sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

PENSAMENTOS SIMPLES - PAPA FRANCISCO E O DESAFIO REAL PARA A IGREJA CATÓLICA HOJE


Olá, amigos de TEOLOGIA E ESPIRITUALIDADE!


Dessa vez voltei rapidinho para trazer um artigo que  li na Revista Veja, de 07 de agosto de 2013 , escrito pelo articulista J.R. Guzzo.  

Gostei muito do artigo e como ele trata do surpreendente Papa Francisco e da questão da perda de fiéis pelo mundo afora por que passa a Igreja Católica, temas  esses que desenvolvemos em nossa postagem anterior, resolvi compartilhá-lo com vocês.

     Espero que também apreciem a matéria!

Boa leitura...
Abraços!
Rosa Maria


PENSAMENTOS SIMPLES

PAPA FRANCISCO E O DESAFIO REAL PARA A IGREJA CATÓLICA DE HOJE



       
  O Papa Francisco foi-se embora do Brasil, levando consigo a sensacional simpatia que promete fazer dele uma estrela internacional. Deixou para trás aquele sorriso capaz de desmanchar uma pedreira de granito, e lembranças que muita gente guardará para o resto da vida. O mais importante para o futuro, porém, são as primeiras pistas que Francisco foi colocando aqui e ali, muito discretamente, sobre suas idéias gerais a respeito de como enfrentar a ameaça mais perigosa que a Igreja Católica tem pela frente hoje: a perda lenta, gradual e segura de fiéis pelo mundo afora, cada vez mais desinteressados em questões de fé religiosa como um todo, e da fé cristã em particular. Essa vazante é mundial – inclusive no Brasil, o país que a tradição diz ser o mais católico do mundo. Ano após ano, a Igreja de Roma vem perdendo fiéis brasileiros para religiões concorrentes, como os chamados cultos evangélicos, ou para a indiferença de um público muito mais interessado nas coisas materiais, que podem ser compradas com dinheiro e consumidas de imediato, do que nas coisas do espírito. Os seminários andam com taxas de ocupação abaixo do necessário, e em alguns dos países mais católicos da Europa já começam a haver mais igrejas do que padres.


Francisco, em sua visita ao Brasil,  não tem uma solução clara para isso, nem para o caminhão de outros problemas que a Igreja Católica carrega hoje nas costas – da pedofilia, que leva cada vez mais famílias a não colocar seus filhos em colégio de padre, à corrupção vulgar de qualquer república bananeira. Nem Jesus Cristo em pessoa, se pudesse descer hoje à terra, conseguiria destrinchar a horrorosa variedade de estorvos que seus pastores foram criando ao longo de vinte séculos – não nos sete dias que Deus precisou para construir o mundo. O que pode fazer, diante disso tudo, um homem só, por mais papa e mais infalível que seja? Pode, para começo de conversa, mostrar uma qualidade preciosa em situações como essa: a capacidade de encarar situações complicadas com seus pensamentos simples. O Papa Francisco parece capaz de fazer isso.


“Se uma pessoa é gay, procura o Senhor e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”, disse Francisco pouco depois de deixar o Brasil. Ele reclamou, é verdade, dos grupos gays que se formam para influir no Vaticano. Mas o que vale, mesmo, é a essência de sua convicção: sim, afirmou o papa, a pessoa pode ser gay e cristã ao mesmo tempo. Por que não? É o contrário do que sustenta há séculos a doutrina da Igreja, numa resistência teimosa, mesquinha e inútil à liberdade de costumes no mundo de hoje. Mas Francisco parece estar avisando que não pretende rezar exatamente por esse catecismo – e que não considera inteligente estreitar a porta de entrada na Igreja num momento em que o catolicismo perde um número cada vez maior de seguidores. Não parece fazer muito sentido, de fato, ficar com tanto enjoamento, numa hora dessas, para dizer quem está ou não qualificado para ser católico. Pelos critérios vigentes, um católico não pode ser gay, nem divorciado, nem casado com uma segunda mulher.  Não pode usar camisinha. Não pode casar se quiser ser padre, e tem de casar se quiser viver com uma pessoa de outro sexo. Não pode aceitar o aborto, trabalhar em pesquisas com células-tronco ou descrer de milagres e de outras coisas que ofendem a lógica mais elementar. Não pode achar que o homem vem do macaco, nem que as espécies evoluem e se transformam com o passar do tempo. Não pode isso, não pode aquilo – são exigências demais. Pior:  todas essas exigências não tem absolutamente nada a ver com nenhum valor moral. Uma pessoa pode levar uma vida perfeitamente exemplar, do ponto de vista moral, e ser divorciada, por exemplo. Por que, então, deveria ser excluída do catolicismo?


Eis aí o desafio real para a Igreja católica de hoje: aceitar como cristã toda pessoa que viva com decência, tenha valores e se comporte segundo um código moral. Está tudo explicado no Sermão da Montanha,  o texto mais importante o Evangelho e o primeiro guia de conduta apresentado à humanidade, junto com os Dez Mandamentos; é nele que Cristo ensina que o homem tem de ser honesto, tolerante e generoso, tem de dizer a verdade, saber perdoar e buscar a justiça, viver em paz e amar o próximo. Basta fazer o que está escrito lá – o que, por sinal, é muito difícil. Lembrar o Sermão da Montanha, que a Igreja jamais seguiu, poderia ser um bom começo para salvar o catolicismo no século XXI.


        (J. R. GUZZO – REVISTA VEJA Nº 32 – EDIÇÃO 2333 – 07 DE AGOSTO/2013- PÁGINA 134)




            

domingo, 19 de janeiro de 2014

VIAGEM DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL -28ª JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE


VIAGEM DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL

28ª JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE






De 22 a 28 de junho de 2013 ocorreu um duplo evento eclesial:
Ø  A visita do Papa Francisco ao Brasil
Ø  A 28ª Jornada Mundial da Juventude
  
O que dizia a Revista Veja, nº30, em sua edição de 24 de julho de 2013, antes dos eventos terem ocorrido, na reportagem “Onde houver dúvida, que eu leve a fé”, escrita por Helena Borges e Adriana Dias Lopes?

