VIAGEM DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL
28ª JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
De
22 a 28 de junho de 2013 ocorreu um duplo
evento eclesial:
Ø A
visita do Papa Francisco ao Brasil
Ø A
28ª Jornada Mundial da Juventude
O que dizia a Revista Veja,
nº30, em sua edição de 24 de julho de 2013, antes dos eventos terem ocorrido,
na reportagem “Onde houver dúvida, que eu leve a fé”, escrita por Helena
Borges e Adriana Dias Lopes?
“Na
Santa Sé, às vésperas do início da Jornada Mundial da Juventude, o grande
encontro católico que o Rio de Janeiro sedia a partir desta terça-feira, 23, o
ambiente em torno do Papa Francisco, variava conforme o gabinete. Da parte dos
prelados que tocam o dia a dia da Cúria Romana, a sensação era de alívio:
Francisco, enfim, ia lhes dar um respiro. Desde que foi escolhido papa, em
março, seria a primeira vez que ele se ausentaria mais do que um dia do
Vaticano. Mergulhado na cobrança de uma nova postura ética e moral do clero e
nos preparativos de uma ampla reforma na Cúria, prevista para outubro,
Francisco abriu mão das tradicionais férias de verão em Castel Gandolfo e vem
trabalhando – e dando trabalho - intensamente. Para esses funcionários,
portanto, a semana que Francisco passou no Rio foi relaxante.[...]
O
Papa jesuíta de alma franciscana também terá a chance de exercer aqui sua
catequese em favor dos pobres. [...] Sendo esta uma Jornada da Juventude e
sendo os jovens os motores das manifestações de rua no Brasil, o pontífice vai aproveitar
para transmitir aos devotos católicos e portadores de cartazes indignados, seu apoio a quem protesta contra a corrupção e
as más condições de saúde e da educação, bandeiras defendidas pelo paladino da
justiça social que sempre foi, desde os tempos de arcebispo em Buenos Aires.
Também
cobrará da classe política uma mudança
de atitude. O Papa é seguidor e
arauto dos nobres princípios franciscanos, praticante da ética rigorosa, da
simplicidade espartana e do compromisso com os destituídos. Francisco prega
uma igreja aberta, devota, atenta aos fiéis. Critica com frequência as
desigualdades sociais. Ao se apresentar assim no Rio de Janeiro, estará
firmando uma imagem de pontífice popular, carismático e forte – o perfil mais
adequado para atrair à Igreja Católica os jovens brasileiros que vem se
desgarrando dela há anos”.
O que os especialistas têm
a dizer a respeito da visita do Papa Francisco ao Brasil? Vamos ver algumas
opiniões abalizadas...
SÉRGIO
COUTINHO, historiador, em entrevista concedida à IHU On-Line, de 01-08-2013, definiu
a primeira visita do Papa Francisco ao Brasil como apoteótica. Comparando sua
visita com a de papas anteriores, ele diz que a visita do Papa Francisco teve
um impacto muito maior que a visita de João Paulo II, em 1980, e muitíssimo
acima em relação à visita de Bento XVI, em 2007.
MAGALI
DO NASCIMENTO CUNHA, jornalista, doutora em Ciências da Comunicação, professora
da Universidade Metodista de São Paulo, no artigo “A Jornada Mundial da
Juventude e a visita do Papa Francisco ao Brasil: notas reflexivas sobre mídia,
religião e política” (IHU On Line de 31-julho-2013) é de opinião que :
“lentes
e páginas da mídias nos mostraram o
mesmo clima de jornadas anteriores, reunindo centenas de milhares de jovens
motivados pela fé de orientação católica a renovarem seu compromisso com a
Igreja e sua missão, muito em torno da presença carismática do seu líder maior,
o Papa. A singularidade do encontro no
Brasil, estava na presença do papa Francisco, recém-empossado, em sua primeira
visita oficial. É possível afirmar de imediato que a realização da JMJ com
a presença do Papa Francisco alcançou um efeito
de peso: reforçou a instituição católica como a “grande religião” do Brasil”.
JOÃO
LUIZ ROSA, em reportagem publicada pelo jornal Valor, de 19-07-2013, afirma
que:
“O destino da primeira viagem internacional
de Francisco ter sido o Brasil foi muito adequado para a Igreja de Roma.
Francisco é o primeiro pontífice do Hemisfério Sul, para onde tem se deslocado
o eixo do cristianismo mundial nos últimos anos, e o único até agora a ter
origem na América Latina, terra de boa parte do rebanho católico atualmente.
Francisco, o 266º papa da história,
veio ao maior país católico do mundo para falar a um público de desperta a
atenção de qualquer credo religioso: os jovens.
Muitas
conveniências... Sob elas se acumulam
indícios de que está em curso uma transformação radical no cenário religioso
brasileiro. Parece inegável que o traço mais emblemático desse processo de transformação seja a diminuição
da influência católica”.
EM BUSCA DO
REBANHO PERDIDO
Alguns dados e
análises a respeito do Censo Demográfico 2000/2010
Em seguida, vamos
apresentar alguns dados da reportagem de Luciana Leal e Clarissa Thomé,
publicada pelo jornal “O Estado de São Paulo”, de 30 de junho de 2012, que
comentava dados do Censo Demográfico 2000/2010.
Os
dados do Censo de 2010 demonstram que na
última década, a Igreja Católica teve uma perda sem precedentes na História,
embora continue a religião majoritária do país. Além da queda recorde na
proporção de fiéis, a população católica encolheu pela primeira vez em números
absolutos. Dados do Censo indicam que o total de católicos diminuiu 1,4%,
enquanto a população brasileira aumentou 12,3%.
