terça-feira, 9 de julho de 2013

RETROSPECTIVA - CEM DIAS DO PAPADO DE FRANCISCO


RETROSPECTIVA 
CEM DIAS DO PAPADO DE FRANCISCO



O dia 20 de junho de 2013 marcou o 100º dia do Papa Francisco no seu cargo.

O que as pessoas em geral e os fiéis em particular podem estar achando do seu novo papa jesuíta? Para muitos (católicos ou não) ele se tornou como uma pessoa da família. O Papa que era preciso... Com poucas e simples palavras ele consegue atingir o coração das pessoas, fazendo-se logo entender.

 Corre a pergunta: ”Será que na Cúria romana vão lhe deixar fazer a limpeza que é necessária?”

Francisco tem o senso da realidade. Demonstrou isso ao inverter a parábola do pastor que vai em busca de uma única ovelhinha perdida. Ele sabe que a Igreja Católica está passando por uma série crise com perda significativa de fiéis em todo o mundo. Disse ele: ”Hoje estamos em minoria, as ovelhas perdidas são 99, não podemos ficar penteando a ovelhinha que ficou”.

Alguma coisa mudou nos últimos 100 dias. Os enormes desafios enfrentados pela Igreja Católica – má conduta sexual, encolhimento das congregações e todo o resto – são reais e estão aí esperando solução.

Há uma tendência – percebe-se que católicos praticantes estão mais esperançosos e leves e católicos não praticantes se mostram de novo dispostos a dar ouvidos à Igreja.

A tarefa de Francisco será tornar a fé católica, o seu clero e as suas instituições mais convincentes em uma sociedade marcada pela descrença e pela difusão de outras religiões.

Isso tudo graças a Francisco, que há 100 dias, começou a compartilhar a sua visão de uma missão que une, em vez de dividir, uma Igreja que está verdadeiramente em sintonia com o seu mundo e com o seu povo.


A eleição

    O cardeal Bergoglio foi eleito em 13 de março de 2013, no segundo dia do conclave, escolhendo o nome de Francisco. Ele é:

        1- O primeiro jesuíta a ser eleito Papa;
        2- O primeiro Papa do continente americano, do Hemisfério Sul;
        3- O primeiro Papa não-europeu investido como bispo de Roma em mais de 1.200 anos, desde São Gregório III, que nasceu na Síria e governou a Igreja Católica entre 731-74.


   Quando lhe foi perguntado, na capela Sistina, se  aceitava a escolha, disse:"Eu sou um grande pecador, confiando na misericórdia e paciência de Deus; no sofrimento, aceito".



O anúncio (Habemus Papam)

     Quase uma hora depois de eleito, cem mil pessoas que esperavam pelo nome do sucessor de Bento XVI, na chuva que se alternava de fina a grossa na Praça de São Pedro, ouviram o Habemus papam, proferido pelo cardeal francês Jean-Louis Tauran:

Annuntio vobis gaudium magnum:
Anuncio-vos com grande alegria:

Habemus Papam!Temos um Papa!
Eminentissimum ac Reverendissimum Dominum,
Eminentíssimo e Reverendíssimo Senhor

Dominum Georgium Marium
D. Jorge Mario

Sanctae Romanae Ecclesiae Cardinalem Bergoglio  
Cardeal da Santa Igreja Romana, Bergoglio qui sibi
nomen imposuit Franciscum, que adotou o nome de Francisco.

Os dois silêncios

       O Papa Francisco assomou ao balcão da basílica para saudar os fiéis. 
       Foi o primeiro silêncio da noite memorável.

     Um silêncio de um papa que parecia examinar a multidão e de uma multidão que examinava o papa recém-eleito. Foi quebrado pelo Papa que pedia que todos rezassem pelo bispo emérito da cidade, seu antecessor. Após ao Pai-Nosso e à Ave-Maria seguiu-se outro pedido – o de que rezassem por ele. Inclinado em reverência, como se recebesse um sacramento, o papa Francisco foi abençoado pela multidão. 
     Novo silêncio.  
    Neste, a comunhão substituiu o estranhamento do primeiro.


     A multidão gostou do novo papa!
               



Os quatro ineditismos

    1-  O papa Francisco não saiu da ordem franciscana, mas da jesuíta. Jamais houve outro papa proveniente das fileiras da Companhia de Jesus.

  2- É o primeiro papa não-europeu em 1 200 anos.
 
  3- É o primeiro papa vindo da América Latina.


 4- É o primeiro pontífice desde João XXIII, a não ter participado do Concílio Vaticano II.


O Papa Francisco vem daquela América Latina em que vive a metade da população católica do mundo – 500 milhões de fiéis – e que conta com os países mais católicos do mundo: 150 milhões no Brasil, 92 milhões no México, 38 milhões na Argentina.

Francisco até ser eleito papa, era cardeal arcebispo de Buenos Aires, na Argentina.

Francisco fala espanhol que é a primeira língua do catolicismo mundial.


A Igreja de onde vem o Papa gozava, tempos atrás, de um “quase monopólio” religioso. Mas já se encontra diante de uma grave hemorragia, sendo ameaçada fortemente pela explosão das igrejas evangélicas e pentecostais. No Brasil, a Igreja católica perdeu um quarto de seus fiéis em 25 anos. Na Argentina, em 20 anos, quatro milhões a abandonaram para engrossar as fileiras das “seitas” evangélicas.