“Na Santa Sé, às vésperas do início da Jornada Mundial da Juventude, o grande encontro católico que o Rio de Janeiro sedia a partir desta terça-feira, 23, o ambiente em torno do Papa Francisco, variava conforme o gabinete. Da parte dos prelados que tocam o dia a dia da Cúria Romana, a sensação era de alívio: Francisco, enfim, ia lhes dar um respiro. Desde que foi escolhido papa, em março, seria a primeira vez que ele se ausentaria mais do que um dia do Vaticano. Mergulhado na cobrança de uma nova postura ética e moral do clero e nos preparativos de uma ampla reforma na Cúria, prevista para outubro, Francisco abriu mão das tradicionais férias de verão em Castel Gandolfo e vem trabalhando – e dando trabalho - intensamente. Para esses funcionários, portanto, a semana que Francisco passou no Rio foi relaxante.[...]

O Papa jesuíta de alma franciscana também terá a chance de exercer aqui sua catequese em favor dos pobres. [...] Sendo esta uma Jornada da Juventude e sendo os jovens os motores das manifestações de rua no Brasil, o pontífice vai aproveitar para transmitir aos devotos católicos e portadores de cartazes indignados, seu apoio a quem protesta contra a corrupção e as más condições de saúde e da educação, bandeiras defendidas pelo paladino da justiça social que sempre foi, desde os tempos de arcebispo em Buenos Aires.

Também cobrará da classe política uma mudança de atitude. O Papa é seguidor e arauto dos nobres princípios franciscanos, praticante da ética rigorosa, da simplicidade espartana e do compromisso com os destituídos. Francisco prega uma igreja aberta, devota, atenta aos fiéis. Critica com frequência as desigualdades sociais. Ao se apresentar assim no Rio de Janeiro, estará firmando uma imagem de pontífice popular, carismático e forte – o perfil mais adequado para atrair à Igreja Católica os jovens brasileiros que vem se desgarrando dela há anos”.


O que os especialistas têm a dizer a respeito da visita do Papa Francisco ao Brasil? Vamos ver algumas opiniões abalizadas...

SÉRGIO COUTINHO, historiador, em entrevista concedida à IHU On-Line, de 01-08-2013, definiu a primeira visita do Papa Francisco ao Brasil como apoteótica. Comparando sua visita com a de papas anteriores, ele diz que a visita do Papa Francisco teve um impacto muito maior que a visita de João Paulo II, em 1980, e muitíssimo acima em relação à visita de Bento XVI, em 2007.


MAGALI DO NASCIMENTO CUNHA, jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora da Universidade Metodista de São Paulo, no artigo “A Jornada Mundial da Juventude e a visita do Papa Francisco ao Brasil: notas reflexivas sobre mídia, religião e política” (IHU On Line de 31-julho-2013) é de opinião que :

“lentes e páginas da mídias nos mostraram o mesmo clima de jornadas anteriores, reunindo centenas de milhares de jovens motivados pela fé de orientação católica a renovarem seu compromisso com a Igreja e sua missão, muito em torno da presença carismática do seu líder maior, o Papa. A singularidade do encontro no Brasil, estava na presença do papa Francisco, recém-empossado, em sua primeira visita oficial. É possível afirmar de imediato que a realização da JMJ com a presença do Papa Francisco alcançou um efeito de peso: reforçou a instituição católica como a “grande religião” do Brasil”.


JOÃO LUIZ ROSA, em reportagem publicada pelo jornal Valor, de 19-07-2013, afirma que:

O destino da primeira viagem internacional de Francisco ter sido o Brasil foi muito adequado para a Igreja de Roma. Francisco é o primeiro pontífice do Hemisfério Sul, para onde tem se deslocado o eixo do cristianismo mundial nos últimos anos, e o único até agora a ter origem na América Latina, terra de boa parte do rebanho católico atualmente.

Francisco, o 266º papa da história, veio ao maior país católico do mundo para falar a um público de desperta a atenção de qualquer credo religioso: os jovens.

Muitas conveniências... Sob elas se acumulam indícios de que está em curso uma transformação radical no cenário religioso brasileiro. Parece inegável que o traço mais emblemático desse processo de transformação seja a diminuição da influência católica”.




             EM BUSCA DO REBANHO PERDIDO
Alguns dados e análises a respeito do Censo Demográfico 2000/2010


Em seguida, vamos apresentar alguns dados da reportagem de Luciana Leal e Clarissa Thomé, publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, de 30 de junho de 2012, que comentava dados do Censo Demográfico 2000/2010.


Os dados do Censo de 2010 demonstram que na última década, a Igreja Católica teve uma perda sem precedentes na História, embora continue a religião majoritária do país. Além da queda recorde na proporção de fiéis, a população católica encolheu pela primeira vez em números absolutos. Dados do Censo indicam que o total de católicos diminuiu 1,4%, enquanto a população brasileira aumentou 12,3%.

Em 2000, 73,6% da população brasileira era católica (124 milhões e 900 mil católicos).

Em 2010, 64,6% da população brasileira era católica (123 milhões e 200 mil católicos.

Em dez anos, a comunidade católica perdeu 1 milhão e 700 mil fiéis, uma população equivalente à de Curitiba. Em média, a Igreja perdeu uma média de 465 fiéis por dia.

Há 50 anos, a religião católica tinha predomínio absoluto, com 93% da população. Se for mantido o ritmo de declínio da última década, em 20 anos os católicos serão menos da metade da população.

O crescimento dos evangélicos é a maior causa da queda do número dos católicos, embora também tenham crescido os brasileiros que se declaram sem religião e os de religiões minoritárias, como o Espiritismo.

Divididos em três grandes categorias, os evangélicos continuam crescendo. Houve um aumento em números absolutos de 16 milhões de evangélicos entre 2000 e 2010 – ou 4.383 novos fiéis por dia.