Em
2000, 73,6% da população brasileira era católica (124 milhões e 900 mil
católicos).
Em
2010, 64,6% da população brasileira era católica (123 milhões e 200 mil
católicos.
Em dez anos, a comunidade católica
perdeu 1 milhão e 700 mil fiéis, uma população equivalente à de Curitiba. Em
média, a Igreja perdeu uma média de 465 fiéis por dia.
Há
50 anos, a religião católica tinha predomínio absoluto, com 93% da população.
Se for mantido o ritmo de declínio da última década, em 20 anos os católicos
serão menos da metade da população.
O crescimento dos evangélicos é a
maior causa da queda do número dos católicos, embora também tenham crescido os
brasileiros que se declaram sem religião e os de religiões minoritárias, como o
Espiritismo.
Divididos
em três grandes categorias, os evangélicos continuam crescendo. Houve um
aumento em números absolutos de 16 milhões de evangélicos entre 2000 e 2010 –
ou 4.383 novos fiéis por dia.
Quanto
ao aumento dos evangélicos pode-se dizer que:
Ø Ele
é puxado pelos pentecostais, principalmente os da Assembléia de Deus;
Ø também
por um novo fenômeno no mundo evangélico – o fiel “independente”, que segue a
religião, mas não se vincula a nenhuma igreja específica;
Ø há
uma pulverização dos evangélicos que acompanha o surgimento de novas igrejas a
cada dia.
JOÃO
LUIZ ROSA, na reportagem mencionada anteriormente faz uma retrospectiva da queda dos fiéis católicos no Brasil:
“Em
1872, ainda na época do império, 100% da população brasileira se declarava fiel
aos princípios de Roma. Em 1970, sob o regime militar, essa porcentagem era de
91,8%. Foi quando a tendência do declínio começou a se acelerar. E muito. De 1980
a 2010, os católicos passaram de 89% da população para 65%, uma queda de 24
pontos percentuais em apenas 30 anos.
Enquanto
isso, os evangélicos tiveram um aumento de 15,5%, passando de 6,6% para 22% dos
brasileiros. O impulso veio principalmente das igrejas pentecostais – grupos
evangélicos mais recentes, com ênfase em habilidades especiais, como a habilidade
de curar doentes. De 1980 a 2000, o número de pentecostais dobrou a cada
década, de 3 milhões e 900 mil para 17 milhões e 600 mil de fiéis. Em 2010,
eles já eram 25 milhões e 400 mil fiéis.”
Seguem
dois gráficos que possibilitam uma melhor visualização da situação dos grupos
religiosos do Brasil.
O
primeiro quadro compara os dados obtidos no Censo de 2000 com os dados obtidos
no Censo de 2010 em relação aos diversos grupos religiosos presentes no Brasil,
incluindo também o das pessoas que se declararam sem religião e os que não
sabiam se definir a respeito nada declarando.
O
segundo quadro apresenta uma linha do tempo sobre as mudanças na distribuição
de grupos religiosos no Brasil, no período de 1872 a 1991.
PROCESSO DE DIVERSIFICAÇÃO E INFIDELIDADE RELIGIOSA
A professora e pesquisadora da religião SÍLVIA FERNANDES, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro diz:
“Não existe uma inversão da sociedade
católica para a protestante. O que há é um processo agudo de diversificação.
O brasileiro não tem mais constrangimento de dizer que não é católico. A
diversificação da sociedade, a modernização e o acesso a novas tecnologias
fazem com que as pessoas tenham mais liberdade para dizer ‘sou sem religião’.
Essa afirmação de identidade tem caráter muito fluído. A religião passa a ser
um aspecto da vida social, onde é permitido experimentar. Com isso católicos e
protestantes tradicionais ficam mais vulneráveis”.
Segundo
o antropólogo RONALDO ALMEIDA, da Unicamp e do Cebrap, o novo mapa da
configuração evangélica na capital paulista é fruto da especialização:
“Há
uma diversificação e uma maior
infidelidade a uma instituição específica. O sujeito ainda se identifica
principalmente como evangélico, mas hoje ele molda sua experiência religiosa.
Quando quer ouvir um louvor com mais música, vai a uma igreja; quando quer
cura, vai a outra; quando busca mensagem espiritual mais forte, busca outras.”
A antropóloga
DIANA NOGUEIRA, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, faz um paralelo com
pessoas que querem perder peso e vão migrando de médico em médico:
“A religião fortalece e ajuda as pessoas,
mas não resolve muitos dos desafios que uma vida de periferia urbana lhes
impõe. Com isso, algumas pessoas vão de igreja em igreja, buscando soluções.”
CÉSAR
ROMERO JACOB, diretor do Departamento de Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) afirma:
“O Brasil entrou definitivamente na era do
pluralismo religioso. Passou de uma posição de hegemonia católica para uma de
maioria católica. Mas a perda de espaço dos católicos para os pentecostais
– e para os que se declaram sem religião, outro grupo em crescimento – não
ocorre da mesma maneira em todo país. Há lugares onde a Igreja Católica perde
muito e outros onde perde pouco ou quase nada.
A redução mais acentuada ocorre em
regiões do país onde ocorre o fenômeno da migração. Sucessivas
crises econômicas empobreceram tanto a população que a motivação dos migrantes
passou a ser a da sobrevivência pura e simples. Os migrantes se viam fora de
seu ambiente original, sem o apoio da família, de amigos, sem infraestrutura
que lhes satisfizessem as necessidades mais básicas. A Igreja Católica também
não estava presente nessas áreas. Esses grupos passaram a prestar mais atenção
à pregação dos pentecostais. Estavam abertas as portas para o fluxo de
conversões que se veria a seguir.
