MADALENA: O ÚLTIMO TABU DO CRISTIANISMO
Iniciei a primeira postagem em plena aula de Informática... Enquanto aprendia como funcionava um blog, tive de escolher um texto para ser postado.
Por que não o texto "As mulheres de Jesus de Nazaré"? Tinha lido o texto recentemente, e ele revelava a faceta revolucionária de Jesus,dessa vez no plano das relações humanas, já que na sociedade judaica de seu tempo, a mulher tinha muito pouco espaço e o nível de independência era praticamente nulo.
No entanto, Jesus rompe com as tradições culturais de seu tempo e trata a mulher como igual, aceitando-as no seu círculo mais íntimo, de seus mais estreitos colaboradores, permitindo não só que elas estivessem presentes, mas fossem suas discípulas, dialogando com elas como pessoas livres, respeitando-as e valorizando-as em igualdade com o homem.
E dessa forma iniciou-se um caminho ideológico, ao qual dei seguimento na segunda postagem, com o texto "Maria Madalena, a mulher que amou Jesus", de Salma Ferraz.
Hoje, dando seguimento ao tema quero apresentar a vocês o livro "Madalena: O último tabu do cristianismo - O segredo mais bem guardado da Igreja: as relações entre Jesus e Maria Madalena", de Juan Arias.
Em postagens futuras destacarei alguns dos trechos mais importantes da obra. Agora porém, quero deixar vocês em companhia do autor, através de uma entrevista dada por ele em julho de 2006, à IHU On-Line quando fala do livro, da teologia atual e de sua trajetória pessoal.
As lendas criadas desde as origens do
cristianismo em torno da personagem bíblica Maria Madalena são discutidas pelo
jornalista e ex-vaticanista do jornal espanhol El País. O escritor afirma que
Madalena não só foi esposa de Jesus, mas também foi a quem Ele mais confiou a
propagação da doutrina cristã.
Juan Arias concedeu a entrevista a
seguir à IHU On-Line, falando sobre seu livro, a teologia atual, a Igreja e sua
trajetória pessoal. Arias é teólogo, especialista em assuntos do Vaticano e
escritor. Foi correspondente na Itália e no Vaticano por 34 anos e é autor de
dois livros sobre João Paulo II, El enigma Wojtyla. Madrid: El Pais, 1985 e Un
Dios para Wojtyla. Barcelona: Grijalbo, 1996. Publicou também um livro sobre
Maria, intitulado Maria, esa gran desconocida. Madrid: Maeva, 2005.
De Arias publicamos os artigos:
1. “A igreja precisa
de quatro pontífices”, na edição 137, de 18 de abril de 2005, dedicada à análise do
pontificado de Bento XVI, Conclave pode eleger um santo, na edição 136, de 11
de abril de 2005;
2. “O Papa que eu
conheci”, na edição 135, de 19 de dezembro de 2005.
IHU On-Line - O
senhor considera-se um provocador de polêmicas dentro da Igreja? Quando uma
polêmica vale a pena e quando não?
Juan Arias – Ante as instituições, as
polêmicas são sempre positivas quando levadas a termo com seriedade, porque o
poder é conservador e tende a perpetuar-se sem se deixar contaminar pelo novo.
Sem polêmicas, sem críticas, a Igreja seria hoje ainda mais conservadora. O
Concílio Vaticano II, nos anos 1960, foi crítico e polêmico. Foi nele que o
Papa João XXIII condenou os bispos e cardeais conservadores, aos quais chamou
de “profetas de desventuras”, abrindo ele as janelas da Igreja ao mundo
moderno.
IHU On-Line - O
senhor afirma que Maria Madalena era esposa de Jesus. Quais são suas bases
científicas?
Juan Arias - Não o afirmo somente eu.
Afirmam-no hoje dezenas de estudiosos da Bíblia e teólogos modernos. Jesus teve
que estar casado e ter família, o que era normal entre os judeus de sua época.
O contrário era o “anormal” e não existe uma só linha nos Evangelhos canônicos
de tal “anormalidade”. Esteve casado e teve família, como Pedro e todos os
apóstolos. Nos Evangelhos gnósticos a evidência é maior, já que aparece que
Maria Madalena era sua esposa, a quem “beijava repetidamente na boca”.
IHU On-Line - Os
Evangelhos apresentam Madalena muito próxima e íntima de Jesus, porém, por que
essa intimidade não poderia ser uma amizade maior do que a que tinha com outras
pessoas?