Quanto ao aumento dos evangélicos pode-se dizer que:

Ø  Ele é puxado pelos pentecostais, principalmente os da Assembléia de Deus;

Ø  também por um novo fenômeno no mundo evangélico – o fiel “independente”, que segue a religião, mas não se vincula a nenhuma igreja específica;

Ø  há uma pulverização dos evangélicos que acompanha o surgimento de novas igrejas a cada dia.

JOÃO LUIZ ROSA, na reportagem mencionada anteriormente faz uma retrospectiva da queda dos fiéis católicos no Brasil:

“Em 1872, ainda na época do império, 100% da população brasileira se declarava fiel aos princípios de Roma. Em 1970, sob o regime militar, essa porcentagem era de 91,8%. Foi quando a tendência do declínio começou a se acelerar. E muito. De 1980 a 2010, os católicos passaram de 89% da população para 65%, uma queda de 24 pontos percentuais em apenas 30 anos.

Enquanto isso, os evangélicos tiveram um aumento de 15,5%, passando de 6,6% para 22% dos brasileiros. O impulso veio principalmente das igrejas pentecostais – grupos evangélicos mais recentes, com ênfase em habilidades especiais, como a habilidade de curar doentes. De 1980 a 2000, o número de pentecostais dobrou a cada década, de 3 milhões e 900 mil para 17 milhões e 600 mil de fiéis. Em 2010, eles já eram 25 milhões e 400 mil fiéis.”


Seguem dois gráficos que possibilitam uma melhor visualização da situação dos grupos religiosos do Brasil.



O primeiro quadro compara os dados obtidos no Censo de 2000 com os dados obtidos no Censo de 2010 em relação aos diversos grupos religiosos presentes no Brasil, incluindo também o das pessoas que se declararam sem religião e os que não sabiam se definir a respeito nada declarando.










O segundo quadro apresenta uma linha do tempo sobre as mudanças na distribuição de grupos religiosos no Brasil, no período de 1872 a 1991.













PROCESSO DE DIVERSIFICAÇÃO E INFIDELIDADE RELIGIOSA


        A professora e pesquisadora da religião SÍLVIA FERNANDES, da Universidade Federal do Rio de Janeiro diz:


Não existe uma inversão da sociedade católica para a protestante. O que há é um processo agudo de diversificação. O brasileiro não tem mais constrangimento de dizer que não é católico. A diversificação da sociedade, a modernização e o acesso a novas tecnologias fazem com que as pessoas tenham mais liberdade para dizer ‘sou sem religião’. Essa afirmação de identidade tem caráter muito fluído. A religião passa a ser um aspecto da vida social, onde é permitido experimentar. Com isso católicos e protestantes tradicionais ficam mais vulneráveis”.


Segundo o antropólogo RONALDO ALMEIDA, da Unicamp e do Cebrap, o novo mapa da configuração evangélica na capital paulista é fruto da especialização:

“Há uma diversificação e uma maior infidelidade a uma instituição específica. O sujeito ainda se identifica principalmente como evangélico, mas hoje ele molda sua experiência religiosa. Quando quer ouvir um louvor com mais música, vai a uma igreja; quando quer cura, vai a outra; quando busca mensagem espiritual mais forte, busca outras.”


A antropóloga DIANA NOGUEIRA, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, faz um paralelo com pessoas que querem perder peso e vão migrando de médico em médico:

“A religião fortalece e ajuda as pessoas, mas não resolve muitos dos desafios que uma vida de periferia urbana lhes impõe. Com isso, algumas pessoas vão de igreja em igreja, buscando soluções.”


CÉSAR ROMERO JACOB, diretor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) afirma:

O Brasil entrou definitivamente na era do pluralismo religioso. Passou de uma posição de hegemonia católica para uma de maioria católica. Mas a perda de espaço dos católicos para os pentecostais – e para os que se declaram sem religião, outro grupo em crescimento – não ocorre da mesma maneira em todo país. Há lugares onde a Igreja Católica perde muito e outros onde perde pouco ou quase nada.

A redução mais acentuada ocorre em regiões do país onde ocorre o fenômeno da migração. Sucessivas crises econômicas empobreceram tanto a população que a motivação dos migrantes passou a ser a da sobrevivência pura e simples. Os migrantes se viam fora de seu ambiente original, sem o apoio da família, de amigos, sem infraestrutura que lhes satisfizessem as necessidades mais básicas. A Igreja Católica também não estava presente nessas áreas. Esses grupos passaram a prestar mais atenção à pregação dos pentecostais. Estavam abertas as portas para o fluxo de conversões que se veria a seguir.

Diante desses dados todos, pode-se dizer que o Papa Francisco vai pregar naquele que provavelmente também é o maior país pentecostal do planeta”.


O professor RODRIGO FRANKLIN DE SOUZA, coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, em São Paulo, diz:

O avanço pentecostal não é a única preocupação da Igreja Católica. O próprio perfil de quem permanece católico mudou muito. Se no passado havia uma pressão para ser religioso, hoje existe uma força contrária, para não ser. O que se vê é que muitos católicos, são religiosos por opção; se há menos católicos no total, existe entre eles um número maior de praticantes. Contudo, os católicos não mantém uma obediência cega aos preceitos da Igreja Romana. A maioria dos católicos ignora solenemente alguns princípios preconizados por padres, bispos e cardeais. É o caso da proibição do sexo antes do casamento e do uso de métodos contraconceptivos como a pílula anticoncepcional. O divórcio, um ponto nunca digerido totalmente por Roma também se tornou comum, apesar de o matrimônio ser um sacramento para os católicos e, portanto, considerado indissolúvel.

O católico brasileiro ama ser católico, mas quer construir identidade própria, independentemente dos dogmas. Ele se identifica com a religiosidade, mas nos seus termos, o que vale também para as outras religiões.

Essa liberdade se soma com fenômenos culturais com raízes mais antigas, que fomentaram uma fé sincrética, que toma emprestados aspectos de diferentes religiões para criar uma expressão individual muito particular de religiosidade. No Brasil, todo mundo conhece alguém que se define como católico, mas acredita em reencarnação, jogas flores para Iemanjá no réveillon, mantém uma estátua de Buda na estante para dar sorte – elementos que nada tem a ver com a fé católica.