Duas Tendências Do Catolicismo Latino-Americano    

O novo papa, Jorge Maria Bergoglio reúne as duas tendências existentes no catolicismo latino americano,que dessa forma se farão representar na cúpula da Igreja.

Que tendências são estas?

      Há uma LINHA CONSERVADORA, representada por movimentos conservadores como Opus Dei, Legionários de Cristo, Comunhão e Libertação dos quais o papa é próximo. Há uma nova geração de bispos ligados à ortodoxia romana, por pregadores da Renovação Carismática, como o padre brasileiro Marcelo Rossi, que no estilo pentecostal, lota os estádios no Brasil.

     Para esses conservadores, teria sido a politização da Igreja dos anos 1960-1990 a responsável pela perda significativa de fiéis. Essa igreja politizada teria agregado as forças de oposição, as classes médias e intelectuais, mas havia negligenciado as necessidades espirituais da populações mais pobres dando espaço assim aos grupos evangélicos.

      Há também uma LINHA “NEOPROFÉTICA” que resiste e permanece fiel à opção preferencial pelos pobres, na confiança das “comunidades eclesiais de base” e na “Igreja popular”. 


    As novas teologias da libertação e os militantes engajados, padres e leigos, herdeiros das lutas de antigamente se dispõem a assumir o papel de vanguarda que os católicos são chamados a desempenhar nas lutas ecológicas, nas lutas em favor das populações indígenas, das mulheres, dos marginalizados.


"Ah, como eu queria uma Igreja pobre e para os pobres!"
A opção de Francisco

         Em seu discurso na manhã de sábado, 16-março-2013 para os jornalistas em Roma, o Papa Francisco explica porque o Bispo de Roma quis se chamar Francisco. Diz ele que alguns pensaram em Francisco Xavier, Francisco de Sales e também em Francisco de Assis. Ele conta que na eleição ele tinha a seu lado o Cardeal brasileiro Cláudio Hummes (arcebispo emérito de São Paulo, franciscano e apoiador da teologia da libertação) um grande amigo. Quando o número de seus votos já indicava que estava eleito, D. Cláudio o abraçou, beijou e lhe disse “Não te esqueças dos pobres!”


      Associando com os pobres, Bergoglio pensou em Francisco de Assis. Pensou nas guerras, e Francisco é o homem da paz. E assim surgiu o nome em seu coração: Francisco de Assis. O homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e preserva a criação. É nesse momento de seu discurso que ele expressa o desejo de ter uma Igreja pobre e para os pobres.


    
  FRANCISCO DE ASSIS, viveu somente 44 anos e, contudo, produziu um terremoto no catolicismo. Ao renunciar à posse de todos os bens materiais e defender um  cristianismo  purificado pelo ascetismo, o jovem rico de Assis, filho de um comerciante de tecidos, atraiu um sem-número de seguidores descontentes com uma Igreja que se afastava do povo ao se expressar pelo poder temporal sobre quase toda Europa até a Rússia, por imensas catedrais, suntuosos palácios e abadias grandiosas.

São Francisco optou por viver o evangelho puro, na mais radical pobreza, numa humildade que o colocava junto à Terra, no nível dos mais desprezados da sociedade, vivendo entre os hansenianos e comendo com eles na mesma tigela rasa de madeira. Nunca criticou o Papa ou Roma. Simplesmente não lhes seguiu o exemplo.

Na medida que  seguidores acorriam a ele, mais a ele se opunham, querendo conventos, regras e estudos. Resistiu o quanto pode e no fim teve que se render à mediocridade e à lógica das instituições que pressupõem regras, ordem e poder. Frustrado, voltou a servir os leprosos, deixando que seu movimento, contra a sua vontade, fosse transformado na Ordem dos Frades Menores.

A ordem franciscana sempre manteve uma atitude de desconfiança contra a Santa Sé, no que foi correspondida. Paulo VI afirmou ser impensável que um papa de nome “Francisco” pudesse morar no Vaticano, porque a contradição saltaria aos olhos. Pois foi um jesuíta, Bergoglio, a contradizê-lo.

A escolha do nome Francisco comoveu aos que sonham com uma Igreja mais pobre e lutam por um mundo justo, fraterno e de relações harmônicas. O Francisco de Roma, desde que o conhecemos, vive repetindo: o problema dos pobres não se resolve sem a participação dos pobres, não pela filantropia, mas pela justiça social. Esta diminui as desigualdades que castigam a América Latina e, em geral, o mundo inteiro.


A opção pelo nome “Francisco” constitui uma carta de intenções. Indica que o novo pontificado será marcado pela austeridade

  O editorial do New Catholic Reporter, de 23-03-2013 afirma que:

    o nome Francisco foi uma escolha audaciosa. O apelo feito por dom Cláudio pede uma redefinição das prioridades da igreja”.

 Foi um apelo que o novo papa entende em nível pessoal. Em Buenos Aires ele recusou a mansão cardinalícia e o carro privado com motorista. Morava num pequeno apartamento e usava o ônibus para trabalhar.


       Luiz Alberto Gómez de Souza, sociólogo cristão, escreveu:
   "Muitos dizem que Francisco falando dos pobres retira a bandeira dos governos progressistas da América Latina. Ao contrário, ele se coloca na mesma onda para exigir justiça social”.