Diante desses dados todos, pode-se
dizer que o Papa Francisco vai pregar naquele que provavelmente também é o
maior país pentecostal do planeta”.
O
professor RODRIGO FRANKLIN DE SOUZA, coordenador do Programa de Pós-Graduação
em Ciências da Religião da Universidade Mackenzie, em São Paulo, diz:
“O avanço pentecostal não é a única
preocupação da Igreja Católica. O
próprio perfil de quem permanece católico mudou muito. Se no passado havia
uma pressão para ser religioso, hoje existe uma força contrária, para não ser.
O que se vê é que muitos católicos, são religiosos por opção; se há menos
católicos no total, existe entre eles um número maior de praticantes. Contudo, os católicos não mantém uma obediência cega
aos preceitos da Igreja Romana. A maioria dos católicos ignora solenemente
alguns princípios preconizados por padres, bispos e cardeais. É o caso da
proibição do sexo antes do casamento e do uso de métodos contraconceptivos como
a pílula anticoncepcional. O divórcio, um ponto nunca digerido totalmente por
Roma também se tornou comum, apesar de o matrimônio ser um sacramento para os
católicos e, portanto, considerado indissolúvel.
O católico brasileiro ama ser
católico, mas quer construir identidade própria, independentemente dos dogmas.
Ele se identifica com a religiosidade, mas nos seus termos, o que vale também
para as outras religiões.
Essa
liberdade se soma com fenômenos culturais com raízes mais antigas, que
fomentaram uma fé sincrética, que toma
emprestados aspectos de diferentes religiões para criar uma expressão
individual muito particular de religiosidade. No Brasil, todo mundo conhece
alguém que se define como católico, mas acredita em reencarnação, jogas flores
para Iemanjá no réveillon, mantém uma estátua de Buda na estante para dar sorte
– elementos que nada tem a ver com a fé católica.
A pergunta é: Como esse católico pouco
tradicional, vai responder a outras questões de ordem prática, sobre as quais a
Igreja Católica tem posições claras, nem sempre em sintonia com o desejo da
maioria? Questões como as do casamento gay que já foi
legalizado em países tradicionalmente católicos; como a do aborto, outro tema
explosivo que suscita discussões recorrentes, assim como as pesquisas com
células-tronco. Se a Igreja Católica não
conseguir convencer seus fiéis de que seus argumentos estão corretos, ficará na
situação de pregar ao vento, sem ninguém para ouvi-la."
A figura de Francisco ajuda a capturar
a atenção do público. Nas redes de tv e no noticiário em geral
voltou à moda um bordão retirado de um rock nacional dos anos 80: “O Papa é
pop.” O caráter midiático do chefe da Igreja Católica não pode ser subestimado.
Com a visita ao Brasil, será a hora de
saber o quanto a imagem risonha e amigável de Francisco será capaz de contribuir
para a recuperação de parte do rebanho perdido no país.
Não será tarefa fácil porque a partir de João Paulo II, com desdobramentos
ainda mais profundos sob a direção de Bento XVI, a Igreja seguiu uma rota de
conservadorismo. A Igreja Católica se tornou “teológica” demais, muito
preocupada com a preservação dos dogmas, mas distantes do dia a dia que afetam
a vida dos seus fiéis.
O clamor por uma abordagem cotidiana e
temperada com uma flexibilidade maior parece legítimo, mas acertar a dose não é
coisa simples. Cabe a Francisco equilibrar os dois lados: as mudanças e a
tradição.
ALGUMAS ANÁLISES
POSTERIORES À VISITA DO PAPA NO BRASIL
MAGALI
DO NASCIMENTO CUNHA, no seu artigo mencionado anteriormente, faz uma súmula da visita do Papa:
“O
Papa Francisco proferiu diversos discursos na semana que passou no Brasil
falando:
· aos jovens participantes da Jornada;
· a participantes de missa no Santuário de
Aparecida;
· a participantes em visitas a uma favela, a
um hospital,a um centro de tratamento de dependentes químicos;
· a políticos e pessoas ligadas a
organizações civis;
· aos bispos da Igreja Católica;
· além de falas mais breves em momentos como
o de sua recepção e despedida.
Nesses
espaços foram ressaltados:
Ø o papel da Igreja
como comunidade acolhedora que sai ao encontro das pessoas, em especial as
pobres, das periferias, pois elas são intermediárias de um encontro com Cristo;
Ø o papel do Cristianismo
como gerador de fé que é fonte de
alegria e esperança;
Ø o diálogo como caminho para um futuro
melhor no mundo,instrumento na política, que deve ser
reabilitada/revalorizada, e entre as religiões.
O
Papa pregou a necessidade de um visão
humanista da economia e de uma política que deve realizar cada vez mais e
melhor a participação das pessoas, por isso, como se esperava valorizou as
manifestações políticas públicas “como vigorosas contribuições das energias
morais”.
Nesse
sentido, afirmou que o Estado deve ser laico mas garantindo que as religiões
preguem os seus princípios. Especificamente
aos jovens, o Papa incentivou o seu papel como motor da Igreja e pediu que não
desanimem com a política por causa da corrupção.
Esses
conteúdos têm sido avaliados como positivos para um reposicionamento da Igreja Católica no Brasil que reabra espaços para
teologias e pastorais comprometidas com demandas populares.