A pergunta é: Como esse católico pouco tradicional, vai responder a outras questões de ordem prática, sobre as quais a Igreja Católica tem posições claras, nem sempre em sintonia com o desejo da maioria? Questões como as do casamento gay que já foi legalizado em países tradicionalmente católicos; como a do aborto, outro tema explosivo que suscita discussões recorrentes, assim como as pesquisas com células-tronco. Se a Igreja Católica não conseguir convencer seus fiéis de que seus argumentos estão corretos, ficará na situação de pregar ao vento, sem ninguém para ouvi-la."


A figura de Francisco ajuda a capturar a atenção do público. Nas redes de tv e no noticiário em geral voltou à moda um bordão retirado de um rock nacional dos anos 80: “O Papa é pop.” O caráter midiático do chefe da Igreja Católica não pode ser subestimado.

   



Com a visita ao Brasil, será a hora de saber o quanto a imagem risonha e amigável de Francisco será capaz de contribuir para a recuperação de parte do rebanho perdido no país. Não será tarefa fácil porque a partir de João Paulo II, com desdobramentos ainda mais profundos sob a direção de Bento XVI, a Igreja seguiu uma rota de conservadorismo. A Igreja Católica se tornou “teológica” demais, muito preocupada com a preservação dos dogmas, mas distantes do dia a dia que afetam a vida dos seus fiéis.

O clamor por uma abordagem cotidiana e temperada com uma flexibilidade maior parece legítimo, mas acertar a dose não é coisa simples. Cabe a Francisco equilibrar os dois lados: as mudanças e a tradição.  



ALGUMAS ANÁLISES POSTERIORES À VISITA DO PAPA NO BRASIL

MAGALI DO NASCIMENTO CUNHA, no seu artigo mencionado anteriormente, faz uma súmula da visita do Papa:

“O Papa Francisco proferiu diversos discursos na semana que passou no Brasil falando:

·        aos jovens participantes da Jornada;
·        a participantes de missa no Santuário de Aparecida;
·      a participantes em visitas a uma favela, a um hospital,a um centro de tratamento de dependentes químicos;
·        a políticos e pessoas ligadas a organizações civis;
·        aos bispos da Igreja Católica;
·       além de falas mais breves em momentos como o de sua recepção e despedida.

Nesses espaços foram ressaltados:

Ø  o papel da Igreja como comunidade acolhedora que sai ao encontro das pessoas, em especial as pobres, das periferias, pois elas são intermediárias de um encontro com Cristo;

Ø  o papel do Cristianismo como gerador de fé que é  fonte de alegria e esperança;

Ø  o diálogo como caminho para um futuro melhor no mundo,instrumento na política, que deve ser reabilitada/revalorizada, e entre as religiões.


O Papa pregou a necessidade de um visão humanista da economia e de uma política que deve realizar cada vez mais e melhor a participação das pessoas, por isso, como se esperava valorizou as manifestações políticas públicas “como vigorosas contribuições das energias morais”.

Nesse sentido, afirmou que o Estado deve ser laico mas garantindo que as religiões preguem os seus princípios. Especificamente aos jovens, o Papa incentivou o seu papel como motor da Igreja e pediu que não desanimem com a política por causa da corrupção.






Esses conteúdos têm sido avaliados como positivos para um reposicionamento da Igreja Católica no Brasil que reabra espaços para teologias e pastorais comprometidas com demandas populares.

MARIA JOSÉ ROSADO NUNES, Presidente da ONG “Católicas pelo Direito de Decidir”, doutora em Sociologia pela École de Hautes Études en Sciences Sociales de Paris; Professora no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da PUC-SP, em entrevista à revista Carta Capital fez a seguinte crítica:

“A cabeça da juventude é uma cabeça que depende de inúmeros fatores e ser jovem não é sinônimo de ser progressista. Os jovens estão inseridos no meio social e pertencem a uma classe social. De que jovens estamos falando? A juventude é um mundo muito diverso em termos de sua inserção de classe, sua inserção de raça, em todos os aspectos. Se aqui no Brasil a gente tem a elite brasileira com a cabeça tão conservadora, é de se supor que os filhos e filhas dessa elite reproduzam de certa maneira esse conservadorismo.

Encomendamos uma pesquisa Ibope, no contexto da visita do papa, para mostrar o quanto a juventude está distante daquilo que são as proposições doutrinais da Igreja Católica. Há uma juventude que segue o papa, que vai às jornadas, mas que não pratica a doutrina proposta por ele. Acho que a gente não pode imaginar que toda essa juventude não faça sexo, seja heterossexual, não use camisinha e anticoncepcional. Uma coisa é a necessidade que eles têm,  digamos, de guias e de lideranças. Agora, essa juventude, qual é a proporção daqueles que seguem a doutrina?”

MAGALI DO NASCIMENTO CUNHA, termina seu artigo mencionado anteriormente com uma reflexão que podemos classificar como “já vi esse filme antes...”:

“Não dá para esquecer que o papa João Paulo II também encantou o Brasil e diferentes grupos da Igreja católica em sua primeira visita em 1980, no início de seu pontificado. Foi o primeiro Para a “peregrinar” pelo mundo, visto como papa do povo; sua atitude de beijar o chão ao descer do avião comovia o público. Na ocasião, João Paulo II falou da igreja que quer ser a igreja dos pobres, foi chamado por Dom Helder Câmara de “irmão dos pobres e meu irmão”, fez discurso em favor dos trabalhadores rurais, visitou a favela do Vidigal, para onde, num gesto simbólico, doou seu anel de ouro, entre outras situações.

 Tudo o que foi testemunhado pelo público, agora em 2013, em termos de encantamento com gestos, atitudes e palavras, foi igualmente presenciado em 1980. Cinco anos depois, o primeiro processo do Vaticano contra um teólogo da libertação do Brasil era concluído: frei Leonardo Boff foi condenado a um ano de silêncio obsequioso, perdendo o direito de lecionar e sendo destituído de funções editoriais. Foi o primeiro de muitos outros envolvendo brasileiros, latino-americanos e de outros continentes censurados.