Juan Arias - A relação de Jesus com
Madalena era diferente daquela das outras mulheres. Não só porque o dizem os
evangelhos gnósticos – alguns mais antigos que os próprios canônicos – senão
porque aparece claro nos evangelhos oficiais, sobretudo no IV Evangelho
atribuído a João, mas que pode ter sido escrito ou inspirado por ela. De fato,
Jesus, ao ressuscitar, aparece a ela e não às outras mulheres, indicando que
era a mulher a quem havia amado. Mais ainda, quando Madalena se dá conta que o
cadáver de Jesus não estava no sepulcro, pergunta a um homem que estava ali por
perto, que lhe dissesse onde o haviam colocado, para ela “ir buscá-lo”. O
direito sobre aquele cadáver era da família de Jesus, de sua mãe, de seus
irmãos. Por que ela se arroga esse direito sobre o corpo de Jesus, se não era
sua esposa?
IHU On-Line - Por
que Jesus teria escolhido Madalena e não outra de suas discípulas?
Juan Arias - Isso teria que ser
perguntado a Jesus. No entanto, nos evangelhos canônicos e nos gnósticos
aparece que é assim. Minha tese é que Madalena era uma iluminada, que inclusive
ensinou a Jesus a doutrina gnóstica. Por outra parte, nenhuma outra mulher
aparece nos evangelhos com o peso de Maria Madalena. Basta pensar que é a ela
ele aparece antes de qualquer pessoa e pede-lhe que ela anuncie a grande
verdade a Pedro e aos demais apóstolos, que, por certo, não acreditam nela. É
curioso, porque Jesus, judeu que conhecia as normas de seu tempo, deveria ter
sabido que não iriam acreditar nela, pois as mulheres não podiam ser nem
testemunhas críveis num juízo.
IHU On-Line - Por
que Maria Madalena seria o último tabu do cristianismo? Que tabus já foram
superados?
Juan Arias - Pode ser considerado
como o último tabu, porque com ele cairia o tabu do sexo que dominou uma igreja
machista durante tantos anos. Se Jesus esteve casado e teve família, é evidente
que o matrimônio – que já é um sacramento – seria mais importante que o
celibato ou a virgindade. A Igreja já não apresentaria o sexo como “o pecado”
por antonomásia e já não poderia manter que as mulheres não podem aceder à
hierarquia sendo sacerdotes, bispos ou papas.
IHU On-Line - Quem
foi, em sua opinião, Maria Madalena?
Juan Arias - Desde logo, é a mulher
mais mencionada nos Evangelhos canônicos. Mais que a mãe de Jesus. Deve ter
sido uma mulher culta e rica para sua época, pois ajudava economicamente o
grupo dos seguidores de Jesus. O mais seguro é que havia sido iniciada no
estudo da filosofia gnóstica, que ela pode ter ensinado a Jesus. E foi a escolhida
por Jesus – como aparece nos Evangelhos gnósticos, com os enfados de Pedro –
para revelar-lhe seus segredos e os mistérios mais complexos de sua doutrina.
Sem dúvida, deve ter sido uma mulher excepcional, quando se tem em conta que,
ademais de ser sua esposa, era a mulher que melhor conhecia Jesus.
IHU On-Line - O que
mais mudaria na Igreja se sua afirmação fosse um dia reconhecida?
Juan Arias - Já disse que mudaria em
matéria de sexo e de feminismo. Mudaria muito mais, porém, se se aceitar que
foi Madalena, e não Pedro, a encarregada de levar a Boa Nova e a dar apoio aos
apóstolos nos momentos de dúvida e de medo, ao anunciar-lhes que Jesus estava
vivo. Toda a teologia sofreria uma revolução, e a Igreja teria que revisar as
raízes de sua história. A Igreja Oriental chamava Maria Madalena de “a
apóstola” por excelência.
IHU On-Line - O
cristianismo tem futuro? Por quais caminhos sim e por quais caminhos não?
Juan Arias - Terá futuro na medida em
que seja fiel à mensagem de Jesus, tantas vezes atraiçoada ao longo da
história. Caso contrário, irá esgotando-se e dando lugar a novas igrejas.
IHU On-Line -
Conheceu o teólogo José Maria Mardones[1], recentemente falecido?
Juan Arias - Conheci José Maria e foi
uma grande perda sua morte. Costumo acompanhar todos os debates sobre o futuro
da sociedade secularizada, sobretudo relacionada com o fato religioso. Agora
mesmo estou acabando um livro sobre uma visão diferente do fato religioso, para
explicar ao grande público como as religiões nasceram para buscar a felicidade
dos homens e como as igrejas, ao apoderar-se das religiões, as manipularam até
convertê-las em instrumentos de infelicidade.
IHU On-Line - Por
que Ratzinger foi eleito? O que se pode esperar e o que está mostrando o atual
Papa?