MARIA
JOSÉ ROSADO NUNES, Presidente da ONG “Católicas pelo Direito de Decidir”,
doutora em Sociologia pela École de Hautes Études en Sciences Sociales de
Paris; Professora no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da
PUC-SP, em entrevista à revista Carta Capital fez a seguinte crítica:
“A
cabeça da juventude é uma cabeça que depende de inúmeros fatores e ser jovem
não é sinônimo de ser progressista. Os jovens estão inseridos no meio social e
pertencem a uma classe social. De que jovens estamos falando? A juventude é um
mundo muito diverso em termos de sua inserção de classe, sua inserção de raça,
em todos os aspectos. Se aqui no Brasil a gente tem a elite brasileira com a
cabeça tão conservadora, é de se supor que os filhos e filhas dessa elite
reproduzam de certa maneira esse conservadorismo.
Encomendamos
uma pesquisa Ibope, no contexto da visita do papa, para mostrar o quanto a juventude está distante daquilo que são
as proposições doutrinais da Igreja Católica. Há uma juventude que segue o papa, que vai às jornadas, mas que não
pratica a doutrina proposta por ele. Acho que a gente não pode imaginar que
toda essa juventude não faça sexo, seja heterossexual, não use camisinha e
anticoncepcional. Uma coisa é a necessidade que eles têm, digamos, de guias e de lideranças. Agora, essa
juventude, qual é a proporção daqueles que seguem a doutrina?”
MAGALI
DO NASCIMENTO CUNHA, termina seu artigo mencionado anteriormente com uma
reflexão que podemos classificar como “já vi esse filme antes...”:
“Não
dá para esquecer que o papa João Paulo
II também encantou o Brasil e diferentes grupos da Igreja católica em sua
primeira visita em 1980, no início de seu pontificado. Foi o primeiro Para
a “peregrinar” pelo mundo, visto como papa do povo; sua atitude de beijar o
chão ao descer do avião comovia o público. Na ocasião, João Paulo II falou da
igreja que quer ser a igreja dos pobres, foi chamado por Dom Helder Câmara de
“irmão dos pobres e meu irmão”, fez discurso em favor dos trabalhadores rurais,
visitou a favela do Vidigal, para onde, num gesto simbólico, doou seu anel de
ouro, entre outras situações.
Tudo o
que foi testemunhado pelo público, agora em 2013, em termos de encantamento com
gestos, atitudes e palavras, foi igualmente presenciado em 1980. Cinco anos
depois, o primeiro processo do Vaticano contra um teólogo da libertação do
Brasil era concluído: frei Leonardo Boff foi condenado a um ano de silêncio obsequioso,
perdendo o direito de lecionar e sendo destituído de funções editoriais. Foi o
primeiro de muitos outros envolvendo brasileiros, latino-americanos e de outros
continentes censurados.
Boff
declarou em entrevista em julho de 2013 que o Papa Francisco lhe pediu uma
cópia do seu livro sobre o novo pontificado “Francisco de Assis e Francisco de Roma”. Mais uma chave para
abrir portas fechadas? Que não seja apenas uma fresta.”
A ENCÍCLICA
OCULTA DE FRANCISCO NO RIO DE JANEIRO
A reportagem com o nome acima, de autoria de JEAN MERCIER, foi
reproduzida na newsletter do IHU OnLine de 07-08-2013, da qual destacaremos
alguns trechos a seguir.
O papa Francisco
aproveitou sua viagem ao Brasil para fazer dois
discursos maiores aos bispos da América Latina. Dois textos fortes que não
param de provocar ondas.
Oficialmente a
primeira encíclica do Papa Francisco intitula-se
Lumen Fidei, e foi publicada no começo do mês de julho passado. Mas ela foi
escrita principalmente por Bento XVI; Francisco contentou-se em lhe acrescentar
uma espécie de posfácio.
Na
realidade, o papa trabalhava em outros textos, aqueles que iria pronunciar na
Jornada Mundial da Juventude, e especialmente, em dois discursos fundamentais
endereçados aos bispos.
Discursos fundamentais
aos bispos
No sábado, 27 de julho, em encontro a portas fechadas com mais
de 300 bispos brasileiros, o Papa
Francisco fez um discurso ousado abordando questões difíceis e exigentes do
domínio da pastoral, em um texto muito forte, onde incentivou que os padres
“saiam de suas sacristias em direção aos fiéis mais marginalizados” para
entender melhor os seus problemas.
Ele instigou os bispos a
fazerem um exame crítico do fracasso da Igreja Católica no Brasil que consiste
em impedir que milhares de fiéis se aproximem das igrejas evangélicas.
Na
manhã seguinte, 28 de julho, ele ampliou seu propósito através de uma alocução
aos bispos responsáveis do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celan) no
quadriênio 2011-2015.
O conjunto desses dois discursos
constitui uma espécie de encíclica “oficiosa”, verdadeiro programa para o
pontificado, cujo fio condutor é uma autocrítica severa e o apelo à conversão
da instituição.
A seguir uma súmula dos
aspectos principais tratados por Francisco no seu discurso aos Bispos.
O ROMPIMENTO SILENCIOSO DOS DECEPCIONADOS COM A IGREJA
Como nenhum Papa antes dele, Francisco
se confronta com a dolorosa questão dos católicos que abandonaram a Igreja,
fenômeno atestado na América Latina, mas que é conhecido em todos os países,
especialmente os europeus, nos últimos 50 anos. Ele lembra assim dessas pessoas
que abandonaram a Igreja Católica e se
deixaram seduzir por outras propostas religiosas.
Esta questão, considerada tabu durante
muito tempo, é ocasião
para uma severa autocrítica:
“Talvez a Igreja lhes
pareça demasiado frágil, talvez demasiado longe das suas necessidades, talvez
demasiado pobre para dar respostas às suas inquietações, talvez demasiado frias
com elas, talvez demasiado autoreferencial, talvez prisioneira de própria
linguagem rígida, talvez lhes pareça que o mundo da Igreja seja uma relíquia do
passado, insuficiente para novas questões; talvez a Igreja tenha respostas para
a infância do homem, mas não para sua idade adulta.”