  Essa centralidade do pobre vem lá de trás, da Igreja primitiva e, mais recentemente, do “Pacto das Catacumbas” de muitos bispos ao final do Vaticano II, em 1965, pedindo uma igreja despojada e pobre, e foi fortemente afirmada nas reuniões dos bispos da América Latina em Medellin (1968) e em Puebla (1979), com a declaração da “opção preferencial pelos pobres”. A centralidade do pobre está no centro da teologia da libertação das últimas décadas.

 Dizem que o papa Francisco não seria favorável a essa teologia, mas ele propõe o que está no coração dela e que vem sendo afirmado nas pastorais sociais e nas comunidades eclesiais de base.  

 É uma alegria ver o novo bispo de Roma confirmar o que tem sido o centro das comunidades cristãs católicas latino-americanas mais evangélicas, comprometidas e espirituais”.

       O novo Bispo de Roma

     
      
      Mais um ponto a ser realçado é que Francisco se apresentou fundamentalmente como Bispo de Roma, e nessa condição, ele é o primeiro entre os bispos, com quem terá de estar em profunda comunhão. 


    Essa forma de tratamento traz a imagem dos bispos do mundo inteiro unidos a seu irmão maior, o bispo romano.

       Referiu-se a Bento XVI como “bispo emérito”. 

       Não usou a palavra “papa” uma única vez.
        
Ao designar a si mesmo como bispo de Roma, Francisco afirma a colegialidade real prevista pelo Concílio Vaticano II. Convocado em 1961, por João XXIII (de origem humilde e também franciscano), concluído em 1965, por Paulo VI (descendente de família nobre), essa grande assembléia interna propunha a participação do bispado nas decisões da Santa Sé, de maneira semelhante ao que acontecia nos inícios da Igreja.

Roberto Romano, professor de ética e Filosofia na Unicamp e doutor em Filosofia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris em entrevista publicada pelo jornal Folha de São Paulo de 18-03-2013 com relação ao arejamento da igreja diz:

     “João XXIII foi um grande papa justamente por ter enfrentado o grande poder que a Cúria Romana tinha obtido sob o papado de Pio XII, convocando o Concílio Vaticano II. Isso permitiu que o papa Paulo VI governasse com colegialidade.


Com João Paulo II, a Cúria voltou ao centro, com repressão, perseguição, etc. Foi um dos papados mais repressivos da história da Igreja. Eleito Ratzinger, o papa Bento XVI, ele não conseguiu dominar a cúria. Esse desafio o papa jesuíta (Francisco) terá de enfrentar.

Há conciliaristas, que defendem o concílio e o colégio dos bispos como autônomos em relação ao papa. Há os que defendem o poder absolutista do papa. Conforme a crise, a igreja apela para a colegialidade ou para a hipercentralização do poder. O que Francisco pode fazer é, pouco a pouco, aumentar a colegialidade.”


      
Há toda uma ironia embutida nisso. Francisco, que não participou da assembléia conciliar, talvez seja finalmente o papa que se disponha a concretizar as propostas mais avançadas do Vaticano II, no que diz respeito ao governo da Igreja – e, assim, faça com que os bispos venham a desempenhar um papel de importância na tomada de decisões da Santa Sé.

Vejamos algumas palavras do papa Francisco sobre o tema:


     “Um dos títulos do Bispo de Roma é pontífice, isto é, aquele que constrói pontes, com Deus e entre as pessoas. Desejo justamente que o diálogo entre nós ajude a construir pontes entre todos os homens, de tal modo que cada um possa encontrar no outro não um inimigo, nem um concorrente, mas sim um irmão a acolher e abraçar!  

                   
A eleição de Francisco está repleta de símbolos, sinais de uma nova era

         O editorial do New Catholic Reporter, de 23-03-013 afirma que as indicações iniciais são de que as coisas serão diferentes. Os símbolos do início foram de tirar o fôlego. Os gestos mostrados pelo Papa Francisco desde que apareceu no balcão da Praça de São Pedro tornaram-se mais inspiradores de admiração à medida que se passam os dias:
  •        no momento de sua apresentação como Papa evitou quaisquer pompas do cargo, apresentando-se não em vestes suntuosas mas numa sotaina branca simples e com uma cruz simples;
  •       inclinou a cabeça e pediu que o povo orasse por ele, para que ele fosse abençoado, desta maneira compartilhando a função sacerdotal com os fiéis antes de abençoá-los;
  •     dirigiu orações que todos conheciam, o Pai-Nosso e a Ave-Maria -  fazia tempo que não se rezava de forma tão unida e tão fervorosa na Praça de São Pedro;
  •     falou de um modo tocante de um Deus misericordioso;
  •     andou numa minivam junto com seus irmãos cardeais, e não na limusine papal;
  •      em seu primeiro dia como papa, ele se encontrou com alunos e alunas, apanhou suas malas no hotel onde tinha ficado antes do conclave e pagou sua própria conta;
  •      Bergoglio desembarcou em Roma duas semanas antes do início do conclave – não usou carro do Vaticano à sua disposição. Ia a pé para a Santa Sé onde se desenrolavam as congregações-gerais.
   Quando recebeu o título de cardeal em 21-02-2001, Bergoglio mantinha hábitos espartanos. Sua rotina de trabalho começava às 4 e meia da manhã e terminava às 9 horas da noite. Morava sozinho, em um apartamento do 2º andar do edifício da arquidiocese, ao lado da Catedral de Buenos Aires, na Praça de Maio. Fazia sua própria comida. Andava de ônibus e de metrô. Ao ser nomeado cardeal, não comprou batina nova – pediu que lhe fosse dada a de seu antecessor, Antonio Quarracino, morto havia três anos.  E propôs aos fiéis desejosos de ir à Itália, para acompanhar a entrega do chapéu cardinalício, que doassem aos pobres o dinheiro destinado à viagem.
   