Juan Arias - Foi eleito porque se fez
muito bem feita sua campanha eleitoral entre os cardeais, aos quais podia falar
a cada um em sua própria língua, pois é um poliglota. Foi eleito porque o
Colégio Cardinalício estava com medo do futuro da Igreja e queria um papa
conservador na doutrina, que intentasse de novo “cristianizar a Europa”, algo
que é pura utopia, já que falta um grande diálogo entre todas as grandes
religiões e uma libertação de todos os fundamentalismos. Hoje não se trata de
“cristianizar” nada. Os ares do fenômeno religioso vão por outros caminhos.
Vivemos tempos de globalização e, quer nos agrade ou não, isso também
influencia a religião. Hoje não pode haver ilhas separadas, países cristãos e
não-cristãos. Hoje todas as grandes religiões se cruzam. O Ocidente põe os
olhos nas religiões orientais, e o cristianismo está tentando conquistar o
planeta chinês, enquanto o Islã penetra nas periferias européias. O que pode
acabar com os fundamentalismos – já que é utópica a idéia de uma única religião
no mundo, algo que só se poderia impor com as armas – é um ecumenismo sério.
Não o que crê possuir a Igreja Católica toda a verdade e as demais devam
acercar-se dela, senão a que tinha Paulo VI, de que Deus pôde semear partes de
verdade em todas as religiões e temos que buscá-las juntos.
IHU On-Line - Seu
colega, o jornalista Enric González, Vaticanista do El País, afirmou que a
tentativa de Bento XVI cristianizar Europa se pensava no princípio do
pontificado. Depois de um ano de Pontificado ele tornou-se complexo e de
difícil avaliação (Conferir Notícias Diárias do sítio do IHU no dia 3/7/2006).
O que o senhor pensa disso?
Juan Arias - Que uma coisa é ser
cardeal e prefeito da Congregação da Fé e outra é ser Papa, uma torre de vigia
de onde se vêem os problemas mais em perspectiva, tendo que escutar mais. Penso
que a espinha dorsal do teólogo Ratzinger segue sendo a descristianização da
Europa, mas é um homem inteligente e sabe também que pode ser uma causa
perdida, de onde a abertura a outros campos. Oxalá se esqueça um pouco de que
condenou tantos teólogos maravilhosos da Igreja e deixe aos teólogos a
liberdade de investigação.
IHU On-Line - Nossa
revista já dedicou uma edição especial ao papel de Paulo no Ocidente. Autores
defendem a idéia de que esse papel foi fundamental, senão o cristianismo teria
permanecido uma seita. Que pensa a esse respeito?
Juan Arias - É que minha idéia e a de
não poucos teólogos modernos é que foi Paulo e não Jesus quem fundou “esta”
Igreja. Por isso, o papel de Paulo é fundamental. As seitas deixam de sê-lo
quando são aceitas oficialmente pelo poder e a seita judeu-cristã foi adotada
pelo Império Romano, portanto triunfou; caso contrário, com Paulo ou sem ele,
teria continuado sendo uma seita minoritária e até poderia ter desaparecido.
IHU On-Line - O que
mais marcou sua trajetória pessoal e profissional?
Juan Arias - Sou um jornalista e
escritor que me interessei – e seguirei fazendo-o enquanto tiver saúde – em dar
a conhecer ao grande público, e não só aos especialistas, os mistérios da
religião que são muitos, e a libertar as consciências do peso que sobre elas
têm colocado as instituições mais conservadoras da Igreja.
IHU On-Line - O
senhor sempre teve fé? Quais são as diferenças que pode haver entre a fé que o
levou a ser padre, a que o levou a deixar o sacerdócio e a atual?
Juan Arias - Minha fé é no Deus que
nos habita, de quem dizia Jesus à samaritana que não necessitaríamos, para
adorá-lo, de igrejas nem de templos, pois poderíamos fazê-lo “em espírito e
verdade”. Todo o restante não me interessa. Não creio num Deus onipotente e
externo que pode fazer o que queira na história, porque, do contrário, nunca
entenderia por que não evitou o Holocausto judeu e por que deixa as crianças
morrerem de câncer. No fundo, é o tema de meu primeiro livro publicado faz mais
de 30 anos e que se intitula O Deus em quem não creio. Acaba sendo-me mais
fácil falar do Deus em quem não creio, do que no Deus de minha fé. Deixei o
sacerdócio bem cedo, depois da revolução do Concílio Vaticano II e por
incompatibilidade com aquilo em que eu cria e pensava da Igreja naquele
momento.
IHU On-Line - Quais
foram as experiências mais marcantes como co-responsável no Vaticano? O que
aprendeu ali sobre a Igreja, especialmente sobre os bastidores da Igreja?