O Papa acusa a Igreja de ser de tal
maneira exigente em seus “padrões” que desencoraja o conjunto das pessoas:
“Muitos buscam atalhos,
porque se apresenta demasiado alta a ‘medida’ da Grande Igreja. Também existem
aqueles que reconhecem o ideal de homem e de vida proposto pela Igreja, mas não
tem a audácia de abraçá-lo. Pensam que este ideal seja grande demais para eles,
esteja fora das suas possibilidades; a meta a alcançar é inatingível.”
Uma Igreja chata, rígida, fria,
centrada no seu umbigo! Nunca Bento XVI e João Paulo II fizeram semelhante
autocrítica. Bergoglio não tem medo de dizer a verdade ao pensar em todos esses
que se afastaram da Igreja:
“Perante esta situação, o
que fazer? Necessitamos de uma Igreja capaz de encontrá-los em seu caminho.
Precisamos de uma Igreja capaz de inserir-se na sua conversa. Precisamos de uma
Igreja que saiba dialogar com aqueles discípulos, que, fugindo de Jerusalém,
vagam sem meta, sozinhos, com o seu próprio desencanto, com a desilusão de um
cristianismo considerado hoje um terreno estéril, infecundo, incapaz de gerar
sentido. (...) Hoje, precisamos de uma Igreja capaz de fazer companhia, de ir
para além da simples escuta.”
O LUGAR DAS
MULHERES
O Papa não hesita em tocar em outro assunto tabu na instituição: o lugar das mulheres.
“Não reduzamos o empenho das mulheres na
Igreja; antes, pelo contrário, promovamos o seu papel ativo na comunidade
eclesial. Se a Igreja perde as mulheres, na sua dimensão global e real, ela
corre o risco da esterilidade”.
Embora
a menção seja lapidar, é a primeira vez
que um Papa reconhece que a Igreja perdeu parte da sua credibilidade em relação
às mulheres.
A
solução passa, segundo Francisco, pelo exercício
da maternidade na Igreja, isto é, pelo exercício da misericórdia. [...] Sem a misericórdia, temos hoje poucas
possibilidades de nos inserir em um mundo de ‘feridos’, que tem necessidade de
compreensão, de perdão, de amor”. Nesse campo há progressos a realizar: “Num
hospital de campanha a emergência é curar as feridas”.
A
outra dimensão é a empatia afetiva e a
proximidade: “Eu gostaria que hoje nos perguntássemos todos: Somos ainda
uma Igreja capaz de aquecer o coração?”
A REFORMA DA
IGREJA A PARTIR DA MISSÃO, E NÃO DA BUROCRACIA OU DA IDEOLOGIA
O
Papa defende “toda uma dinâmica de reforma das estruturas eclesiais” que se
tornaram obsoletas. A reforma deve ser feita partir de um critério específico:
a missão, e não a sofisticação administrativa... A ”mudança das estruturas”
(das caducas para as novas) não é fruto de um estudo de organização do sistema
funcional eclesiástico. (...) O que derruba as estruturas caducas, o que leva a
mudar os corações dos cristãos é justamente a missionaridade”.
O
Papa exorta a uma revolução pastoral mais que administrativa. O Papa denuncia o
funcionalismo que “olha para a eficácia”, que se deixa fascinar pelas
estatísticas e “reduz a realidade da Igreja à estrutura de uma ONG”.
DAR VIDA À
COLEGIALIDADE COM OS LEIGOS E A DESCENTRALIZAÇÃO EM RELAÇÃO À ROMA
Francisco
recorda a importante valorização dos leigos
na missão:
“Nós, pastores, bispos e
presbíteros, temos consciência e convicção da missão dos fiéis e lhes damos a
liberdade para irem discernindo, de acordo com seu caminho de discípulos, a
missão que o senhor lhes confia? Apoiamo-los
e acompanhamos, superando qualquer tentação de manipulação ou indevida
submissão?” O Papa também pediu aos bispos para confiar no “talento” de seu rebanho para encontrar novas rotas. O bispo
deve guiar, o que não é o mesmo que dominar”.
Como
solução, o Papa recorda a importância
dos conselhos:
“Os Conselhos paroquiais de Pastoral e de
Assuntos Econômicos são espaços reais para a participação dos leigos na
consulta, organização e planejamento pastoral? O bom funcionamento dos
Conselhos é determinante. Acho que estamos muito atrasados nisso”.
Ansiosamente
aguardado sobre o tema da colegialidade entre bispos, Francisco reabilita a vitalidade local, em detrimento de uma abordagem
centrada em Roma. Rompendo com a visão de seus predecessores, que
desafiaram a autonomia das estruturas nacionais, o Papa Francisco valoriza as “Conferências Episcopais” como “um espaço
vital”:
“Faz falta, pois, uma
progressiva valorização do elemento local e regional. Não é suficiente uma
burocracia central, mas é preciso fazer crescer a colegialidade e a
solidariedade; será uma verdadeira riqueza para todos”.
Esta
visão confirma a atitude de Francisco em sua vontade de realinhar o papado como serviço de unidade. Ele se
considera primeiro como bispo, em vez de Papa – Bispo de Roma – como ele
lembrou várias vezes no Rio de Janeiro, seja aos jovens, seja aos bispos. “Eu gostaria de falar de bispo para bispo”,
confidencia aos seus interlocutores do Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM).
O Papa implora por intercâmbios a
partir de uma consulta às bases, sem esquemas pré-mastigados pela burocracia
eclesial. Isto já foi uma exigência dos Padres do Concílio Vaticano
II, em sua abertura.
