OS EVANGELHOS E O JESUS HISTÓRICO
PARTE UM
O que se pode dizer da
pessoa histórica de Jesus?
Tudo o que a maioria das
pessoas sabe sobre Jesus é baseado no que se conhece dos evangelhos do Novo Testamento.
Seriam os evangelhos fontes fidedignas para se descobrir quem foi na realidade
Jesus de Nazaré?
Gerd Theissen, no prefácio
de sua obra “O Jesus histórico”
coloca que ainda há pouco tempo atrás se menosprezava o estudo do Jesus
histórico devido a um entendimento de que do ponto de vista da Teologia esse
estudo não era importante. O que era decisivo era o Cristo da fé, não o Jesus
histórico, o homem Jesus de Nazaré. Bastava que o Cristo da fé não estivesse em
contradição com o que se sabia do Jesus histórico que era muito pouco.
Gerd Theissen é professor
de Novo Testamento na Universidade de Heidelberg onde Annette Merz ensina
estudos Neotestamentários. A obra que nos serve de consulta é uma referência no
estudo da figura de Jesus.
Theissem coloca que “numa
sociedade esclarecida e numa Igreja aberta, que deseja prestar contas de seus
fundamentos, este trabalho de pesquisa sobre o Jesus histórico se impõe”.[1]
Vamos nessa postagem nos
debruçar sobre a problemática dos evangelhos como fontes para configurar o Jesus
histórico com a mesma certeza de Theissen, de que “duzentos anos de pesquisa
histórico-crítica acerca de Jesus, além das fontes sobre Jesus e seu mundo, que
se ampliaram muito nesse período, trouxeram conhecimentos importantes”.[2]
Vamos também nesse
trabalho nos basear nas obras de outro grande estudioso sobre o tema - John
Dominic Crossan – autor de duas obras-primas
sobre o tema:
Ø “O Jesus histórico – a vida de um camponês
judeu do Mediterrâneo”, da Editora Imago.
Ø “Jesus – Uma biografia revolucionária” –
Imago
Crossan é professor de
estudos bíblicos na DePaul University, em Chicago. Se dedica há 25 anos à
pesquisa acadêmica e buscou reconstruir o Jesus histórico com tanta exatidão e
honestidade quanto possível. Buscou reconstruir o que realmente aconteceu na
Galiléia e em Jerusalém durante o início do primeiro século da era cristã.
No prólogo de “Jesus – uma biografia revolucionária”,
Crossan coloca a pergunta e a resposta que muitas pessoas podem se fazer:
Por que essas pesquisas são necessárias? Nós
não temos quatro biografias sobre Jesus – as biografias de Marcos, Mateus,
Lucas e João? Todos não foram pessoas diretamente ou indiretamente relacionadas
com Jesus e tendo escrito sobre ele até 75 anos após a morte de Jesus?
Crossan apresenta
exatamente os quatro evangelhos como um problema central para que nos
aproximemos do Jesus histórico.
Crossan diz que se você lê
os quatro evangelhos um em seguida ao outro, do início ao fim, a impressão que
se tem é que há entre esses quatro evangelhos uma unidade, uma harmonia e uma
concordância. Mas experimente fazer uma leitura de modo diferente.
Escolha uma passagem dos
evangelhos que esteja presente nos evangelhos segundo Marcos, Mateus, Lucas e
até em João. Coloque esse trecho de cada um desses evangelhos, um ao lado do
outro, horizontalmente, de forma que você poderá lê-los e fazer a comparação
entre eles.
Você vai ficar
impressionado com as discordâncias que encontrará ao longo das diferentes
versões de um mesmo episódio narrado.
Na segunda parte do
desenvolvimento deste tema, vamos abordar o tema dos evangelhos (evangelhos
canônicos, evangelhos apócrifos, processo da transmissão oral e da transmissão
escrita dos evangelhos, etc...)
Nesta oportunidade vamos
destacar algumas passagens dos evangelhos fazendo um exercício de comparação e
de análise, como forma de inserir nossos leitores no instigante processo
redacional desses textos do Novo Testamento.
PALAVRAS DE JESUS NA CRUZ
Quantas e quais frases Jesus teria pronunciado na cruz?
Costuma-se dizer que ele pronunciou sete frases. Será mesmo? O que diz
cada um dos evangelhos a esse respeito?
Em Marcos e
Mateus,
Jesus teria pronunciado uma mesma frase que denotava desespero e angústia. Uma
só frase escandalosa onde ele cobra de Deus porque o deixou na mão.