Boff declarou em entrevista em julho de 2013 que o Papa Francisco lhe pediu uma cópia do seu livro sobre o novo pontificado “Francisco de Assis e Francisco de Roma”. Mais uma chave para abrir portas fechadas? Que não seja apenas uma fresta.”


A ENCÍCLICA OCULTA DE FRANCISCO NO RIO DE JANEIRO


    A reportagem com o nome acima, de autoria de JEAN MERCIER, foi reproduzida na newsletter do IHU OnLine de 07-08-2013, da qual destacaremos alguns trechos a seguir.


        O papa Francisco aproveitou sua viagem ao Brasil para fazer dois discursos maiores aos bispos da América Latina. Dois textos fortes que não param de provocar ondas.

        Oficialmente a primeira encíclica do Papa Francisco intitula-se Lumen Fidei, e foi publicada no começo do mês de julho passado. Mas ela foi escrita principalmente por Bento XVI; Francisco contentou-se em lhe acrescentar uma espécie de posfácio.

Na realidade, o papa trabalhava em outros textos, aqueles que iria pronunciar na Jornada Mundial da Juventude, e especialmente, em dois discursos fundamentais endereçados aos bispos.


Discursos fundamentais aos bispos

          





        No sábado, 27 de julho, em encontro a portas fechadas com mais de 300 bispos brasileiros, o Papa Francisco fez um discurso ousado abordando questões difíceis e exigentes do domínio da pastoral, em um texto muito forte, onde incentivou que os padres “saiam de suas sacristias em direção aos fiéis mais marginalizados” para entender melhor os seus problemas.

         Ele instigou os bispos a fazerem um exame crítico do fracasso da Igreja Católica no Brasil que consiste em impedir que milhares de fiéis se aproximem das igrejas evangélicas.

Na manhã seguinte, 28 de julho, ele ampliou seu propósito através de uma alocução aos bispos responsáveis do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celan) no quadriênio 2011-2015.  

O conjunto desses dois discursos constitui uma espécie de encíclica “oficiosa”, verdadeiro programa para o pontificado, cujo fio condutor é uma autocrítica severa e o apelo à conversão da instituição.


A seguir uma súmula dos aspectos principais tratados por Francisco no seu discurso aos Bispos.


O ROMPIMENTO SILENCIOSO DOS DECEPCIONADOS COM A IGREJA

Como nenhum Papa antes dele, Francisco se confronta com a dolorosa questão dos católicos que abandonaram a Igreja, fenômeno atestado na América Latina, mas que é conhecido em todos os países, especialmente os europeus, nos últimos 50 anos. Ele lembra assim dessas pessoas que abandonaram a Igreja Católica e se deixaram seduzir por outras propostas religiosas.


Esta questão, considerada tabu durante muito tempo, é ocasião para uma severa autocrítica:


“Talvez a Igreja lhes pareça demasiado frágil, talvez demasiado longe das suas necessidades, talvez demasiado pobre para dar respostas às suas inquietações, talvez demasiado frias com elas, talvez demasiado autoreferencial, talvez prisioneira de própria linguagem rígida, talvez lhes pareça que o mundo da Igreja seja uma relíquia do passado, insuficiente para novas questões; talvez a Igreja tenha respostas para a infância do homem, mas não para sua idade adulta.”


O Papa acusa a Igreja de ser de tal maneira exigente em seus “padrões” que desencoraja o conjunto das pessoas:


“Muitos buscam atalhos, porque se apresenta demasiado alta a ‘medida’ da Grande Igreja. Também existem aqueles que reconhecem o ideal de homem e de vida proposto pela Igreja, mas não tem a audácia de abraçá-lo. Pensam que este ideal seja grande demais para eles, esteja fora das suas possibilidades; a meta a alcançar é inatingível.”


Uma Igreja chata, rígida, fria, centrada no seu umbigo! Nunca Bento XVI e João Paulo II fizeram semelhante autocrítica. Bergoglio não tem medo de dizer a verdade ao pensar em todos esses que se afastaram da Igreja:

“Perante esta situação, o que fazer? Necessitamos de uma Igreja capaz de encontrá-los em seu caminho. Precisamos de uma Igreja capaz de inserir-se na sua conversa. Precisamos de uma Igreja que saiba dialogar com aqueles discípulos, que, fugindo de Jerusalém, vagam sem meta, sozinhos, com o seu próprio desencanto, com a desilusão de um cristianismo considerado hoje um terreno estéril, infecundo, incapaz de gerar sentido. (...) Hoje, precisamos de uma Igreja capaz de fazer companhia, de ir para além da simples escuta.”


O LUGAR DAS MULHERES

O Papa não hesita em tocar em outro assunto tabu na instituição: o lugar das mulheres.





                “Não reduzamos o empenho das mulheres na Igreja; antes, pelo contrário, promovamos o seu papel ativo na comunidade eclesial. Se a Igreja perde as mulheres, na sua dimensão global e real, ela corre o risco da esterilidade”.

Embora a menção seja lapidar, é a primeira vez que um Papa reconhece que a Igreja perdeu parte da sua credibilidade em relação às mulheres.

A solução passa, segundo Francisco, pelo exercício da maternidade na Igreja, isto é, pelo exercício da misericórdia. [...]  Sem a misericórdia, temos hoje poucas possibilidades de nos inserir em um mundo de ‘feridos’, que tem necessidade de compreensão, de perdão, de amor”. Nesse campo há progressos a realizar: “Num hospital de campanha a emergência é curar as feridas”.

A outra dimensão é a empatia afetiva e a proximidade: “Eu gostaria que hoje nos perguntássemos todos: Somos ainda uma Igreja capaz de aquecer o coração?”



A REFORMA DA IGREJA A PARTIR DA MISSÃO, E NÃO DA BUROCRACIA OU DA IDEOLOGIA


O Papa defende “toda uma dinâmica de reforma das estruturas eclesiais” que se tornaram obsoletas. A reforma deve ser feita partir de um critério específico: a missão, e não a sofisticação administrativa... A ”mudança das estruturas” (das caducas para as novas) não é fruto de um estudo de organização do sistema funcional eclesiástico. (...) O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionaridade”.