    Bergoglio é um jesuíta que elogiou a pobreza, que viveu em primeira pessoa como arcebispo de Buenos Aires, intérprete de um estilo de vida simples, longe do protocolo do Palácio, próximo das pessoas e daqueles que sofreram injustiças, razão pelo qual ganhou a fama de "BISPO DOS POBRES". Uma predileção pelos pobres que não diminuirá agora que foi eleito papa e reside no Vaticano.


  Francisco conseguirá transformar essa predileção pelos pobres em novas energias para a Igreja?


   A Igreja não deve fechar as portas a ninguém, nem mesmo a uma mãe solteira que pede o batismo para o filho, diz Francisco em uma de suas homilias em Santa Marta. Ele lança um apelo à Igreja para que não se transforme em uma espécie de "alfândega pastoral", com controladores da fé em vez de pastores prontos para acolher aqueles que batem à porta.


   Quando alguns de seus sacerdotes se recusaram a batizar filhos de mães e pais solteiros, ele os acusou de praticarem uma forma de neoclericalismo rigoroso e hipócrita. 

      Ele foi também o único clérigo católico que elogiou a vida de um ex-bispo que tinha renunciado ao sacerdócio para se casar.


  Dois dias depois de sua eleição, ele enviou uma mensagem de duas linhas que parecia rotineira. Era, pelo contrário, um terremoto que abalou a ordem antiga. Comunicou aos atuais membros da Cúria, que segundo a lei, devem renunciar ao final de um pontificado, que continuariam em suas funções temporariamente. Francisco rompe dessa forma com a tradição de reempossar automaticamente todos para um novo mandato completo. Ele avisou aos burocratas do Vaticano que “se reservaria um certo  tempo para reflexão, oração e diálogo antes de fazer qualquer nomeação ou confirmação definitiva.”


    O jeito costumeiro de fazer as coisas estava terminando.As indicações iniciais são de que as coisas serão diferentes.                                                                                                                                                            
Início do pontificado de Francisco
19 de março de 2013

  
     A Praça de São Pedro está cheia de fiéis para assistir ao rito que dá início ao pontificado de Francisco. Um pontificado que começa com um abraço em um homem paralisado que o papa viu de cima do jipe enquanto atravessava a praça antes da missa inaugural.


   Francisco ordena que o carro pare, desce rapidamente e se aproxima do homem – deitado em uma maca – que vira a cabeça com muita dificuldade e olha para ele com esperança e confiança. Poucas palavras, enquanto a multidão ao redor grita de alegria. O papa acaricia a cabeça e bate nas costas para lhe encorajar.


     Tem início a “IGREJA DA TERNURA”, a igreja curvada sobre os mais indefesos – como prega Francisco desde quando foi eleito – Igreja feita de sentimentos humanos antes que de palavras e programas. Francisco encarna esses sentimentos humanos respondendo às expectativas de milhões de pessoas crentes e não crentes, sedentos de humanidade.


          
         
        Francisco chega ao altar com uma simples mitra branca, sem luxos nem pompas, igual a todos os outros bispos e cardeais que concelebraram com ele. Durante a homilia, dirige-se à multidão como um pároco que reflete junto com seus fiéis.

      Projeta a sua igreja da pobreza e da ternura, uma igreja que leve à humanidade uma mensagem positiva, de amor e de misericórdia. Francisco diz que a ternura não é a virtude dos fracos, mas denota fortaleza de ânimo e capacidade de atenção. Cada palavra marca a imagem da Igreja que o novo papa tem em mente: compaixão, verdadeira abertura ao outro, amor.

    Cuidar é o tema que serve de fio condutor da homilia. Cuidado com toda pessoa, especialmente das crianças, dos idosos e daqueles que são mais frágeis.

  A concepção de Francisco sobre o poder papal é a de serviço: cuidar nos moldes explicitados por Mateus em seu evangelho de “quem tem fome, sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão”.


A 1ª Semana Santa do Papa
Francisco se apresenta ao mundo
"O verdadeiro poder é o serviço"

  Em 24/03, Domingo de Ramos, o papa Francisco faz um convite aos jovens durante a missa para serem discípulos e missionários: “É bom seguir Jesus; é bom andar com Jesus; é boa a mensagem de Jesus; é bom sair de nós mesmos e levar Jesus às periferias do mundo e da existência”.

   Em 27/03, Francisco faz seu primeiro ato de governo enquanto pontífice: a nomeação do novo arcebispo de Buenos Aires e primaz da Igreja da Argentina, dom Mario Aurélio Poli, 65 anos, bispo de Santa Rosa. Com essa nomeação, o papa Francisco esvazia as pretensões dos ultraconservadores de ditar a linha pastora da Igreja argentina.  Dom Mario comunga da postura e das ideias de seu antecessor (Cardeal Bergoglio) situando-se entre os bispos de linha moderada.