RETOMAR O
DIÁLOGO COM O MUNDO ATUAL
Sem
rodeios, o Papa voltou aos fundamentos
do Vaticano II, citando a famosa fórmula introdutória da Gaudium et Spes:
“As alegrias e as
esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos
pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo”.
Atento aos sinais dos tempos, o Papa
evoca a questão da adaptação às “questões existenciais do homem de hoje,
especialmente das novas gerações, prestando atenção à sua linguagem”, e leva em
conta a existência de universos culturais extremamente diferentes.
“Deus
está em toda a parte: há que saber descobri-lo para poder anunciá-lo no idioma
dessa cultura; e cada realidade, cada idioma tem um ritmo diferente”.
Encontramos
aqui a paixão jesuíta pela inculturação.
Nesse
contexto, a conversão pastoral cabe ao
próprio bispo, que deve ser um modelo:
“Os bispos devem ser pastores, próximos das
pessoas, pais e irmãos, com grande mansidão: pacientes e misericordiosos.
Homens que amem a pobreza, quer a pobreza interior quer a pobreza exterior,
como simplicidade e austeridade de vida. Homens que não tenham ‘psicologia de
príncipes’. Homens que não sejam ambiciosos e que sejam esposos de uma Igreja
sem viver na expectativa de outra”.
O
Papa mencionou claramente o carreirismo daqueles que buscam uma “promoção” para
dioceses de maior prestígio.
Vamos conhecer algumas
outras análises e opiniões a respeito do discurso de Francisco aos Bispos do
Brasil.
DISCURSOS E GESTOS
PAULO
SUESS, doutor em Teologia Fundamental, com um trabalho sobre Catolicismo
popular no Brasil.
Segundo
ele, “os discursos mais importantes do
Papa Francisco são seus gestos. Sua ida para Lampedusa foi mais importante do
que sua Encíclica Lumen Fidei. O gesto de visitar a comunidade de Varginha foi
mais importante do que seu discurso lá proferido”.
Em
relação ao discurso para os Bispos do Brasil, ele afirma que o mesmo é uma
releitura do Documento de Aparecida 2007.
Perguntado
sobre como entendia a crítica de
Francisco ao atraso da igreja latino-americana, ele colocou que:
-
“atrasados são aqueles setores que acreditam ser possível melhorar a vida do
povo através de alianças com as elites...”
-
“atrasados são aqueles que sentem os problemas e tem medo de atitudes
proféticas...”
SUESS
cita palavras de Francisco, proferidas em 6 de junho, em seu diálogo com a junta diretiva da
Confederação Latino-Americana e Caribenha de Religiosos e Religiosas quando pediu:
“Nessas andanças arriscadas podem cometer
erros. Podem até receber uma carta da Congregação para a Doutrina da Fé
recriminando suas atitudes. Não se preocupem! Expliquem e sigam adiante! Abram
portas e façam algo, onde a vida clama! Prefiro uma Igreja que comete erros à
uma Igreja que adoece por ficar fechada”.
O
jesuíta Bergoglio, com seus 76 anos de vida, aprendeu que a primeira virtude da colegialidade episcopal e da comunhão eclesial
não é a obediência, mas o diálogo. Por isso pede as Igrejas locais a
solidariedade radical com os pobres e uma lealdade crítica e dialogal com Roma:
“Não tenham medo da denúncia... Vão passar mal, vão ter problemas, mas não
tenham medo! Essa é a profecia da vida religiosa!”
SÉRGIO
RICARDO COUTINHO, mestre e doutor em História, professor do curso de
pós-graduação lato-senso em História do Cristianismo Antigo da UnB, entre
outros títulos e funções.
Em
entrevista a UHU On-Line ele comenta sobre a compreensão de “conversão
pastoral” em Francisco.
CONVERSÃO PASTORAL –
MUDANÇAS DE ATITUDES
A
compreensão de “conversão pastoral”
em Francisco, vai, antes de mais nada, muito além das mudanças meramente
“estruturais” na Igreja. Ela se refere muito mais a “mudanças de atitudes”.
Neste
encontro com os bispos do CELAM, Francisco propôs seis conjuntos de questões
que poderíamos resumi-las numa só:
“Temos dado, enquanto Igreja-hierárquica,
espaço para a atuação madura e responsável dos agentes de pastoral e dos fiéis
leigos, isto é, do conjunto de todo o povo de Deus, na missão da Igreja no
mundo de hoje?“
Para Francisco, as mudanças de atitudes devem seguir o
seguinte roteiro de “pautas eclesiológicas”:
a)
uma Igreja que quer ser discípula
missionária precisa se “des-centrar”, sair de si, e ir para as “periferias
existenciais”;
b)
para isso é necessário que a Igreja assuma
uma postura maternal, deixando de ser controladora para ser servidora e
facilitadora;
c)
daí, uma aproximação que toma a forma de
diálogo para criar uma “cultura do encontro”;
d)
neste sentido é necessário que tenhamos
bispos-pastores com “cheiro de ovelhas”, próximos ao povo, que amem a pobreza,
sem a “psicologia de príncipes”.
DESAFIO DO DISCERNIMENTO CONTRA A IDEOLOGIZAÇÃO DA MENSAGEM EVANGÉLICA
O Papa Francisco também condenou
o abuso de poder na Igreja e a inclusão de ideologias sociais no evangelho,
seja marxista, seja liberal.
Como a Teologia da Libertação recebe essa crítica?
O que é possível se falar sobre a Teologia do Povo ou
Teologia Popular, seguida por Francisco?