O Papa exorta a uma revolução pastoral mais que administrativa. O Papa denuncia o funcionalismo que “olha para a eficácia”, que se deixa fascinar pelas estatísticas e “reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG”.

DAR VIDA À COLEGIALIDADE COM OS LEIGOS E A DESCENTRALIZAÇÃO EM RELAÇÃO À ROMA


Francisco recorda a importante valorização dos leigos na missão:


“Nós, pastores, bispos e presbíteros, temos consciência e convicção da missão dos fiéis e lhes damos a liberdade para irem discernindo, de acordo com seu caminho de discípulos, a missão que o senhor lhes confia? Apoiamo-los e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida submissão?” O Papa também pediu aos bispos para confiar no “talento” de seu rebanho para encontrar novas rotas. O bispo deve guiar, o que não é o mesmo que dominar”.


Como solução, o Papa recorda a importância dos conselhos:


Os Conselhos paroquiais de Pastoral e de Assuntos Econômicos são espaços reais para a participação dos leigos na consulta, organização e planejamento pastoral? O bom funcionamento dos Conselhos é determinante. Acho que estamos muito atrasados nisso”.


Ansiosamente aguardado sobre o tema da colegialidade entre bispos, Francisco reabilita a vitalidade local, em detrimento de uma abordagem centrada em Roma. Rompendo com a visão de seus predecessores, que desafiaram a autonomia das estruturas nacionais, o Papa Francisco valoriza as “Conferências Episcopais” como “um espaço vital”:


“Faz falta, pois, uma progressiva valorização do elemento local e regional. Não é suficiente uma burocracia central, mas é preciso fazer crescer a colegialidade e a solidariedade; será uma verdadeira riqueza para todos”.


Esta visão confirma a atitude de Francisco em sua vontade de realinhar o papado como serviço de unidade. Ele se considera primeiro como bispo, em vez de Papa – Bispo de Roma – como ele lembrou várias vezes no Rio de Janeiro, seja aos jovens, seja aos bispos. “Eu gostaria de falar de bispo para bispo”, confidencia aos seus interlocutores do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM).


O Papa implora por intercâmbios a partir de uma consulta às bases, sem esquemas pré-mastigados pela burocracia eclesial. Isto já foi uma exigência dos Padres do Concílio Vaticano II, em sua abertura.


RETOMAR O DIÁLOGO COM O MUNDO ATUAL

Sem rodeios, o Papa voltou aos fundamentos do Vaticano II, citando a famosa fórmula introdutória da Gaudium et Spes:


“As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”.


Atento aos sinais dos tempos, o Papa evoca a questão da adaptação às “questões existenciais do homem de hoje, especialmente das novas gerações, prestando atenção à sua linguagem”, e leva em conta a existência de universos culturais extremamente diferentes.

 “Deus está em toda a parte: há que saber descobri-lo para poder anunciá-lo no idioma dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo diferente”.

Encontramos aqui a paixão jesuíta pela inculturação.

Nesse contexto, a conversão pastoral cabe ao próprio bispo, que deve ser um modelo:


Os bispos devem ser pastores, próximos das pessoas, pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e misericordiosos. Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior quer a pobreza exterior, como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham ‘psicologia de príncipes’. Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja sem viver na expectativa de outra”. 


O Papa mencionou claramente o carreirismo daqueles que buscam uma “promoção” para dioceses de maior prestígio.



Vamos conhecer algumas outras análises e opiniões a respeito do discurso de Francisco aos Bispos do Brasil.


DISCURSOS E GESTOS


PAULO SUESS, doutor em Teologia Fundamental, com um trabalho sobre Catolicismo popular no Brasil.

Segundo ele, “os discursos mais importantes do Papa Francisco são seus gestos. Sua ida para Lampedusa foi mais importante do que sua Encíclica Lumen Fidei. O gesto de visitar a comunidade de Varginha foi mais importante do que seu discurso lá proferido”.


Em relação ao discurso para os Bispos do Brasil, ele afirma que o mesmo é uma releitura do Documento de Aparecida 2007.

Perguntado sobre como entendia a crítica de Francisco ao atraso da igreja latino-americana, ele colocou que:

- “atrasados são aqueles setores que acreditam ser possível melhorar a vida do povo através de alianças com as elites...”
- “atrasados são aqueles que sentem os problemas e tem medo de atitudes proféticas...”


SUESS cita palavras de Francisco, proferidas em 6 de junho,  em seu diálogo com a junta diretiva da Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas  quando pediu:


Nessas andanças arriscadas podem cometer erros. Podem até receber uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé recriminando suas atitudes. Não se preocupem! Expliquem e sigam adiante!  Abram portas e façam algo, onde a vida clama! Prefiro uma Igreja que comete erros à uma Igreja que adoece por ficar fechada”.


O jesuíta Bergoglio, com seus 76 anos de vida, aprendeu que a primeira virtude da colegialidade episcopal e da comunhão eclesial não é a obediência, mas o diálogo. Por isso pede as Igrejas locais a solidariedade radical com os pobres e uma lealdade crítica e dialogal com Roma: “Não tenham medo da denúncia... Vão passar mal, vão ter problemas, mas não tenham medo! Essa é a profecia da vida religiosa!”




SÉRGIO RICARDO COUTINHO, mestre e doutor em História, professor do curso de pós-graduação lato-senso em História do Cristianismo Antigo da UnB, entre outros títulos e funções.

Em entrevista a UHU On-Line ele comenta sobre a compreensão de “conversão pastoral” em Francisco.

CONVERSÃO PASTORAL – MUDANÇAS DE ATITUDES

A compreensão de “conversão pastoral” em Francisco, vai, antes de mais nada, muito além das mudanças meramente “estruturais” na Igreja. Ela se refere muito mais a “mudanças de atitudes”.