    Nesse mesmo dia, Francisco fez sua primeira “catequese”, na Audiência Geral ocorrida na Praça de São Pedro, quando diz: “Jesus viveu a realidade cotidiana das pessoas mais comuns: se colocou diante da multidão que parecia um rebanho sem pastor; chorou diante do sofrimento de Marta e Maria pela morte de seu irmão Lázaro; chamou um publicano como seu discípulo; foi traído por seu amigo. Ele convida os cristãos a entrarem no “caminho de Jesus”, viver a Semana Santa seguindo Jesus é aprender a sair de nós mesmos para chegarmos aos outros, nossos irmãos e irmãs, especialmente aqueles que são os esquecidos, os mais necessitados de conforto, compreensão e ajuda.

   Em 28/03, dirigindo-se ao clero na Santa Missa Crismal aprofunda o tema dizendo que os “ungidos” devem ir até onde o povo está, lá nas periferias, onde não falta sofrimento, há sangue derramado, há prisioneiros de tantos patrões maus. Os “ungidos” devem ser servidores, e sua função é pra ser desenvolvida para os pobres, os presos, oprimidos... Conclui sua homilia conclamando os padres há “serem pastores com o cheiro das ovelhas”.

   Mais tarde, no mesmo dia, durante a Missa da Ceia do Senhor, realizada no cárcere para Menores “Casa Del Marmo”, lavou os pés de 12 jovens infratores, entre eles, duas moças sendo uma muçulmana.

   Francisco pôs em prática aquilo que pregou pela manhã: foi até a “periferia da existência”, lá onde não falta sofrimento, sangue derramado. Justifica seu gesto de “ungido servidor” para os jovens: 

 "Lavar os pés significa: 'Eu estou a teu serviço'. Como sacerdote e bispo, devo estar ao vosso serviço. Mas é um dever que me vem do coração: amo-o. amo-o e amo-o fazê-lo porque o Senhor assim me ensinou".
           
    Na Sexta-Feira da Paixão (29/03) e Sábado de Aleluia (30/03), as duas homilias deixaram mais claros o projeto de seu pontificado: a reforma.
  
   Para ir para as “periferias existenciais” é necessário:
  • mudanças estruturais na Igreja, 
  • retornar às fontes e beber nela em busca de energia reformadora,
  • construir o “novo”, de volta à simplicidade das origens.

   No Domingo de Páscoa, 31/03, Francisco pede pela paz mundial. Condena o “pecado social” que gera a “escravidão” e a injustiça no mundo. ”Paz para o mundo inteiro, ainda tão dividido pela ganância de quem procura lucros fáceis, ferido pelo egoísmo que ameaça a vida humana e a família – um egoísmo que faz continuar o tráfico de pessoas. Paz para todo do mundo dilacerado pela violência ligada ao narcotráfico e por uma iníqua exploração dos recursos naturais. Paz para nossa terra!”

  A primeira Semana Santa do papa Francisco foi repleta de sinais, gestos, símbolos e palavras que apontam e descrevem o “horizonte de expectativas”deste pontificado:

  A Igreja deve deixar o centro de si mesma e caminhar rumo às periferias geográficas e existenciais da nossa sociedade - deve ir para todas as localidades, mesmo as mais afastadas e dirigir-se às pessoas marginalizadas da sociedade. 


Francisco, retorno ao Concílio Vaticano II
  
   O papa Francisco não tem medo de mostrar não só as descontinuidades do estilo com seu antecessor, Bento XVI, mas também as descontinuidades trazidas na Igreja Católica pelo Concílio Vaticano II.
  Muitos se perguntaram durante a primeira semana de seu pontificado, quando e como o novo papa abordaria a questão do Vaticano II. 

  O Papa Francisco deu seus primeiros passos para se levar a sério o quase desprezado Vaticano II projetando precisamente a imagem da Igreja imaginada pelo Concílio de modos diferentes:

  •       A escolha do nome Francisco apontando para uma “Igreja pobre para os pobres”
  •      A ênfase em si próprio como “Bispo de Roma” e não como Papa, o que indica uma posição menos autoritária e centralizadora na administração da Igreja, dando importância ao papel dos bispos no processo de tomada de decisão da Igreja;
  •  A  aceitação da reforma litúrgica do Vaticano II que se percebeu na  simplicidade da missa de início ao pontificado, sinal de que está deixando para trás a pompa e os costumes antigos de João Paulo II e Bento XVI que seguiam à risca os rituais litúrgicos. As celebrações ganham em emoção e leveza.
  •  A eleição do Conselho de Cardeais para o espinhoso tema da corrupção, e que parece se institucionalizar numa forma permanente de assessoramento papal ou em um governo colegiado;
  •   A reabertura  da discussão sobre o papel do papado nas relações ecumênicas entre as Igrejas, nas relações entre as religiões e civilizações:
  •    O beijo da paz entre o bispo de Roma e o patriarca ecumênico de Constantinopla - pela primeira vez na história o patriarca de Constantinopla se faz presente na missa de início do ministério do bispo de Roma;
  •    A presença de representantes de outras igrejas, do judaísmo e do Islã
      

Papa Francisco e o Patriarca de Constantinopla

 O Concílio Vaticano II (1962-65) revolucionou a vida católica com a aceitação da liberdade religiosa, do ecumenismo e da liberdade de consciência, entre outras reformas.