Segue a resposta de SÉRGIO RICARDO COUTINHO:
Em relação ao abuso de poder na Igreja, não só os (as)
teólogos (as) da libertação denunciaram essa prática, mas ela ainda é uma das
reclamações mais ouvidas e combatidas por muitos agentes de pastoral e fiéis em
geral. Uma parte da explicação para a sangria de católicos para outras
denominações cristãs está nessa prática que o Papa Francisco chama de
“clericalismo”.
Sobre
a leitura que a Teologia da Libertação
faz e a chamada Teologia do Povo,
que Papa Francisco parece se inspirar,
há de fato pontos de partida diferentes, mas que não se excluem.
No discurso para os Bispos do CELAM, Francisco exemplificou a
“tentação” de uma leitura ideologizada da mensagem evangélica a partir do modo
como se queria utilizar o método ver-julgar-agir em Aparecida.
Ali, segundo Francisco, sofreram a
tentação de se querer “ver a realidade” de forma totalmente asséptica, neutra,
e isto, para ele, era totalmente inviável.
“Sempre
o ver está afetado pelo olhar. Não existe uma hermenêutica asséptica”, afirmou.
Daí que se optou por uma hermenêutica a
partir do olhar do “discípulo” para não se ficar fora da mesma mensagem do
evangelho e fora da Igreja”.
Pois
bem, o discípulo para o papa Francisco é
o “católico como povo” “e que se expressa fundamentalmente na piedade
popular”. Como disse em Aparecida, “a fé simples dos romeiros” ou como costuma
dizer, “o povo fiel de Deus”. E ele sabe muito bem que este povo simples, em sua grande maioria, é pobre e sofre com a
“cultura do descartável”.
A hermenêutica da Teologia
da Libertação também não é asséptica porque o olhar é a partir do “pobre” que, além de praticar a sua fé simples,
também é sujeito para mudar a realidade
de injustiça que existe, tal qual o Papa Francisco se referiu aos jovens
para lutarem por um mundo novo sem injustiças.
Portanto
penso que as duas hermenêuticas, os dois
olhares, da Teologia do Povo de Francisco e a da Teologia da Libertação
latino-americana, se complementam e não se excluem.
MARCO
POLITI, vaticanista afirmou em reportagem ao sítio Religion Digital, em
18-julho-2013:
Acredito que no Brasil, Francisco dará
continuidade, aprofundará e esclarecerá seu Evangelho social.
Desde que foi eleito, denúncia as novas formas de escravidão, exploração,
desigualdade e irresponsabilidade de algumas forças sociais.
Francisco,
o primeiro papa não europeu em sete séculos, que rejeitou os luxos dos palácios
do Vaticano e que condena sem titubear a riqueza e a falta de ética, evitou programar refeições oficiais com
autoridades brasileiras e preferiu convidar jovens e sacerdotes de base.
Relator
do documento final da reunião, em 2007, do Conselho Episcopal Latino-Americano
sobre os problemas da Igreja no continente, quando ainda era o cardeal
Bergoglio, Francisco imprimirá na
primeira viagem ao exterior, região onde nasceu e residiu quase toda a sua
vida, o selo de seu pontificado.
Francisco
é um fruto inesperado Teologia da Libertação, porque é um representante da chamada Teologia Popular,
que não é marxista, nem politizada, mas que denuncia fortemente os horrores da
miséria, da desigualdade e de seus mecanismos econômicos.
A paz com essa corrente teológica,
com destacados pensadores como o brasileiro Leonardo Boff, poderia fazer parte da chamada revolução pacífica que os
ex-arcebispo de Buenos Aires começou, a quatro meses, com sua famosa frase: “Como eu gostaria de uma igreja pobre e para os pobres”.
O RÍDICULO PAPEL DA
PRESIDENTE DILMA ROUSSEFF EM SEU
DISCURSO NA CERIMÔNIA DE BOAS-VINDAS AO PAPA
FRANCISCO
Reproduzimos aqui alguns
trechos da reportagem da revista Veja, edição 2332, de 31 de julho de 2013,
escrita por Daniel Pereira:
O
ex-presidente Lula já quis dar lições aos Estados Unidos sobre o fundamento do
capitalismo. A presidente Dilma Rousseff, em visita à Alemanha, também usou um
tom professoral para tutorar a primeira-ministra Angela Merkel sobre como tirar
a Europa da crise econômica. Em bom português, esses acessos de empáfia vazia que
beiram a insanidade são chamados de tentativas de “ensinar o pai-nosso ao
vigário”. Por pouco, mas por pouco mesmo, o papa Francisco se livrou de voltar
para o Vaticano com uma lista de lições de casa passadas por sua anfitriã no
Brasil. Dilma não ensinou o Papa a rezar, mas não escapou do ridículo ao propor a Francisco, como se
ele fosse um reles diretor de ONG, uma
parceria em que o papel dele seria espalhar pelo mundo as “experiências
brasileiras de combate à miséria”.
O santo padre, pelo menos, conseguiu
disfarçar seu constrangimento. Logo ele, um jesuíta,
ordem lendária por espalhar pelos quatro cantos do mundo os ensinamentos de
Cristo, convocado para pregar o petismo eleitoreiro.
Ainda
bem para o Brasil que ninguém lembrou que o petista José Graziano, diretor-geral
da FAO, órgão das Nações Unidas para assuntos de alimentação, já espalha essas
“experiências brasileiras” mundo afora – a última foi aconselhar os miseráveis
famintos a comer gafanhoto, formiga e outros insetos. É uma vergonha para o
Brasil. E para a FAO, que, nos anos 60, quando privada das geniais idéias
petistas, teve de se contentar em, com a ajuda do agrônomo americano Norman
Borlaug, fazer a “revolução verde”, que salvou a vida de um bilhão de famintos.
Mas o que é isso em comparação com um bom prato de alta gastronomia insetívora
preparado pelo chef Graziano, não é mesmo?
