicamos à editoria Memória da edição 187 da IHU On-Line do dia 3/6/2006.

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