 De um modo geral, o Concílio adotou uma atitude mais positiva e aberta para com o mundo do que a Igreja jamais tinha assumido

    A maneira como foi entendido tem causado divisões profundas entre católicos conservadores e católicos progressistas. Por exemplo, os conservadores continuam achando que a missa deva ser realizada em latim, em todo o mundo. Já os progressistas aprovaram a novidade da missa rezada nos idiomas locais.

 No campo da liberdade religiosa, da liberdade de consciência e do ecumenismo o papa Francisco pronunciou-se quando falou da função do pontífice de construir pontes:


 "Não se pode viver verdadeiramente laços com Deus ignorando os outros. Por isso é importante intensificar o diálogo entre as várias religiões. É também importante intensificar o diálogo com os não crentes, para que nunca prevaleçam as diferenças, que separam e ferem, mas, mesmo na diversidade, vença o desejo de construir verdadeiros laços de amizade entre todos os povos."


O papa pobre assusta a Igreja dos conservadores  
A “oposição silenciosa”


    A reportagem de Jesús Bastante, publicada no Religión Digital, em 23-03-2013, que começa dizendo: “Ele é papa há apenas duas semanas, e parece que a história fez uma reviravolta”. Em um mundo cada vez menor, onde qualquer notícia chega imediatamente aos lugares mais remotos do globo, os primeiros gestos e decisões de Francisco geraram duas reações antagônicas

  • de um lado uma onda de otimismo e apoio sem precedentes nos últimos pontífices;
  • de outro críticas em silêncio e sob o amparo do anonimato, sobre a “humildade” do novo papa. 
    Ele é acusado de querer enterrar o movimento de marcha a ré, implementados por João Paulo II e de Bento XVI, que tentaram impedir a consolidação do Concílio Vaticano II  na Igreja. 

  Francisco protagonizou gestos certamente revolucionários: o chamado a uma maior austeridade, o sonho de uma “Igreja pobre e para os pobres”, a ausência de enfeites luxuosos em suas vestimentas, os gestos como o de pedir a benção do povo ou de ficar à porta da paróquia de Santa Ana para se despedir dos fiéis.


  Esses gestos também são indicativos que certas coisas estão mudando. Para o desgosto de quem?

  1- Da Cúria Romana – Jorge Bergoglio não é o papa que eles elegeriam. 

     Scola ou Scherer eram os homens destinados a uma “reforma tranquila”, que não tocaria no essencial e manteria o mistério em torno da figura papal e do papel dos órgãos do Vaticano. Interessava não tocar no essencial – que é o poder na mão de alguns poucos. Francisco foi claro. 
   
“O verdadeiro poder está no serviço".

2- Dos apologetas – os defensores dos dogmas e dos princípios católicos, que tem por certo a obediência cega à figura papal, tem a sensação de que o novo pontífice pode “trair” alguns princípios irrenunciáveis.


 Alguns deles já criticaram mais ou menos abertamente, a renúncia de Bento XVI por ter “descido da cruz”; eles temem que a abertura sugerida por Bergoglio “acabe quebrando a igreja”.
 Na história da Igreja, vê-se que os últimos cismas na Igreja Católica quase sempre ocorreram do lado dos ortodoxos, em momentos de papados reformistas.

 3-De muitos bispos principalmente na Espanha, que por enquanto estão esperando para ver se Francisco freia os passos que está dando ou que o tempo passe e a Cúria Romana consiga atar alguns de seus movimentos.

Marco Politi, vaticanista italiano, em reportagem publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, de 21-03-2013, diz que os primeiros gestos de Francisco, são desprovidos de teatralidade e teimosamente essenciais, e vão todos na mesma direção. 

  Os sapatos pretos com cadarços, a recusa a mitras pontifícias, a cruz de ferro, a casula simples em vez de pomposos paramentos, falar de pé, chamar os cardeais de irmãos, definir o poder como serviço, mandar para o sótão as pantufas púrpuras dos pontífices-soberanos significa desmontar toda a estrutura simbólica do poder imperial do papado e do imaginário quase divino sobre os quais ele se sustenta há ao menos dois mil anos. 


   

      
A simplicidade de Francisco versus a pompa de Bento XVI

  
    Politi adverte para o fato de que os grupos mais tradicionalistas estão perdendo a paciência. 


   Eles já ficaram extremamente  irritados quando Bento XVI renunciou, pois isto reduziu a imagem do papa, transformando-o em apenas mais um dos cardeais. A renúncia de Bento XVI tornou a Igreja, de um só golpe, mais humana e mais frágil.

   Agora Francisco mantém a tendência de se mostrar mais próximo do povo, dispensando e mudando ritos. Além disso, exalta as virtudes da “ternura” como inerente à missão papal, colocando de lado toda exibição de poder.



    Ainda Marco Politi, no mesmo jornal, Il fatto Quotidiano, de 28-03-2013 diz:

Jorge Bergoglio é um papa incômodo. Por enquanto, no Vaticano, todos o circundam com o obséquio devido ao novo chefe, mas o desconcerto  com sua obstinada intenção de se comportar como “bispo pobre” começa a irritar os prelados mais conservadores. No domingo de Ramos, Francisco já havia eliminado o anel de pescador dourado, retomando aquele de prata de Buenos Aires.