Mc 15,34 –
“Deus meu, Deus meu por que me abandonaste?”
Mt 27,46 –
“Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”
Em Lucas,
Jesus teria pronunciado três frases diferentes, em três momentos distintos:
Lc 23,34-
Jesus dizia: “Pai, perdoa-lhes: Não sabem o que fazem.”
Lc 23, 43-
Jesus respondeu: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso.”
Lc 23,46-
Jesus deu um forte grito: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.”
Em Lucas
temos três frases de Jesus que demonstram que ele estava no controle da
situação:
1-
pedindo perdão para seus algozes;
2-
dando esperança ao bom ladrão;
3-
confiante nos desígnios do Pai ao qual ele
entrega seu espírito sem desespero.
É a mesma coisa? Claro que
não! Vai uma grande distância entre cobrar de Deus tê-lo abandonado e entregar
o espírito nas mãos desse mesmo Deus.
Em João,
Jesus também pronuncia três frases, em três momentos distintos, que não tem
nada a ver com as três frases indicadas por Lucas em seu evangelho.
Jo 19, 25-27-
Jesus, então, vendo sua mãe e perto dela o discípulo a quem ele amava, disse à
sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” Depois disse ao discípulo: “Eis tua mãe!”
Jo 19,28-
“Tenho sede!”
Essa frase o texto diz que
Jesus pronunciou não porque tivesse mesmo sede mas apenas para fazer cumprir a
Escritura até o fim.
Jo 19,30 –
“Está consumado!”
O que as palavras de Jesus
no evangelho segundo João tem a ver com as palavras de Jesus no evangelho
segundo Lucas? Absolutamente nada! E em relação ao evangelho segundo Marcos?
Também nada!
Qual Escritura Jesus
tentava cumprir ao dizer que tinha sede?
Se você consultar a Bíblia
de Jerusalém, verá ao lado direito da margem a indicação do texto do Antigo
Testamento ao qual essa passagem do Novo Testamento está fazendo referência.
No caso, a fonte do AT
utilizada pelo evangelho segundo João foram os Salmos. No caso foram utilizados
dois Salmos: Salmo 69, versículo 22 e o Salmo 22,16.
Vejamos o que diz esses
trechos no qual o evangelista se inspirou ao montar a cena de seu evangelho.
Sl 60,22 –
“Como alimento deram-me fel, e na minha sede serviram-me vinagre.”
Sl 22,16 –
“Seco está meu paladar, como caco, e minha língua colada ao maxilar; tu me
colocas na poeira da morte”.
O que fez a tradição
cristã?
Juntou essas as frases
ditas por Jesus em Marcos/Mateus, com as três frases constantes em Lucas e as
três frases constantes em João e as transforma no “Sermão das Sete Palavras”.
O que realmente Jesus
teria falado?
Provavelmente ele estaria
morrendo de dor e não ficaria dizendo coisas só para cumprir Salmos.
A que ou a quem então
atribuir todas essas divergências?
Aos evangelistas que
colocaram na boca de Jesus as palavras que conhecemos e com essas palavras eles
estavam dando a sua interpretação daqueles momentos.
Aqui cabe aqui colocação
de Crossan a respeito dos evangelhos:
“Os evangelhos são, em outras palavras,
interpretações. Daí, naturalmente, apesar de haver apenas um Jesus, pode haver
mais de um evangelho, mais de uma interpretação.” [3]
Isto significa que se nós
quisermos saber sobre a pessoa histórica de Jesus temos que ler os evangelhos
com muito cuidado.
Você já tinha parado para
fazer essas comparações e essas análises? Acha que esse é um exemplo isolado?
Então vamos ver outros
exemplos para você se conscientizar de que essas contradições, essas
diferenças, essa desarmonia e falta de unidade são a tônica dos textos
evangélicos.
No exemplo anterior,
focalizamos uma passagem evangélica que narra os momentos finais da vida de
Jesus. Vamos agora analisar o que dizem os evangelhos ao narrar o início da
história de Jesus.
NASCIMENTO DE JESUS – ITINERÁRIOS DIFERENTES
Marcos e João
começam seus evangelhos apresentando a figura de João Batista. Ele está fazendo
sua pregação quando Jesus surge pela primeira vez no texto, já adulto e sendo
batizado por João nas águas do rio Jordão.
Mateus e Lucas são
os únicos evangelhos que narram o nascimento de Jesus e ambos concordam que
Jesus nasceu em Belém e que Jesus é claramente o Messias davídico.