Neste encontro com os bispos do CELAM, Francisco propôs seis conjuntos de questões que poderíamos resumi-las numa só:

Temos dado, enquanto Igreja-hierárquica, espaço para a atuação madura e responsável dos agentes de pastoral e dos fiéis leigos, isto é, do conjunto de todo o povo de Deus, na missão da Igreja no mundo de hoje?“

        Para Francisco, as mudanças de atitudes devem seguir o seguinte roteiro de “pautas eclesiológicas”:


a)   uma Igreja que quer ser discípula missionária precisa se “des-centrar”, sair de si, e ir para as “periferias existenciais”;

b)   para isso é necessário que a Igreja assuma uma postura maternal, deixando de ser controladora para ser servidora e facilitadora;


c)   daí, uma aproximação que toma a forma de diálogo para criar uma “cultura do encontro”;

d)   neste sentido é necessário que tenhamos bispos-pastores com “cheiro de ovelhas”, próximos ao povo, que amem a pobreza, sem a “psicologia de príncipes”.






DESAFIO DO DISCERNIMENTO CONTRA A IDEOLOGIZAÇÃO DA MENSAGEM EVANGÉLICA


                O Papa Francisco também condenou o abuso de poder na Igreja e a inclusão de ideologias sociais no evangelho, seja marxista, seja liberal.
 Como a Teologia da Libertação recebe essa crítica?

 O que é possível se falar sobre a Teologia do Povo ou Teologia Popular, seguida por Francisco?


        Segue a resposta de SÉRGIO RICARDO COUTINHO:


        Em relação ao abuso de poder na Igreja, não só os (as) teólogos (as) da libertação denunciaram essa prática, mas ela ainda é uma das reclamações mais ouvidas e combatidas por muitos agentes de pastoral e fiéis em geral. Uma parte da explicação para a sangria de católicos para outras denominações cristãs está nessa prática que o Papa Francisco chama de “clericalismo”.


Sobre a leitura que a Teologia da Libertação faz e a chamada Teologia do Povo, que Papa Francisco parece se inspirar, há de fato pontos de partida diferentes, mas que não se excluem.


        No discurso para os Bispos do CELAM, Francisco exemplificou a “tentação” de uma leitura ideologizada da mensagem evangélica a partir do modo como se queria utilizar o método ver-julgar-agir em Aparecida.


Ali, segundo Francisco, sofreram a tentação de se querer “ver a realidade” de forma totalmente asséptica, neutra, e isto, para ele, era totalmente inviável.


“Sempre o ver está afetado pelo olhar. Não existe uma hermenêutica asséptica”, afirmou. Daí que se optou por uma hermenêutica a partir do olhar do “discípulo” para não se ficar fora da mesma mensagem do evangelho e fora da Igreja”.


Pois bem, o discípulo para o papa Francisco é o “católico como povo” “e que se expressa fundamentalmente na piedade popular”. Como disse em Aparecida, “a fé simples dos romeiros” ou como costuma dizer, “o povo fiel de Deus”. E ele sabe muito bem que este povo simples, em sua grande maioria, é pobre e sofre com a “cultura do descartável”.


A hermenêutica da Teologia da Libertação também não é asséptica porque o olhar é a partir do “pobre” que, além de praticar a sua fé simples, também é sujeito para mudar a realidade de injustiça que existe, tal qual o Papa Francisco se referiu aos jovens para lutarem por um mundo novo sem injustiças.


Portanto penso que as duas hermenêuticas, os dois olhares, da Teologia do Povo de Francisco e a da Teologia da Libertação latino-americana, se complementam e não se excluem.




MARCO POLITI, vaticanista afirmou em reportagem ao sítio Religion Digital, em 18-julho-2013:


Acredito que no Brasil, Francisco dará continuidade, aprofundará e esclarecerá seu Evangelho social. Desde que foi eleito, denúncia as novas formas de escravidão, exploração, desigualdade e irresponsabilidade de algumas forças sociais.

Francisco, o primeiro papa não europeu em sete séculos, que rejeitou os luxos dos palácios do Vaticano e que condena sem titubear a riqueza e a falta de ética, evitou programar refeições oficiais com autoridades brasileiras e preferiu convidar jovens e sacerdotes de base.

Relator do documento final da reunião, em 2007, do Conselho Episcopal Latino-Americano sobre os problemas da Igreja no continente, quando ainda era o cardeal Bergoglio, Francisco imprimirá na primeira viagem ao exterior, região onde nasceu e residiu quase toda a sua vida, o selo de seu pontificado.

Francisco é um fruto inesperado Teologia da Libertação, porque é um representante da chamada Teologia Popular, que não é marxista, nem politizada, mas que denuncia fortemente os horrores da miséria, da desigualdade e de seus mecanismos econômicos.

A paz com essa corrente teológica, com destacados pensadores como o brasileiro Leonardo Boff, poderia fazer parte da chamada revolução pacífica que os ex-arcebispo de Buenos Aires começou, a quatro meses, com sua famosa frase: “Como eu gostaria de uma igreja pobre e para os pobres”.



O RÍDICULO PAPEL DA PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF EM SEU 

DISCURSO NA CERIMÔNIA DE BOAS-VINDAS AO PAPA FRANCISCO






























Reproduzimos aqui alguns trechos da reportagem da revista Veja, edição 2332, de 31 de julho de 2013, escrita por Daniel Pereira:


O ex-presidente Lula já quis dar lições aos Estados Unidos sobre o fundamento do capitalismo. A presidente Dilma Rousseff, em visita à Alemanha, também usou um tom professoral para tutorar a primeira-ministra Angela Merkel sobre como tirar a Europa da crise econômica. Em bom português, esses acessos de empáfia vazia que beiram a insanidade são chamados de tentativas de “ensinar o pai-nosso ao vigário”. Por pouco, mas por pouco mesmo, o papa Francisco se livrou de voltar para o Vaticano com uma lista de lições de casa passadas por sua anfitriã no Brasil. Dilma não ensinou o Papa a rezar, mas não escapou do ridículo ao propor a Francisco, como se ele fosse um reles diretor de ONG, uma parceria em que o papel dele seria espalhar pelo mundo as “experiências brasileiras de combate à miséria”.


O santo padre, pelo menos, conseguiu disfarçar seu constrangimento. Logo ele, um jesuíta, ordem lendária por espalhar pelos quatro cantos do mundo os ensinamentos de Cristo, convocado para pregar o petismo eleitoreiro.