Duas semanas após sua eleição, Francisco ainda vive na residência Santa Marta, na suíte que de especial só tem uma sala para receber os colaboradores. A recusa a entrar no apartamento pontifício – que ele considera exageradamente grande – obriga a sua equipe a procurar uma alternativa para ele. Em suma, um papa que prega a pobreza está bem: mas, no Vaticano, um papa que quer viver em dois quartinhos não era necessário!

Alguns prelados já fizeram desaparecer em ocasiões públicas a cruz de ouro que usavam, mas não é que isso deixe todos de bom humor. de fato, a duradoura essencialidade e o estilo pobre do sucessor de Bento XVI está se tornando um sinal de alerta para aqueles que, no Vaticano, consentem com aquela "mundanidade" do consumo, que Francisco não tolera, ou que se sujam nos tráficos econômicos pouco claros ou consentem com relações íntimas masculinas ou femininas. 

O ponto de força de Francisco, e de preocupação para aqueles que temem suas reformas, além disso, é o fato de que ele absolutamente não exibe sobriedade. Ele é sóbrio, e ponto final.


 As resistências da oposição se desencadearão quando Francisco tocar em interesses, hábitos, ideologias enraizadas naquele mundo secular e clerical que não quer renunciar a uma Igreja-poder.


 Helmut Schüller,porta-voz do grupo de padres austríacos que, em 2011, rebelou-se contra o Vaticano, declarou em reportagem no sítio Religión digital de 14-04-2013:

 “Ao fazer mudanças, Francisco terá que buscar ajuda e enfrentar as congregações mais conservadoras, como Opus Dei, Comunhão e Libertação e Legionários de Cristo. Há décadas, a administração vaticana está fortemente controlada por esses movimentos. O maior poder do aparato do Vaticano consiste em não fazer nada, como após o Concílio Vaticano II, em que simplesmente não se aplicou o que havia sido preconizado. Qualquer um que trate de reformar coisas no Vaticano, e o que 'aí acontece por debaixo dos panos' irá se encontrar com gente dura, que não possui melindres".

  Os maiores riscos de confrontos internos não declarados surgirão da estrutura eclesiástica diante da determinação de Francisco:
A-  Exigir uma Igreja pobre e religiosos irrepreensíveis significa pôr em contradição estilos de vida e comportamentos, que envolvem milhares de hierarquias grandes e pequenas. Pôr em discussão palácios, carros, consumismo, carreirismo que proliferam no mundo eclesiástico, assim como em qualquer organismo social, convivendo lado a lado com existências totalmente desinteressadas dedicadas à missão.
B- Colocar a pobreza no topo da agenda implica em que a hierarquia eclesiástica pratique a transparência:

1- Tornando público o patrimônio (só na Itália, de trilhão de euros)

2- Publicando as contas das diocese 

3- Reformar o IOR (Banco do Vaticano) ou aboli-lo, substituindo-o por um bando ético, em conformidade com as normas internacionais.

 Não se trata de intervir em um ou dois problemas específicos – como a reforma da Cúria ou do Banco do Vaticano – é todo um sistema, que agora é chamado a girar em torno do eixo da “pobreza e da irrepreensibilidade.

Os principais entre os críticos do papa Francisco são os tradicionalistas litúrgicos que se deleitavam com a exaltação dos costumes antigos por parte de Bento XVI e agora estão assistindo horrorizados à maneira como Francisco rejeita as vestes extravagantes e rituais esmerados que estiveram em voga durante os últimos oito anos.


Os tradicionalistas, são grupos ultraminoritários da Igreja. São cristãos que romperam com Roma desde a aprovação do Concílio Vaticano II, há 50 anos, que estão em estado de choque com a escolha de Francisco como novo líder católico.


Para eles, um papa que se define como “bispo de Roma”, e não como sumo pontífice, que pede a benção dos fiéis antes de lhes conceder a sua, que troca a cruz de ouro pela de ferro e prega uma Igreja “pobre e para os pobres” não é digno de ser o sucessor de Pedro.

Para esses ultraconservadores, nenhum papa desde o Concílio Vaticano II é reconhecido como tal (João XXIII, Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI), por violarem os ritos do catolicismo tradicional, como a missa em latim. A cada novo conclave, esperam que um novo pontífice suspenda as regras do concílio e encerre o diálogo com as outras religiões.

Para eles, Francisco é o oposto do que se espera de um líder católico. Se pensar que um papa católico vai se encontrar com judeus e muçulmanos, como nos representará, se está escrito no nosso evangelho que só a Igreja Católica salva?

Há quem ache Francisco um retrocesso em relação a Bento XVI, que liberou a missa tradicional em latim.

O rito do lava-pés da Quinta-Feira Santa desatou a ira dos setores mais conservadores da Igreja católica. O que mais escandalizou foi Francisco ter lavado os pés de duas jovens. O problema foi visto com mais gravidade ainda porque o papa não só lavou os pés de duas mulheres, mas que uma delas não era católica, mas muçulmana.


Qual o problema? É que o rito romano do lava-pés é um rito para varões, assim está determinado nas regras do missal.


Acontece que na América Latina, o fato de haver mulheres na cerimônia do lava-pés constitui algo absolutamente comum (embora proibida pelo rito romano), razão pela qual, certamente, o Papa Francisco incentivou essa participação na cerimônia realizada na prisão juvenil de Casal del Marmo.