Nesse sentido diz Crossan: ”Mas mais uma vez estamos na mitologia e não
na história”.[4]
EVANGELHO SEGUNDO MATEUS
Mateus nos dois
primeiros capítulos de seu evangelho:
Ø apresenta a genealogia de Jesus;
Ø fala da gravidez de Maria fora do casamento
com José;
Ø do nascimento de Jesus em Belém da Judéia ;
Ø da visita dos reis magos que vieram do
Oriente a Jerusalém;
Ø da fuga de José com a esposa e o filho para o
Egito por causa da matança dos bebês hebreus ordenada pelo rei Herodes;
Ø do retorno deles do Egito após a morte de Herodes
mas não para a Judéia porque tinham medo
do filho de Herodes – Arquelau - que governava a região;
Ø da
fixação de sua moradia na Galiléia, na pequena aldeia de Nazaré.
Nazaré é meio que um refúgio, um esconderijo.
Estranho é que o texto ignora que Nazaré também não era um lugar seguro
para eles viverem, porque ficava na Galiléia, região governada por outro filho
de Herodes – Antipas.
Se a Judéia não era segura por causa de Herodes Arquelau, igualmente
Nazaré não seria segura por causa de Herodes Antipas. Mas esse é um detalhe do
qual Mateus se esqueceu.
EVANGELHO SEGUNDO LUCAS
Lucas nos seus dois primeiros capítulos fala do nascimento não só de
Jesus como também de João Batista.
Notamos algumas diferenças entre a narração feita anteriormente por
Mateus e a narração dos mesmos fatos por Lucas.
Nazaré não é um lugar onde a família se refugia por se sentir em perigo
devido ao governo de Arquelau, filho de Herodes. Nazaré é o local de moradia de
Maria e José.
Eles saem de Nazaré em direção a Belém por causa de um recenseamento de
todo o mundo habitado, diz o texto. Todas
as pessoas deviam ir se registrar na cidade de origem de seus ancestrais. Como
José descendia de Davi tinha que se registrar em Belém. Como o tempo de
gravidez se completa aí, Jesus nasce em Belém.
Temos alguns problemas em relação a esse pretenso recenseamento.
1. Nunca houve um censo universal (de todo o
mundo habitado) durante o reinado do imperador Otávio Augusto.
2. Houve de fato um recenseamento da Judéia,
Samaria e Iduméia territórios governados por Arquelau, mas não na Galiléia, onde
se localizava Nazaré, território governado por Antipas.
3. Esse recenseamento ocorreu dez anos depois da
morte de Herodes, o Grande sob a responsabilidade de Públio Sulpício Quirino,
legado imperial da Síria.
4. Lucas inicia seu evangelho contando os
nascimentos e infâncias paralelas de João e Jesus “nos dias de Herodes, rei da
Judéia” (1,5). Portanto, quando Jesus nasceu não estava acontecendo nenhum
recenseamento.
5. No recenseamento as pessoas eram registradas
onde estivessem vivendo e trabalhando e não nos locais de origem de suas
famílias ancestrais. O importante era as pessoas serem registradas no local
onde pudessem pagar os impostos. Portanto, José não precisava se deslocar de
Nazaré para Belém.
O que fez Lucas na sua narrativa?
Ele jogou o recenseamento que ocorreu só depois da morte de Herodes,
durante o governo de seus filhos, para trás, para a época em que Herodes ainda
estava vivo.
Por que ele fez isso?
Para forçar o deslocamento de José, da aldeia em que ele vivia – Nazaré,
na Galiléia - para Belém, na Judéia, onde Jesus deveria nascer.
E por que Jesus tinha que nascer em Belém? Para poder ser considerado o
Messias.
Muito bem. Jesus nasceu em Belém.
E depois? É levado em fuga por seus
pais para o Egito como disse Mateus em seu evangelho?
Não! É levado para o templo de Jerusalém para ser apresentado ao Senhor
(Lc 2,22) conforme estava escrito na Lei. Após realizarem todos os rituais
previstos eles voltam à Galiléia, para Nazaré, sua cidade (Lc 2,39) onde Jesus
vai levar uma vida normal até ser batizado por João.
No texto de Lucas não há fuga para o Egito por causa da matança dos
bebês.