Em seu discurso, mais extenso que o do
Papa Francisco, Dilma classificou os protestos de rua como consequência natural
das boas práticas do governo.
Acossada por protestos populares pelo
desempenho econômico pífio e pela queda vertiginosa de popularidade, Dilma fez
de seu discurso de onze minutos uma tentativa de reação política.
Aproveitou-se da presença de um convidado carismático para tentar sair das
cordas e conter a sangria do próprio governo.
A
presidente disse que as manifestações
nas ruas eram consequências dos avanços econômicos e sociais registrados
nos dez anos de governo do PT – e não
fruto do descontentamento generalizado com os governantes de turno e a
precariedade dos serviços públicos. Ela se apresenta como motor – e não
alvo – dos protestos.
“Sabemos que podemos encarar novos desafios e
tornar nossa realidade cada vez melhor. Esse foi o sentimento que moveu (...)
centenas de milhares de jovens a ir às ruas. Democracia, como sabe Vossa
Santidade, gera desejo de mais democracia, inclusão social provoca cobrança por
mais inclusão social, qualidade de vida desperta anseio por mais qualidade de
vida”.
A
presidente também retomou a cantilena petista em defesa de um cruzada
planetária para erradicar a pobreza, reproduzindo em escala global programas de
transferência de renda como o Bolsa Família:
“O Brasil muito se orgulha de ter alcançado
extraordinários resultados nos últimos dez anos na redução da pobreza, na
superação da miséria e na garantia da segurança alimentar à nossa população.
Fizemos muito e sabemos que ainda há muito a ser feito. Nesse processo, temos
contado com a profícua parceria com a Igreja”.
Dilma
aproveitou o embalo e caiu na vala
estreita da falsa dicotomia entre austeridade fiscal e bem-estar da população,
que, na cabeça dos ideólogos petistas, são excludentes – quando em todos os dados e experiências
históricas mostram que a vida do povo só melhora quando os governos deixam de
desperdiçar o dinheiro dos contribuintes:
“Estratégias
de superação da crise econômica centradas só na austeridade, sem a devida
atenção aos enormes custos sociais que ela acarreta, golpeiam os mais pobres e
jovens, que são pelo mundo afora as principais vítimas do desemprego”.
O
papa acompanhou o discurso da anfitriã concordando discretamente, às vezes, com
a cabeça.
Ao
discursar logo em seguida, e gastar dois minutos a menos do que Dilma, ele não abordou nenhum dos temas centrais
da fala da presidente. Ou seja: recusou
o convite do debate político e se manteve no papel de evangelizador.
Piedoso, Francisco deve ter consciência de que os políticos, muitas vezes, não
sabem o que dizem e quase sempre dizem o que não sabem.
A seguir destaco alguns
trechos das palavras do Papa Francisco em seu discurso:
“Aprendi
que para ter acesso o povo brasileiro é preciso ingressar pelo portal do seu
imenso coração; por isso permitam-me que nesta hora eu possa bater
delicadamente a esta porta. Peço licença para entrar e transcorrer essa semana
com vocês. Não tenho ouro nem prata, mas trago o que de mais precioso me foi
dado: Jesus Cristo!
“O
motivo principal da minha presença no Brasil, como é sabido, transcende as suas
fronteiras. Vim para a Jornada Mundial da Juventude. Vim para encontrar os jovens que vieram de todo o
mundo, atraídos pelos braços abertos do Cristo Redentor.”
“Cristo ‘bota fé’ nos jovens e confia-lhes o
futuro de sua própria causa: ‘Ide, fazei discípulos’ Ide para além das
fronteiras do que é humanamente possível e criem um mundo de irmãos”.
“ A juventude é a janela pela qual o futuro
entra no mundo. É a janela e, por isso, nos impõe grandes desafios. Nossa
geração se demonstrará à altura da promessa contida em cada jovem quando souber
abrir-lhe espaço. Isto significa:
Ø tutelar as condições materiais e imateriais
para o seu pleno desenvolvimento;
Ø oferecer ao jovem fundamentos sólidos, sobre
os quais construir a vida;
Ø garantir-lhes segurança e educação para que
se torne aquilo que ele pode ser;
Ø transmitir-lhes valores duradouros pelos
quais a vida mereça ser vivida;
Ø assegurar-lhes um horizonte transcendente que
responda à sede de felicidade autêntica, suscitando nele a criatividade do bem;
Ø entregar-lhes a herança de um mundo que
corresponda à medida da vida humana;
Ø despertar neles as melhores potencialidades
para que sejam sujeitos do próprio amanhã e corresponsáveis pelo destino de
todos.
Com essas atitudes precedemos hoje o futuro
que entra pela janela dos jovens.”
Na conclusão, Francisco pede a todos a
delicadeza da atenção e a necessária empatia para estabelecer um diálogo de
amigos. Diz que os seus braços se alargam para abraçar a inteira nação
brasileira e que ninguém se sinta excluído do seu afeto, abençoando a todos.
Ao final de sua estadia no
Brasil, no domingo, 28 de julho de 2013, em Copacabana, no término da Celebração
Eucarística, Francisco anuncia o novo encontro marcado na próxima Jornada Mundial da Juventude, no
ano de 2016, em Cracóvia, na Polônia.
Mais tarde, já na cerimônia
de despedida, no Aeroporto Internacional do Galeão “Antonio Carlos Jobim”, as última
palavras de Francisco:
“O
Papa vai embora e lhes diz “até breve”, um “até breve” com saudades, e lhes
pede, por favor, que não se esqueçam de rezar por ele. Este Papa precisa da
oração de todos vocês. Um abraço para todos.Que Deus lhes abençoe!”