O liturgista Adolfo Ivorra escreveu um artigo com o título: “O Papa e a confusão litúrgica” onde afirma que desde que saiu à sacada da Praça de São Pedro muitos expressam seu estupor diante de uma mudança de 180 graus nos procedimentos do Papa,   que é o primeiro a não obedecer as regras do rito romano. Denunciando a participação de mulheres no lava-pés, Ivorra adverte que o relativismo entra em nossas casas e pede que o papa siga fielmente as regras do rito romano, e dê o exemplo aos demais sacerdotes e bispos de fidelidade às normas da Igreja. Para ele, o papa não pode reconstruir a liturgia segundo seus gostos.


O sacerdote Carlos Ros Caballar lembra a Ivorra que “Jesus era acusado pelos fariseus de que não respeitava as normas previstas pela lei de Moisés e pelas tradições judaicas. Ele negligenciava as normas”. Ele afirma que quando o Código de Direito Canônico e as normas litúrgicas são priorizadas em detrimento do Evangelho esse tipo de crítica de Ivorra se torna possível.


Já o liturgista José Manuel Bernal, defende que as celebrações de Francisco tem uma cor nova, rejuvenescida, mais quente, foge dos comportamentos estereotipados e convencionais, sem se tornar escravo das regras litúrgicas. As normas litúrgicas devem ser aplicadas com inteligência e bom critério. Essa é a linha do Vaticano II e assim se reflete no novo Missal.

Para Bernal, em relação ao lava-pés realizado por Francisco, o  que parece um escândalo para os tradicionalistas e conservadores é um grande passo, um ato emblemático, que há de marcar horizontes novos. Primeiro, por ter incorporado as mulheres a esse ato tão simples e exemplar realizado por Jesus na ceia. Porque não foi só um ato de humildade, é uma expressão de amor, de entrega e de serviço. O fato de uma das moças ser muçulmana está carregado de um impressionante espírito missionário e traduz uma grande mensagem ecumênica.

Diz Bernal “Uma vez mais os gestos se apoderam das palavras. Uma vez mais, também, a ditadura das regras sucumbe diante da força impetuosa do evangelho. O Papa Francisco está abrindo novos horizontes para a liturgia”.

Enfim, há muitos que acusam Bergoglio de querer dividir a Igreja. Francisco não terá vida fácil. Foi inclusive acusado de ser bem visto pela imprensa não católica.

Em muitos âmbitos eclesiais, tanto em Roma como em Madri, se escuta o seguinte desejo: “Esperemos que o deixem trabalhar e que ele não acabe como o pobre João Paulo I”. Essas palavras demonstram uma certa intranquilidade diante das reservas que o “tsunami Bergoglio” despertou nos setores mais ultraconservadores.

Para encerrar essa retrospectiva, vou citar as opiniões de um padre e de dois teólogos que encontraram ressonância em meu coração servindo como fecho para mais esta postagem:

    John O’Malley, padre jesuíta, proeminente historiador da Igreja dos EUA, afirmou que:

    “O papa João XXIII expressou a sua esperança em relação ao Vaticano II, em sua alocução no Concílio no dia de sua abertura, 11 de outubro de 1962. Ele queria que o Concílio mostrasse que a Igreja era ‘a mãe amorosa de todos,  benigna, paciente, cheia de bondade e misericórdia para com os filhos separados dela’.  Através de palavras e gestos, o papa Francisco está projetando exatamente essa imagem de Igreja” (IHU on-line, de 08-04-2013)

       O teólogo Hans Kung  pergunta: 

     "É o papa Francisco um paradoxo? É possível conciliar a figura do papa e a de Francisco, que são claros antônimos? Só será possível com um papa que aposte nas reformas no sentido evangélico."

       Diz Kung  que "se o papa Francisco adotar realmente as reformas, contará com o amplo apoio do povo, para além dos muros da Igreja católica. Mas, se ao contrário, optar por continuar como até agora e não solucionar a necessidade de reformas, o grito de indignação ressoará cada vez mais forte inclusive dentro da própria Igreja católica e provocará reformas a partir de baixo. A igreja católica poderá viver um primavera, ou viver uma nova era glacial correndo o risco de ficar reduzida a uma grande seita de pouca importância. (artigo publicado no IHU on-line de 18-maio-2013).

        O teólogo José Antonio Pagola diz que :

     “Francisco está inaugurando um tempo novo. Um novo estilo de igreja simples, pobre, humilde, próxima e dialogante, que se preocupa com a felicidade do ser humano”.

      Pagola diz que o papa deve encontrar um apoio total em nós, nesse desejo de uma igreja pobre para os pobres, porque se a igreja não escuta os clamores dos pobres, será surda. E, em seguida, ficará surda e muda, e não será capaz de anunciar a Boa Notícia. 

       É necessária uma renovação na qual a Igreja não é a mais importante, mas, sim, o Reino. Essa renovação não pode vir só do Vaticano. É preciso rememorar que o Cristianismo não é uma religião a mais, é uma religião para construir um mundo mais justo, mais solidário e mais santo.

      A Igreja perdeu a capacidade de atrair as pessoas porque não levou a sério o sofrimento dos inocentes. Devemos recuperar o Evangelho de Jesus que se encontra aprisionado no interior de uma igreja em crise. É preciso recuperar o protagonismo do Evangelho. Este é o futuro da Igreja”.  (IHU on- line, 30-maio-2013)