Diz Crossan a esse respeito:
“A viagem de ida e volta a Nazaré para o
registro de censo é pura ficção, uma criação da imaginação de Lucas,
propiciando um modo de ter os pais de Jesus em Belém para o seu nascimento.”[5]
Theisen também apresenta uma conclusão semelhante:
“Jesus nasceu em
Nazaré. A transferência do lugar de nascimento para Belém é um resultado da
fantasia e imaginação religiosas: como o Messias devia nascer em Belém de
acordo com as Escrituras, o nascimento de Jesus é transposto para lá.”[6]
Vimos que há problemas nos textos evangélicos que narram os momentos
finais de Jesus na cruz.
Vimos também que há inúmeros problemas nos textos que narram seu
nascimento.
Quando se faz um cruzamento entre as informações das fontes que
possuímos as divergências e contradições saltam aos olhos.
Aí se constitui o problema do Jesus histórico. Como é que a gente chega
a recuperar o Jesus histórico diante desse monte de informações desencontradas?
Vamos analisar outro episódio da estória sobre Jesus, constante nos
evangelhos segundo Marcos e segundo João.
VENDEDORES EXPULSOS DO TEMPLO
Mc 11,15-19 – Vendedores expulsos do Templo
Jesus entra no Templo,
começa a expulsar os vendedores e os compradores que lá estavam, virou as mesas
dos cambistas e as cadeiras dos que vendiam pombas, e não permitia que ninguém
carregasse objetos através do Templo.
Há uma informação
importante no versículo 18.
Mc 11,18 –
“Os chefes dos sacerdotes e os escribas ouviram isso e procuravam como fazê-lo
perecer; eles o temiam, pois toda a multidão estava maravilhada com seu
ensinamento.”
O que os chefes dos
sacerdotes e os escribas tinham ouvido?
Mc 11,17-
“E ensinava-lhes dizendo: “Não está escrito: Minha casa será chamada casa de
oração para todos os povos? Vós, porém,
fizestes dela um covil de ladrões.”
O evangelho vai avançando:
Mc 14, 1-2
–“Os chefes dos sacerdotes e os escribas procuravam um ardil para poder
prendê-lo e matá-lo, mas não queriam que isso acontecesse durante a Páscoa,
para não haver tumulto entre o povo.”
Mc 14,43-
Jesus é identificado por Judas e é preso.
Mc 14,53-
Jesus é levado perante o Sinédrio, principal tribunal de Jerusalém.
Mc 14,58-
Jesus é acusado por testemunhas: “Nós mesmos o ouvimos dizer: Eu destruirei
este Templo feito por mãos humanas e depois de três dias, edificarei outro, não
feito por mãos humanas.”
Qual a impressão que se
tem ao se ler o evangelho de Marcos?
É que depois do que Jesus
fez no Templo, os sumo sacerdotes queriam agir, mas por causa da multidão que
se maravilhava com ele, nada fizeram. Quando surgiu o momento propício eles o
prendem e o julgam.
Em
suma: A motivação para a prisão de Jesus em Marcos, é o posicionamento de Jesus
frente ao Templo.
É como se o incidente no
Templo fosse a gota d’água que transborda o copo e Jesus é preso.
Tudo bem?
Tudo bem estaria se nós
não tivéssemos o relato da mesma cena no evangelho segundo João.
Jo 2,13-22 – A purificação do Templo
Jesus encontra no Templo os
vendedores de bois, de ovelhas, e de pombas e os cambistas sentados. Faz um
chicote de cordas e expulsa todos do Templo, com as ovelhas e com os bois; lança
ao chão o dinheiro dos cambistas, derruba mesas, e diz a todos para não
transformarem o Templo numa casa de comércio.
A cena descrita por João é
muito semelhante à cena descrita por Marcos. O que chama, no entanto, a
atenção?
Vamos olhar o número do capítulo
que narra esses acontecimentos em ambos os evangelhos.
Em Marcos, os
acontecimentos no Templo são narrados no capítulo 11, e o evangelho todo possui
16 capítulos.
Em João, os acontecimentos
no Templo são narrados no capítulo 2, e o evangelho todo possui 21 capítulos.
Em João, a cena de Jesus
no Templo acontece logo após a cena das Bodas de Caná. Essa cena no evangelho
de João é a primeira manifestação pública de Jesus – a transformação da água em
vinho é o primeiro milagre que ele faz.
Para
João, o incidente de Jesus no Templo de Jerusalém não está no fim do ministério
de Jesus, mas no seu início.
Se
está no início do ministério público de Jesus, não pode ser a causa de sua
prisão. Afinal de contas ele atuou um bom tempo antes de ser
preso, depois do que fez no Templo de Jerusalém.