Ainda bem para o Brasil que ninguém lembrou que o petista José Graziano, diretor-geral da FAO, órgão das Nações Unidas para assuntos de alimentação, já espalha essas “experiências brasileiras” mundo afora – a última foi aconselhar os miseráveis famintos a comer gafanhoto, formiga e outros insetos. É uma vergonha para o Brasil. E para a FAO, que, nos anos 60, quando privada das geniais idéias petistas, teve de se contentar em, com a ajuda do agrônomo americano Norman Borlaug, fazer a “revolução verde”, que salvou a vida de um bilhão de famintos. Mas o que é isso em comparação com um bom prato de alta gastronomia insetívora preparado pelo chef Graziano, não é mesmo?



Em seu discurso, mais extenso que o do Papa Francisco, Dilma classificou os protestos de rua como consequência natural das boas práticas do governo.

Acossada por protestos populares pelo desempenho econômico pífio e pela queda vertiginosa de popularidade, Dilma fez de seu discurso de onze minutos uma tentativa de reação política. Aproveitou-se da presença de um convidado carismático para tentar sair das cordas e conter a sangria do próprio governo.

A presidente disse que as manifestações nas ruas eram consequências dos avanços econômicos e sociais registrados nos dez anos de governo do PT – e não fruto do descontentamento generalizado com os governantes de turno e a precariedade dos serviços públicos. Ela se apresenta como motor – e não alvo – dos protestos.


Sabemos que podemos encarar novos desafios e tornar nossa realidade cada vez melhor. Esse foi o sentimento que moveu (...) centenas de milhares de jovens a ir às ruas. Democracia, como sabe Vossa Santidade, gera desejo de mais democracia, inclusão social provoca cobrança por mais inclusão social, qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de vida”.


A presidente também retomou a cantilena petista em defesa de um cruzada planetária para erradicar a pobreza, reproduzindo em escala global programas de transferência de renda como o Bolsa Família:


O Brasil muito se orgulha de ter alcançado extraordinários resultados nos últimos dez anos na redução da pobreza, na superação da miséria e na garantia da segurança alimentar à nossa população. Fizemos muito e sabemos que ainda há muito a ser feito. Nesse processo, temos contado com a profícua parceria com a Igreja”.


Dilma aproveitou o embalo e caiu na vala estreita da falsa dicotomia entre austeridade fiscal e bem-estar da população, que, na cabeça dos ideólogos petistas, são excludentes – quando em todos os dados e experiências históricas mostram que a vida do povo só melhora quando os governos deixam de desperdiçar o dinheiro dos contribuintes:


Estratégias de superação da crise econômica centradas só na austeridade, sem a devida atenção aos enormes custos sociais que ela acarreta, golpeiam os mais pobres e jovens, que são pelo mundo afora as principais vítimas do desemprego”.


O papa acompanhou o discurso da anfitriã concordando discretamente, às vezes, com a cabeça.



























Ao discursar logo em seguida, e gastar dois minutos a menos do que Dilma, ele não abordou nenhum dos temas centrais da fala da presidente. Ou seja: recusou o convite do debate político e se manteve no papel de evangelizador. Piedoso, Francisco deve ter consciência de que os políticos, muitas vezes, não sabem o que dizem e quase sempre dizem o que não sabem.


A seguir destaco alguns trechos das palavras do Papa Francisco em seu discurso:


Aprendi que para ter acesso o povo brasileiro é preciso ingressar pelo portal do seu imenso coração; por isso permitam-me que nesta hora eu possa bater delicadamente a esta porta. Peço licença para entrar e transcorrer essa semana com vocês. Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi dado: Jesus Cristo!




  “O motivo principal da minha presença no Brasil, como é sabido, transcende as suas fronteiras. Vim para a Jornada Mundial da Juventude. Vim para  encontrar os jovens que vieram de todo o mundo, atraídos pelos braços abertos do Cristo Redentor.”


 “Cristo ‘bota fé’ nos jovens e confia-lhes o futuro de sua própria causa: ‘Ide, fazei discípulos’ Ide para além das fronteiras do que é humanamente possível e criem um mundo de irmãos”.


“ A juventude é a janela pela qual o futuro entra no mundo. É a janela e, por isso, nos impõe grandes desafios. Nossa geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber abrir-lhe espaço. Isto significa:

Ø  tutelar as condições materiais e imateriais para o seu pleno desenvolvimento;

Ø  oferecer ao jovem fundamentos sólidos, sobre os quais construir a vida;

Ø  garantir-lhes segurança e educação para que se torne aquilo que ele pode ser;

Ø  transmitir-lhes valores duradouros pelos quais a vida mereça ser vivida;

Ø  assegurar-lhes um horizonte transcendente que responda à sede de felicidade autêntica, suscitando nele a criatividade do bem;

Ø  entregar-lhes a herança de um mundo que corresponda à medida da vida humana;

Ø  despertar neles as melhores potencialidades para que sejam sujeitos do próprio amanhã e corresponsáveis pelo destino de todos.

Com essas atitudes precedemos hoje o futuro que entra pela janela dos jovens.”

Na conclusão, Francisco pede a todos a delicadeza da atenção e a necessária empatia para estabelecer um diálogo de amigos. Diz que os seus braços se alargam para abraçar a inteira nação brasileira e que ninguém se sinta excluído do seu afeto, abençoando a todos.






        
Ao final de sua estadia no Brasil, no domingo, 28 de julho de 2013, em Copacabana, no término da Celebração Eucarística, Francisco anuncia o novo encontro marcado  na próxima Jornada Mundial da Juventude, no ano de 2016, em Cracóvia, na Polônia.

Mais tarde, já na cerimônia de despedida, no Aeroporto Internacional do Galeão “Antonio Carlos Jobim”, as última palavras de Francisco:



“O Papa vai embora e lhes diz “até breve”, um “até breve” com saudades, e lhes pede, por favor, que não se esqueçam de rezar por ele. Este Papa precisa da oração de todos vocês. Um abraço para todos.Que Deus lhes abençoe!”