Juan Arias - É um chiste dizer que,
quem vai a Roma perde a fé. Minhas experiências como co-responsável vaticano
foram inumeráveis, pois conheci cinco papas. Pessoalmente, conheci Pio XII,
João XXIII, Paulo VI, João Paulo I e João Paulo II. O papa Bento XVI eu conheci
primeiro no Concílio Vaticano II e depois como Prefeito da Congregação para a
fé, porém não como Papa.
Posso dizer que é muito difícil
informar sobre uma realidade que é totalmente hermética como o Vaticano, onde
ainda vige uma monarquia absoluta. Também conheci, porém, pessoas maravilhosas
que lutavam contra o conservadorismo da Igreja e que eram as que costumavam
dar-nos informação.
IHU On-Line - O que
diria sobre o jornalismo? Como se unem em sua vida e atualmente teologia e
jornalismo?
Juan Arias - Sem o jornalismo,
viveríamos em ditadura. A informação é o sal da liberdade. Por isso tanto a
odeiam os tiranos e os ditadores. Sempre defendi que é melhor um mau periódico,
escrito ou virtual, do que a falta de informação. A teologia me interessa como
“fenômeno religioso”, que é um fenômeno existencial e humanístico e me sirvo do
fato de ser jornalista, quer dizer, de saber escrever para o grande público,
para fazer conhecer minhas idéias a esse respeito.
IHU On-Line - Quais
são hoje suas principais paixões e preocupações?
Juan Arias - Nesta margem da vida –
vou completar 74 anos – minhas paixões são as de sempre: que as pessoas possam
viver livres e felizes, sem tantos medos, começando pelo medo da morte.
Encanta-me o padre Casaldáliga, a quem considero um santo em vida, quando diz,
com o poeta que quer morrer de pé como as árvores. A natureza também tem sido
para mim uma grande mestra de vida. Minhas preocupações maiores são que o mundo
se faz violento em todos os sentidos, que se perde o respeito pela vida, por
toda a criação que estamos violentando a cada instante. A sociedade humana tem,
paradoxalmente, demasiadas certezas e não sabe fazer-se as perguntas que mais
deveriam contar na vida. Existem rios, porém, subterrâneos de esperança, que um
dia sairão à superfície.
IHU On-Line - Como
vê o Brasil?
Juan Arias - Como um povo maravilhoso
com uns políticos que se sujaram com a corrupção. O brasileiro é um povo
alegre, lúdico, maravilhosamente sensual, acolhedor, de uma humanidade
incrível, que sabe gostar das coisas da vida. Como me disse um dia a atriz
Fernanda Montenegro, o que distingue um europeu de um brasileiro é que este
“não tem vergonha de dizer que é feliz”.
IHU On-Line - O
senhor vê a sociedade brasileira como uma sociedade secularizada?
Juan Arias - Não. Vejo a sociedade
brasileira como impregnada de religiosidade, embora de uma religiosidade
eclética. É difícil que um brasileiro não creia em algo, é quase cultural.
Difícil encontrar no Brasil grandes ateus ou agnósticos. O “Dios te bendiga” da
Espanha, quando era religiosa, continua vigente no Brasil e na boca de todos.
Faz parte de sua cultura.
IHU On-Line - Como
avalia a atual crise da contemporaneidade? O que realmente está em crise?
Juan Arias - Mudam somente as
palavras. A sociedade contemporânea necessita do fato religioso, conhecido como
mistério, como novidade, de modo igual como sempre. É religiosa de outras
formas, com outros ídolos e outros deuses, porém segue com o mesmo temor do
futuro que nossos ancestrais. Enquanto não se tiver resolvido a interrogação
sobre por que se nasce e por que se morre, seguiremos fazendo-nos perguntas
que, no fundo, são religiosas no sentido mais amplo da palavra. É curioso que
hoje os mais interessados no “fenômeno religioso”, como curiosidade e mistério,
são os cientistas, os quais afirmam que, quanto mais remexem na matéria, mais
mistérios encontram. O que existe é a rejeição das igrejas, de suas alienações
e de seu fundamentalismo, e não do fato religioso que, mesmo rechaçado pela
porta, volta sempre a filtrar pela janela, embora às vezes disfarçado de
modernidade.
Entrevista da Semana
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[1] José María Mardones(1943-2006),
filósofo e sociólogo espanhol, autor da obra Dialética y sociedad irracional.La
teoria de la sociedad de M. Horkheimer, pioneira na recepção espanhola da
Escola de Frankfurt. A ele dedicamos à editoria Memória da edição 187 da IHU
On-Line do dia 3/6/2006.
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