Dá para perceber o
problema? Como é que a gente resolve?
A cena de Jesus no Templo
de Jerusalém foi ou não foi o pretexto para que Jesus fosse preso?
De acordo com Marcos, sim.
De acordo com João, não!
Essa é mais uma questão
que se coloca para a perspectiva histórica.
Quando se coloca o
problema da trajetória histórica do personagem Jesus, uma questão como essa se
torna fundamental.
Qual o motivo de sua
prisão?
Alguém simplista poderia
dizer: “Ah, tanto faz se ele expulsou os vendilhões do Templo no começo de sua
vida pública ou só no fim. O importante é que a cena aconteceu!”
Essa é uma maneira de se
fugir da questão histórica.
TEMA DA PREGAÇÃO DE JESUS
Nos
três primeiros evangelhos – Mateus, Marcos e Lucas – o tema da pregação de
Jesus é o REINO DE DEUS.
Mc 1,14 -
“Depois que João foi preso, veio Jesus para a Galiléia proclamando o evangelho
de Deus: ‘Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo.
Arrependei-vos e crede no evangelho.”
Mt 7,21 –
“Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus,
mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus.”
Lc 7,28 –
“Digo-vos que dentre os nascidos de mulher não há maior do que João, mas o
menor no Reino de Deus é maior do que ele.”
No evangelho segundo João
se encontra uma única referência ao Reino de Deus, uma referência absolutamente
secundária na fala de Jesus à Nicodemos.
Jo 3,5 -
“Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer da água e do Espírito não pode
entrar no Reino de Deus.”
Se o Reino de Deus não é o
assunto da pregação de Jesus no evangelho de João, qual seria então o assunto
central nesse evangelho?
Em
João, JESUS FALA O
TEMPO TODO SOBRE SI MESMO.
Jo 6,35 –
“EU SOU o pão da vida. Quem vem a mim, nunca terá fome e o que crê em mim nunca
mais terá sede.”
Jo 6,51 –
“EU SOU o pão vivo descido do céu. Quem comer desse pão viverá para sempre.”
Jo 8,12 –
“EU SOU a luz do mundo. Quem me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da
vida.”
Jo 10,7 –
“Em verdade, em verdade, vos digo: EU SOU a porta das ovelhas”.
Jo 10,11 –
“EU SOU o bom pastor; o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas.”
Jo 14,6 –
“EU SOU o Caminho, a Verdade e a Vida.”
JESUS
FALA DE SI MESMO COMO O REVELADOR DO PAI.
Jo 7,16- “Minha doutrina não é minha, mas daquele que
me enviou...”
Jo 7,28 –
“Vós me conheceis e sabeis de onde eu sou, no entanto, não vim por própria
vontade, mas é verdadeiro aquele que me enviou e que não conheceis...”
Jo 8,18 –
“Eu dou testemunho de mim mesmo e também o Pai que me enviou, dá testemunho de
mim.”
Faz uma diferença
clamorosa, na compreensão da figura histórica de Jesus, se ele veio motivado
por um tema, uma questão ou se veio para fazer propaganda em causa própria. As
consequências são diferentes, do ponto de vista histórico, se é de uma forma ou
se é de outra.
PÁRABOLAS
Os evangelhos segundo
Mateus, Marcos e Lucas apresentam Jesus falando dezenas de parábolas.
As parábolas soam nesses três evangelhos como o modo próprio
de Jesus comunicar seu ensinamento, o modo típico de Jesus ensinar por meio de
palavras.
Se você for ao evangelho segundo João verá que nele não há
parábola nenhuma!
BEM-AVENTURANÇAS
Encontramos os textos
relativos às Bem-aventuranças nos evangelhos segundo Mateus e Lucas. No
entanto, esses mesmos textos não aparecem nos evangelhos segundo Marcos e de
João.
A ausência de um texto
como este, que todos reconhecem ser de suma importância, deveria chamar a nossa
atenção.
Por que as
bem-aventuranças estão em Mateus e Lucas e não estão em Marcos e João?
Mas o problema não é só
esse!
Em Mateus, Jesus vê as
multidões, sobe uma montanha e se põe a ensinar elencando as
bem-aventuranças. (Mt 5,1)
Em Lucas, Jesus desce da
montanha onde passou a noite rezando e onde escolheu os doze apóstolos, e pára
num lugar plano onde haviam muitos discípulos e uma multidão de pessoas e
aí começa a discorrer sobre as bem-aventuranças. (Lc 6,12-20)
Afinal, o Sermão é o
Sermão da Montanha ou o Sermão da Planície?
Seguem as discordâncias...
Parece que Lucas escreve para contrariar Mateus ou vice-versa.
No texto de Mateus há nove
bem-aventuranças.
No texto de Lucas há
apenas quatro bem-aventuranças.
Em Mateus as
bem-aventuranças constituem a primeira fala de Jesus, a primeira proclamação de
Jesus.
Em Lucas as
bem-aventuranças não são proclamação inicial de Jesus. A primeira proclamação
de Jesus em Lucas acontece no capítulo 4, quando ele está na sinagoga de
Nazaré, e lê o texto de Isaías. (Lc 4, 14-21)
GENEALOGIA DE JESUS
Você já prestou atenção às
genealogias que aparecem nos evangelhos? Já se perguntou como pode Jesus ter
dois avôs paternos diferentes? Pois essa é uma das questões que se apresentam
nesse tema.
Em Marcos e João
não aparece uma genealogia para Jesus.
Já Mateus e Lucas colocam em seus evangelhos uma genealogia para
Jesus.
Mateus apresenta sua genealogia logo no início,
indo até um passado remoto, ao ancestral Abraão, apresentando três sequências
de 14 gerações, até chegar à Jesus.
1ª
– de Abrão até Davi;
2ª
– de Davi até Jeconias, por ocasião do exílio na Babilônia;
3ª
– depois do exílio, de Jeconias até José, esposo de Maria.
Segundo
a genealogia de Mateus, o
avô de Jesus foi Jacó, pai de José.
Lucas apresenta sua genealogia apenas no
capítulo 3, porém a apresenta de forma diferente da de Mateus. Ele sequencia as
gerações partindo de Jesus até chegar a um passado ainda mais remoto, ao
primeiro homem criado por Deus – Adão!
Alguns estranhamentos logo
no início.
Lucas diz que Jesus era “conforme
se supunha”, filho de José, que era filho de Eli.
Aqui Jesus tem como avô
paterno outro avô diferente do indicado por Mateus.
Segundo
a genealogia de Lucas, o
avô de Jesus é Eli e não Jacó,
conforme indicara Mateus.
Lucas coloca Jesus como
filho de José (conforme suposição, diz ele).
Mateus já coloca Jesus apenas
como esposo de Maria e não como pai de Jesus.
Você já tentou levantar a
sua árvore genealógica?
Experimente e verá a dificuldade conforme for se
reportando aos seus antepassados. Nós ainda temos documentos escritos (certidão
de nascimento) que estão registradas em órgãos governamentais, de forma que com
muita pesquisa poderemos ir retroagindo com alguma margem de fidedignidade.
Como Mateus e Lucas podem
ter indicado uma genealogia fidedigna se naquele tempo não havia documentação,
cartório de registros? A população era quase toda analfabeta, logo nem
anotações particulares deviam existir. As coisas eram passadas de pai para
filho na base da transmissão oral, e ficavam registradas dentro das
possibilidades da memória.
Logo essas genealogias tem
um caráter literário e não histórico.
Acho que os exemplos dados
já foram suficientes para que se perceba que os textos evangélicos não são
aquilo que nos ensinaram que eram. Os evangelhos não são biografias de Jesus.
Não são textos que narram fatos históricos.
Então, o que eles são?
Como surgiram? Com que intenções? Quem foram de fato seus autores? Existem
outras fontes além dos evangelhos que podem contribuir para se resgatar a
figura do Jesus histórico?
Essas e outras questões
iremos abordar em nossas próximas postagens...
BIBLIOGRAFIA
1- Crossan,
John Dominic - “O Jesus histórico – a
vida de um camponês judeu do Mediterrâneo” – Rio de Janeiro: Imago Ed.,
1994
2-Crossan,John
Dominic - “Jesus – uma biografia
revolucionária” – Rio de Janeiro:Imago Ed., 1995
3-Theissen, Gerf e Merz Annette - “O Jesus histórico – um manual” , Edições Loyola, São Paulo,
Brasil, 2002
[1]
Theissen, Gerd – “O Jesus histórico – um manual” – p.13
[2]
Idem
[3]
Crossan, John Dominic – “Jesus- uma biografia revolucionária” – pg.14
[4]
Crossan, John Dominic – “Jesus- uma biografia revolucionária”, pg.35
[5]
Crossan, John Dominic – “Jesus – uma biografia revolucionária” – p. 36
[6]
Theissen, Gerd – “O Jesus histórico – um manual” – p. 186
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